Curso Online de Filosofia
Olavo de Carvalho
Aula 242
15 de março de 2014
Tem um texto que eu coloquei na página para a aula de hoje que vou ler e comentar, e também tirarei alguns trechos do livro do filósofo Ferdinand Alquié, Signification de la philosophie (Significação da filosofia).
Mas antes eu queria fazer um lembrete sobre estes últimos acontecimentos. Não iremos gastar muito tempo com isto. O que acontece é que tempos atrás eu coloquei na página do curso uma lista das influências que fui recebendo ao longo da vida, não apenas de leituras, mas de contatos pessoais e de outras experiências. Cada uma dessas foi importante para mim. Fui absorvendo tudo e tive a prudência de não publicar nenhum livro antes dos 46 anos, esperando que algumas conclusões da experiência fossem se consolidando. O que acontece agora é que todo esse pessoal -- inclusive o padre Kramer -- achata tudo isso como se fosse uma coisa simultânea, e como se eu estivesse participando de todas essas correntes ao mesmo tempo e as representasse de algum modo. É um erro tão banal, tão bobo, que não deveria nem ser discutido, mas esse pessoal está com aquela passionate intensity (intensidade passional), e evidentemente não enxergam nada.
Não sei se isso é somente loucura ou se existe realmente uma operação de assassinato de reputação por trás, mas a coisa ultrapassou muito a minha capacidade de resposta. Sobretudo, as conclusões do Pe. Kramer estão me parecendo cada vez mais malucas. Não sei se é ele que escreve isso, porque ele tem duas páginas na internet, ou se são os irmãos Velasco que estão escrevendo, mas, às vezes, no entusiasmo, ele chega a tomar algumas posições absurdas: o fato de dizer que a Consagração da Rússia tem de vir depois da extinção de três quartos da humanidade, torna inteiramente absurda a campanha que até ontem ele estava fazendo pela Consagração. Se ela só vai vir necessariamente depois da extinção de três quartos da humanidade, então qual é o sentido de fazer a campanha para que seja feita agora? Isso significa que ou ele abandonou a campanha ou não sabe o que está fazendo. O mais bonito é ele dizer que o Francisco não é o papa, e sim o Bento XVI. Então isso significa que ele está destituindo e nomeando papas, porque o Bento XVI diz que não é mais papa, enquanto o Francisco diz que agora ele que é. A coisa está ficando tão confusa que eu levaria alguns anos apenas para destrinchar este ponto.
Agora, o vendaval de acusações, o que essas pessoas fazem, mesmo quando as testemunhas que elas citam as desmentem, elas ainda assim continuam repetindo e botando mais coisa e mais coisa. A última é que eu roubei dinheiro da livraria Zipak, e que o homem da É Realizações me emprestou um dinheirão para eu fazer uma reforma na minha casa, em troca de que eu lhe escrevesse um livro por ano. Eu não vi esse dinheiro, não estou sabendo de um livro por ano coisíssima nenhuma. Mas essas pessoas acham que sabem. E o Pe. Kramer está se sujando ao se meter com essa gente. Ele está escrevendo as coisas num tom de absoluta certeza: "Este cara é caracteristicamente maçom, essa fusão de Islam e sionismo é maçônica." Ele nem sabe do que está falando: a tariqa a que pertenci foi a do Schuon, que odiava a maçonaria, e qualquer um que se aproximasse dela era expulso dali. Portanto, ele é alguém que sabe muito pouco - em uma de suas páginas, ele afirma que não conhece o Alexandre Dugin, que nunca ouviu falar dele. Mas se o homem não conhece nem o Alexandre Dugin, o que ele sabe do que está se passando na Rússia? A estratégia russa é evidentemente o eurasianismo, e é sabido o posto de importância que Dugin ocupa neste esquema do governo russo. É concebível que, da Rússia, surgisse um movimento político que começasse a se espalhar pelo mundo exclusivamente por iniciativa pessoal do Dugin, sem ter o governo russo e a KGB por trás dele? Isto é absolutamente inconcebível.
A coisa se complicou de tal modo que transcendeu a minha norma de responder a acusações uma por uma. Realmente, isto não é possível. A quantidade e a simultaneidade ultrapassaram a minha capacidade de resposta. Então, isto aí vai ter de esperar, e, com o tempo, será esclarecido o que for possível.
Vamos aí para o texto da aula.
Neste livro, Signification de la philosophie, Ferdinand Alquié, em 1971, diz que definir-se a si mesma é uma das tarefas fundamentais da filosofia. Claro que não se trata apenas de definir-se a si mesma, mas também de definir os limites e os perfis de todos os demais campos do conhecimento. Não existe nenhuma ciência capaz de definir-se a si mesma pelos seus próprios métodos (não é possível, por métodos geológicos, definir o limite da Geologia, nem, por métodos biológicos, o limite da Biologia). Isto é absolutamente impossível. Então, no fundo, cabe à filosofia delimitar-se a si mesma e às demais áreas do conhecimento. Porém, diz Alquié que, aparentemente, definir-se a si mesma se tornou, no século XX, a única função da filosofia, de tal modo que os filósofos entraram em dúvida quanto àquilo que estavam fazendo. Eu vou ler um parágrafo dele:
Como conduzir o nosso pensamento se não possuímos, da filosofia, uma definição preliminar e precisa? E, no entanto, nada seria mais perigoso do que formular, desde o ponto de partida, uma tal definição, em nome da qual tais questões seriam definitivamente resolvidas. Nenhuma definição desse tipo seria, tomada em sentido rigoroso, aprovada por todos aqueles que ao menos provisoriamente precisamos chamar de filósofos: à da filosofia como um esforço em direção à síntese total não receberia o assentimento de Hume; à da filosofia como um conhecimento do espírito seria recusada por Spinoza; para Le Senne, a filosofia é a descrição da experiência, proposição que sem nenhuma dúvida Kant teria rejeitado. O filósofo, declara Merleau-Ponty: "se reconhece por ter inseparavelmente o gosto da evidência e o senso da ambiguidade". Descartes tinha "o gosto da evidência", tinha ele "o senso da ambiguidade"? Lukács tende a reduzir as filosofias a visões do mundo; Chatêlet estabelece a insuficiência dessa noção e define, por sua vez, a filosofia como "um projeto de um discurso integralmente legitimado". Mas ele o faz só para concluir com o fracasso desse empreendimento. Qual filósofo, com efeito, poderia pretender ter inteiramente legitimado o seu discurso? No mais, essa definição não deixaria fora dela tudo aquilo que é experiência propriamente ontológica? Não serviria para nada multiplicar os exemplos. Nenhuma definição rigorosa da Filosofia poderia, desde o ponto de partida, ser retida.
É claro que, como todas as pessoas que estudam algo dessa área, eu também meditei muito a questão da definição e dos limites da filosofia. Partindo, sobretudo, de um texto que já lemos aqui, mas que resumirei novamente ["Dissolução do conceito de filosofia"]:
O historiador Wolfgang Stegmüller, numa página admirável, descreve a progressiva dissolução do conceito de filosofia. Numa primeira fase, diz ele, há uma diversidade de opiniões, na qual se conserva entre os filósofos apenas uma relação de discussão. "A situação já se torna pior quando a base que se tomou como ponto de partida ou os métodos de pensamento foram totalmente divergentes. Então pode-se chegar a um ponto em que já não é mais possível nenhuma discussão... Os argumentos e contra-argumentos parecem cair no vazio". No entanto, ainda resta aí alguma comunicação. Em seguida, porém, a possibilidade mesma da comunicação desaparece, porque "um não consegue mais atribuir nenhum sentido ao que o outro afirma". Ainda subsiste, nessa fase, uma vaga identidade de intenções: cada um não entende o que o outro diz, mas acredita que de algum modo ele está também em busca do conhecimento e da verdade. Por fim, atinge-se aquele ponto em que nem essa vaga identidade existe mais: não apenas as afirmações e argumentos de cada um se tornam incompreensíveis aos outros, mas até o tipo de ocupação em que ele está envolvido torna-se um enigma para os outros.1
Este é o resumo do que disse Wolfgang Stegmüller. Aqui, temos duas visões discordantes sobre a definição de filosofia. Uma delas, a do Stegmüller, descrita em 1976, é, por assim dizer, histórica [0:10] ou diacrônica, na qual ele vê um processo de dissolução da noção de filosofia e, portanto, um processo de confusão crescente na área; a outra, de 1971, é a do Ferdinand Alquié, na qual ele apanha alguns filósofos de diversas épocas e os achata num sincronismo, mostrando que, mesmo entre essas diversas épocas, já se tinha uma divergência profunda quanto ao conceito de filosofia. Então parece que os filósofos se acostumaram com a noção de que eles têm de desenvolver a sua própria definição ou trabalhar num campo que eles próprios não conseguem definir, pelo menos de maneira satisfatória aos demais filósofos. Prossigo dizendo:
Isso foi escrito em 1976. Na época, já era impossível que um neopositivista devotado a aprimorar logicamente a linguagem das ciências reconhecesse como companheiro de atividade um marxista empenhado em achincalhar a lógica formal como "instrumento do poder burguês", e ambos não teriam nada a discutir com um existencialista que tentasse expressar o mundo da subjetividade humana.
Desde então, a coisa se complicou formidavelmente. Vieram o estruturalismo e o desconstrucionismo, os cultural studies, o feminismo, o gayzismo e o relativismo, que invadiram os departamentos de filosofia e ciências humanas, reduzindo tudo a disputas de poder. (...)
"Disputa de poder" é uma dessas categorias universais que estão presentes em todas as relações humanas. Ninguém pode se relacionar com um cachorro sem que haja ali uma disputa de poder. Do mesmo modo, todas as relações humanas têm, por exemplo, um aspecto biológico e outro, econômico, sendo que tais categorias perpassam todas as dimensões da existência humana, estando sempre presentes -- o que não quer dizer que estas se reduzam àquelas. Porém, a universalidade mesma da presença de tais categorias é o que torna facilmente crível uma tese como "tudo é biologia", ou "tudo é economia", ou "tudo são relações de poder". Essas frases são eminentemente vazias, porque, apesar de serem sempre verdadeiras de algum modo, não dizem absolutamente nada. Só se poderia chegar a alguma conclusão deste tipo se se averiguasse, pelo menos em um caso, alguma relação humana que pudesse ser reduzida a um determinado aspecto. Mas isto é impossível. Por exemplo, uma relação puramente biológica, que não seja ao mesmo tempo histórica, lingüística, social, econômica etc., é uma abstração, não uma realidade. Esses vários conceitos e perspectivas são obtidos por abstração (isto é, por separação em vários aspectos), portanto não têm, por si mesmos, substancialidade alguma - eles aparecem apenas no fato concreto. O que caracteriza realmente o fato concreto é [a particularidade de ele] não poder ser jamais [reduzido] a apenas um de seus aspectos -- esta é uma característica sua: a multilateralidade de aspectos. Mas, quando o sujeito começa a tratar essa fatia abstraída como se fosse uma substância, ele já está fora da realidade (ou seja, no mundo da lua). Este é o problema do "abstratismo", de que falava o Mário Ferreira dos Santos: a pessoa separa um certo aspecto da realidade, depois esquece que o separou, e começa a tratá-lo como se fosse um ente, uma substância. É um erro primário, mas que, de fato, está muito disseminado. Mais ainda: é impossível existir, por exemplo, qualquer narrativa (um poema épico, um romance, um conto) em que não haja alguma relação de poder entre os seus personagens. Portanto, relações de poder estão presentes em toda parte, sempre -- elas perpassam toda a literatura universal. Contudo, esta mesma literatura também está perpassada de relações lingüísticas, psicológicas, morais, econômicas, e assim por diante. Desse modo, é possível juntar uma amostragem absolutamente formidável sobre relações de poder, sem que, com isto, fique provado que a elas tudo se resume.
E isto é uma coisa importante: o volume da amostragem não significa nada. Empilhar fatos nunca é um método científico. Pode-se empilhá-los aos milhões: se não há confrontação com os fatos que os desmentem, e não se demonstrar que um tem mais peso do que o outro, absolutamente nada restou provado. É o mesmo que, em um julgamento, só haver o queixoso, e não, o réu; ou só haver réu, sem o queixoso -- seria impossível, assim, chegar a qualquer veredicto. Desde o tempo de Aristóteles, sabe-se que ciência é confrontação de hipóteses; se não há hipóteses contrárias, nem argumentos e provas em favor de ambas, não há ciência absolutamente. Acontece que, quando alguém tenta fazer ciência, freqüentemente ele chega a becos sem saída,a questões sem resposta, e, por mais que acumule argumentos de parte a parte, ele não consegue chegar a nenhuma conclusão -- que o diga a discussão sobre a teoria da evolução, que se arrasta há cento e cinqüenta anos e, como dizia o Moreira da Silva, "até hoje ninguém sabe quem morreu".
(...) as neurociências, que pretendem resolver problemas tradicionais da filosofia mediante a fisiologia e a química do cérebro. E sobretudo vieram os computadores, que multiplicaram o número de opinadores em progressão geométrica e ainda tornaram a técnica da argumentação um problema de software. [O software monta automaticamente qualquer argumento para qualquer pessoa]
Tudo isso pode receber, hoje em dia, o nome de filosofia.
A conclusão que se impõe é incontornável: Se aceitamos chamar de 'filosofia' tudo aquilo a que hoje se dá esse nome em livros, cursos universitários, revistas acadêmicas, jornais, programas de TV e conversações gerais, é preciso desistir de chegar a qualquer definição razoável de filosofia. Isso não significa que essa noção, em si, seja nebulosa e inalcançável; confusão idêntica se observa na definição de muitas outras atividades humanas, como a política, a religião e até a arte. [Ou seja, essa confusão não é própria nem exclusiva da filosofia]. Na verdade, quanto maior o número de pessoas que falam sobre alguma coisa, mais a imagem dessa coisa tende a se dissolver numa poeira de ambigüidades e de equívocos; e desde o século XIX a quantidade de vozes que espalham opiniões soi disant filosóficas veio crescendo parasitariamente até alcançar as dimensões do inabarcável e do inconcebível. Colocar ordem nesse caos está acima das possibilidades humanas.
No entanto, precisamos ter algum senso de orientação no conjunto. Temos aqui uma tarefa cuja realização é necessária, embora seja irrealizável. Portanto, iremos viver numa tensão permanente entre aquilo de que precisamos e aquilo que podemos fazer. Qual será o limite entre uma coisa e outra? Até onde devemos insistir nessa tarefa e até onde devemos desistir de realizá-la? Para isso, não há uma resposta universal. Cada um vai ter de saber a resposta a partir de suas necessidades, do tipo de curiosidade que tem, da sua demanda de explicações, da sua demanda de racionalidade; a sua demanda de compreensão vai até que ponto. É esta demanda que vai determinar o limite da resposta que você precisa. Para mim, o problema da definição da filosofia está imediatamente ligado ao seu ensino: há que se ter um senso de orientação na matéria quando for dá-la aos alunos. Mas qual seria o caminho para buscar este senso de orientação? Qual é o método para isto?
Hegel afirma que "a essência de uma coisa é aquilo em que ela se torna". Se isso fosse uma verdade universal, seria obrigatório concluir que a filosofia, em sua essência, é nada mais que confusão de línguas. (...)
Se o resultado da filosofia é a "confusão das línguas", se foi nisto que a filosofia se tornou, então a filosofia é isto, segundo Hegel.
(...) Felizmente, essa regra de Hegel só se aplica a processos que sejam desenvolvimentos normais de um princípio ou conceito, como por exemplo no caso de uma semente de maçã que cresce até tornar-se macieira. (...)
Você olha a semente da maçã e diz que ela é uma macieira em potência.
(...) Não se aplica aos casos onde interferem muitas causas heterogêneas, acidentais e externas à natureza da coisa em questão. Por intervenção externa, um gato se torna cuíca: isso não quer dizer que ser cuíca seja a natureza do gato.
Que é um gato? Se alguém mostra uma cuíca, pode-se dizer que o gato se transformou nessa cuíca. Mas ele não se transformou por causa de sua dinâmica interna, nem pelo desenvolvimento do seu próprio potencial, sem interferência externa. [0:20] Ele virou cuíca porque alguém o transformou em cuíca. Esse tipo de intervenção externa é o que Aristóteles chamava de "violência", isto é, ele se transformou nisso por uma "violência". É evidente que o estado dele após a intervenção "violenta" não expressa a sua natureza, mas alguma outra coisa que não tem nada a ver com essa natureza, embora expresse uma de suas possibilidades, uma das suas qualidades virtuais, isto é, se o gato se transforma numa cuíca é porque ele pode se transformar numa cuíca. Ninguém fará uma cuíca com um mosquito. Se pode fazer com um pedaço de pele de elefante, eu não sei.
Às vezes, a essência de uma coisa não se revela na sua forma final, mas, ao contrário, numa forma inicial que foi modificada por causas externas até tornar-se quase irreconhecível.
Aí entra um estudo muitíssimo importante. Na Grécia, a filosofia teve uma certa unidade no período que vai de Sócrates até Aristóteles. Ali pode-se dizer que houve o desenvolvimento de um potencial que já estava dado na proposta socrática inicial. Sócrates tinha uma idéia a respeito daquilo que ele devia fazer e o fez até certo ponto, Platão aprofundou e Aristóteles deu um formato mais acabado. O processo grego, que vai de Sócrates a Aristóteles, foi o desenvolvimento de uma essência, como o crescimento de uma semente.
Mas em épocas posteriores, a intervenção de fatores externos, "violentos" ou não, foi muito grande. E é claro que não há a menor possibilidade de se orientar no campo da filosofia sem se ter uma noção histórica dessas intervenções, de como elas foram modificando aquilo que se chamava filosofia, até torná-la irreconhecível. Por trás dessas muitas transformações, em que o perfil da filosofia é completamente modificado, algo do proposta originária deve ter sobrado, senão seria impossível até mesmo reconhecê-lo; o produto se tornaria tão imensamente diferente ao ponto de não poder ser chamado pelo mesmo nome, e a noção de filosofia já teria se perdido há muito tempo. E o fato é que isto não se perdeu, porque mesmo quando dois filósofos estão fazendo coisas tão diferentes que eles não conseguem se comunicar entre si, ainda assim são reconhecidos como filósofos, ou seja, de algum modo sabemos do que estamos falando quando usamos a palavra "filosofia", embora não consigamos expressar num conceito aceitável para todos. Isto não acontece só com a filosofia, existem muitos fenômenos que você consegue reconhecer, mas não consegue definir.
O mesmo ocorre com a filosofia: desde seu nascimento na Grécia, muitos foram os fatores e interesses externos que interferiram no seu exercício e o adaptaram a finalidades que não eram originariamente as da filosofia. Por baixo dessas modificações acidentais, algo do propósito originário da atividade filosófica se conservava, mas amoldado e encoberto por camadas de exigências estranhas que é preciso, hoje, descascar para trazer à luz esse algo.
Por um lado, quais foram as exigências ou intervenções externas que modificaram o perfil da filosofia, e em que medida e como essa modificação conservava algo do elemento originário, de modo a poder continuar sendo identificado como filosofia?
A rigor, esse estudo ainda não foi feito de maneira abrangente, mas sim de maneira parcial: o próprio Alquié nesse livro tenta algo, o Randall Collins, no [livro] Sociologia da filosofia, e assim por diante.
Uma dessas modificações, talvez a mais decisiva de todas, foi a criação das universidades e a conseqüente transformação da filosofia numa atividade profissional regulamentada. (...)
Na Grécia, a filosofia não era isso. Sócrates, sobretudo, se diferenciava dos sofistas por ser um amador. Ele não cobrava nada por suas conversas, pelo seu tempo, e a atividade dele era flagrantemente diferente da dos sofistas. Estes ensinavam a arte da argumentação para pessoas que estavam interessadas em subir na vida e na política, essa era a finalidade deles; a finalidade de Sócrates era completamente outra, ele queria desenvolver nos seus estudantes e no seu círculo de amigos uma espécie de consciência de si mesmos e dos problemas do conhecimento, mesmo que isso não levasse a nenhuma conclusão positiva. Ele queria mostrar para as pessoas que os temas e problemas sobre os quais elas opinavam implicavam mais dificuldades do que elas pensavam. Como diria, hoje, o livro do David McRaney, "you are not so smart" ("você não é tão esperto quanto pensava").
Em seguida, com Platão, há um esboço duma sistematização, duma organização, mas não se pode esquecer que a filosofia de Platão sempre culmina nos mitos, ou seja,[26:05]milhões de questões ficam em aberto. Aristóteles formaliza muito mais esse edifício, mas na maior parte das questões ele afirma não ser posssível ter uma certeza definitiva, apenas uma certeza provável, e mesmo no caso desta última, quando você verifica aquele seu livro "Problemas ou questões", em que ele coloca "milhares" de questões das quais a maior parte não foi resolvida ainda, percebe-se que ele ainda está trabalhando dentro do espírito socrático, que é antes o de desenvolver consciência[26;43] cognitiva do que o de entregar uma doutrina pronta.
"O primeiro desses regulamentos, que veio a influenciar todos os subseqüentes, foram os Estatutos da Universidade de Paris, publicados pelo cardeal Robert de Courçon em 1.215. Os Estatutos não se limitavam a estruturar a carreira universitária [27:15]-- o que já seria por si uma inovação considerável -, (...)"
Uma carreira pressupõe um exame, uma avaliação dos postulantes, uma hierarquia profissional, testes para passar de um nível para outro, uma remuneração, direitos e deveres. É uma coisa muito complicada, que você não encontra nem na Academia Platônica, nem no Liceu Aristotélico.
"(...) mas entravam em cheio na prescrição de conteúdos admitidos e proibidos, colocando entre estes últimos a Metafísica e os livros de ciências naturais de Aristóteles".
O primeiro sinal da existência das universidades foi um estatuto e uma proibição. Já havia uma intervenção direta de uma autoridade externa no conteúdo.
"Ninguém vai dizer que isso foi apenas um desenvolvimento lógico do conceito de Filosofia".
Aí, o critério do Hegel ("a essência de algo é aquilo em que ele se torna") começa a falhar, no que diz respeito à Filosofia, porque nada na atividade[28:24] originária e no conceito da filosofia de Sócrates, Platão e Aristóteles deixava prever que seria preciso proibir algum conteúdo. Isto acontece 1.600 anos depois e por razões que não têm nada a ver com Sócrates, Platão e Aristóteles; são razões da época, que não eram filosóficas de maneira alguma.
"Foi apenas uma intervenção externa ditada por motivos políticos e religiosos, mas deixaria uma marca profunda no exercício da atividade filosófica -- portanto no conteúdo das filosofias -- por três séculos pelo menos"
A marca foi tão profunda que até hoje o povo, isto é, os leigos, aqueles que não entendem de Filosofia, tendem a identificá-la como a profissão universitária. No entanto, a regulamentação da Filosofia como profissão universitária aconteceu 1.600 anos após a sua fundação e por motivos que não eram, de maneira alguma, filosóficos.
"Esse conteúdo, portanto, somente em parte reflete o desenvolvimento interno da problemática filosófica herdada dos gregos; esta vem encarnada num modus ratiocinandi que não é inerente à "essência" da filosofia, mas a necessidades pedagógicas nascidas de uma circunstância histórica[29:58] muito peculiar, [0:30] muito datada".
O modo dos filósofos escolásticos raciocinarem não é, de maneira alguma, o de Aristóteles, nem o de Platão, nem o de Sócrates. É uma coisa nova, uma fórmula nova que eles inventaram. Já vamos ver porquê inventaram.
"As universidades medievais deram tanta importância à demonstração e à prova, que até hoje prevalece a impressão de que essa técnica é vital para o exercício da Filosofia."
No século XVII e XVIII, na época do racionalismo, Leibniz, por exemplo, identificou a idéia de prova com o pensamento, dizendo que: "pensar é provar alguma coisa e, portanto, a finalidade da Filosofia é provar." É fazer o que Chatêlet chama de "um discurso integralmente legitimado" em todos os seus passos (projeto que, no século XX, Kurt Gödel viria a demonstrar que era totalmente impossível, pois não existe demonstração completa de nada). Mas todos os filósofos - escolásticos, não-escolásticos e anti-escolásticos - foram profundamente influenciados por essa idéia, por esse modo de praticar Filosofia -- que era o modo escolástico -, que a idéia da prova integral se disseminou como uma obsessão. Vê-se isto em Descarte, Spinoza, Leibniz e, depois, na Escola Analítica, a qual chegou a pretender criar o que eles chamavam de "Enciclopédia da Ciência", em que todas as ciências estariam unificadas num discurso único, do começo até o fim, em que tudo restaria demonstrado.
No entanto, a idéia da prova total não veio por motivos filosóficos. O próprio Aristóteles já havia dito: "É impossível provar tudo". Para os gregos isso era normal.
"(...) até hoje prevalece a impressão de que essa técnica é vital para o exercício da Filosofia. A chamada escola analítica de Bertrand Russel e Rudolf Carnap chegou a propor, no início do século XX, a redução de toda a Filosofia à pura técnica lógica".
Ou seja, não existe Filosofia, só existe a Lógica. Portanto, o trabalho do filósofo se resume em aprimorar a Lógica.
"Mas em Platão e Aristóteles a Lógica tinha uma importância muito modesta. Nos diálogos platônicos raramente se vê a demonstração formal de alguma tese. Platão prefere a arte da persuasão (peitho) baseada não na prova lógica mas no testemunho interior dos ouvintes".
Platão apela à experiência interior das pessoas. Ele pergunta para alguém: "com você foi assim?". E o sujeito responde: "foi ou não foi". Isso não é uma prova lógica, mas um apelo ao testemunho, o qual depende, evidentemente, da seriedade e sinceridade da testemunha.
"E o próprio Aristóteles, o primeiro formulador da técnica lógica, raramente a usava nos seus ensinamentos, dando preferência à dialética, arte da investigação".
A dialética é a confrontação de duas ou mais hipóteses contrárias. Aristóteles dizia: "o raciocínio dialético leva sempre a uma conclusão mais razoável". Pega-se um problema e o aprimora até chegar a um nível de maior razoabilidade ou, como diríamos hoje, probabilidade. Mas não é uma prova definitiva.
"O motivo disso é que só se pode fazer uma demonstração lógica quando se têm nas mãos as premissas fundantes nas quais as provas vão se basear, e o problema fundamental da filosofia, pensava Aristóteles, consistia justamente em buscar e encontrar essas premissas".
Sejam as premissas gerais, princípios universais de todo pensamento lógico; sejam as premissas específicas de qualquer campo. Quando se entra num campo novo, no campo problemático, não se têm as premissas. Não se sabe quais são os princípios que fundou aquilo. É justamente esse princípio que você está buscando. Portanto, não há como usar um método lógico, mas um método dialético. O método dialético parte das opiniões e impressões que já existem. Um diz uma coisa, outro disse outro; um viu assim, o outro viu assado. E você vai estruturando aquilo, conforme as categorias ou predicamentos que o sujeito afirmou isso aqui. Ele afirmou a respeito de uma substância ou de uma qualidade?
Agora mesmo nós estávamos fazendo essa distinção, dizendo que essas sentenças, por exemplo, "tudo são relações de poder", não se referem a uma substância, mas há um aspecto, qualidade. Articulando de maneira que cada questão se tornava progressivamente mais clara, e daí se podia deduzir uma ou duas premissas, que talvez pudesse servir de base para elucidação dos problemas daquela área.
"O enorme desenvolvimento da lógica nas universidades medievais não reflete a continuação natural e espontânea de um processo iniciado na Grécia, mas a introdução de um fator novo e externo. Esse fator foi o seguinte".
Veja como não é filosofia.
"Conforme demonstrou Alois Dempf em A Concepção do Mundo na Idade Média, a Igreja Católica dos primeiros séculos não se ocupou de fazer nenhuma exposição sistemática da doutrina revelada".
Eles apenas liam o Evangelho e explicava-o.
"Os escritos doutrinais da época só respondem, de maneira esporádica e improvisada, seja a perguntas dos fiéis, seja a objeções dos adversários".
Todos esses escritos eram parciais: cada indivíduo pegava um problema sem tentar sistematizar e organizar.
"Aos poucos, essas opiniões doutrinais foram sendo reunidas em grandes coletâneas, os Livros de Sentenças, mas o simples fato de a doutrina então aparecer sob a forma de um todo organizado (...)",
Tinha de organizar as várias sentenças dos Padres sobre diversos assuntos. O simples fato de dividir por assunto já implicava algum senso de unidade; então, começa a aparecer, de maneira tosca, certa unidade da doutrina cristã.
"(...) o simples fato de a doutrina então aparecer sob a forma de um todo organizado suscitava novas e mais complexas perguntas e objeções (...)"
Antes, havia um Padre que disse alguma coisa aqui e outro que disse outra coisa acolá. De repente, junta-se todo aquele material, e evidentemente que esta simples junção sugere novas perguntas, novas dificuldades e, portanto, novas objeções.
"(...) tornando necessário sustentar a exposição com uma argumentação sistematizada".
Da sistematização das sentenças surge, para responder as perguntas e objeções, a necessidade de sustentar aquilo com alguma argumentação, que também tem de ser sistematizada, evidentemente.
"Daí surge um novo gênero literário, as Sumas, do qual o primeiro exemplo são os Comentários aos Quatro Livros de Sentenças de Pedro Lombardo (...)"
Havia os Livros Sentenças de Pedro Lombardo, isto é, uma coleção de afirmações dos Santos Padres, de maneira mais ou menos organizadas. Então, a primeira Suma nem aparece com o nome "Suma": aparece como Comentários ao Livro as Sentenças de Pedro Lombardo, que são as sentenças e a argumentação em favor desta ou daquela interpretação.
"(...) Comentários aos Quatro Livros de Sentenças de Pedro Lombardo, de Alexandre de Halles (1185-1245) e que alcançará a perfeição máxima na Suma Teológica de Sto. Tomás de Aquino (1225-1274)."
Vê-se que Alexandre de Halles nasceu em 1185; enquanto que Sto. Tomás de Aquino, em 1225. Portanto, Sto. Tomás de Aquino nasceu vinte anos antes da morte de Alexandre de Halles.
"A doutrina católica assumia aí, para usar em outro contexto a expressão de René Girard, a forma de 'um longo argumento do princípio ao fim'."
Idealmente, seria a doutrina explicitada, argumentada e fundamentada em todos os seus pontos. É claro que isso também é empreendimento utópico. Nunca termina. Tanto é que Sto. Tomás de Aquino escreveu duas Sumas: uma para os seus estudantes (Suma Teológica), e outra para discutir com os judeus e muçulmanos (Suma Contra os Gentios).
"Produzir, analisar ou simplesmente acompanhar esse argumento exigia um apurado domínio da lógica, sendo este o motivo pelo qual essa disciplina se desenvolveu tão formidavelmente nas universidades medievais, impulsionada ainda pelo exercício da dialética na prática das disputationes (debates organizados) e aprimorada até os últimos requintes pelo grande espetáculo das Questiones quodlibetales (quodlibet significa "como queiram"), nas quais um mestre consumado se oferecia para responder de improviso a qualquer pergunta filosófica ou teológica da congregação (professores e estudantes)."
Na Idade Média, o desenvolvimento da lógica não aconteceu como um desenvolvimento natural da Filosofia, mas em função de uma necessidade da doutrina e do ensino católico. [0:40] Era um problema da Igreja; não tinha nada a ver com a Filosofia. Mas interfere na Filosofia e modela a profissão filosófica, o modo de raciocínio filosófico, que, daí para adiante, dá cada vez mais importância à lógica e à prova, e modela o repertório de assuntos.
Assim, nós podemos perguntar: "se essa modificação aconteceu em razão de uma necessidade externa - da Igreja, do ensino e da própria administração das Universidades -, não haveria a possibilidade de que a Filosofia sem este fator se desenvolvesse de outra maneira partindo diretamente da herança grega?" Claro que havia. Essa possibilidade não se realizou, mas ela sempre existiu. Se alguém ali tivesse a idéia de ignorar tudo isso e filosofar como Platão e Aristóteles, nada poderia impedi-lo de fazer.
No mundo islâmico aconteceu um processo similar. No Islam, da onde vem o desenvolvimento da lógica e da dialética? Não vem de um desenvolvimento filosófico, mas do Corão e dos Ahadith, os quais são as sentenças que reúnem os ditos e feitos do profeta. Estes últimos somam 40.000. É como se fosse o Livro de Sentenças. Na hora em que se reúnem tudo aquilo, as perguntas começam a surgir, como: "Aqui ele disse isto, mas lá ele disse uma coisa diferente. Como é que é isso?" Com isso, começam a surgir as escolas teológicas, que são quatro dominantes no Islam. E a dificuldade é tanta que, atualmente, essas quatro escolas, que são divergentes, são consideradas legítimas porque não conseguiram arbitrar as diferenças. Logo, admitem-se respostas divergentes, porém ambas são consideradas legítimas ou ortodoxas. Além disso, há uma imensa confusão doutrinal advinda das diferenças entre as escolas filosóficas, entre as tariqas etc. No Islam, também o aprimoramento da argumentação e da arte da prova não vieram do desenvolvimento interno da Filosofia, mas de um fator ligado à religião, sobretudo à manutenção da autoridade religiosa.
Assim, a idéia da prova está muito ligada à expectativa de uma doutrina universalmente válida, que seja obrigatória para todos aqueles que são capazes de compreendê-la. Se alguém diz: "aqui está tudo provado e se você negar isso, não estará exercendo um direito, mas indo contra", digamos, "a própria raiz do pensamento humano, isto é, estará saindo da humanidade. O próprio Deus não impôs a noção da doutrina universalmente obrigante. Não se encontra em parte alguma do Antigo e do Novo Testamento a seguinte afirmação: tudo aqui está logicamente provado e, portanto, qualquer pessoa capaz de pensar é obrigada a aceitar. Ao contrário, oferece-se aquilo como mensagem que depende da fé, da confiança e do amor que você tem ao Mensageiro; isto é, não como uma doutrina cientifica universalmente obrigante. Isso não aparece em nenhuma linha do Evangelho nem do Antigo Testamento. Deus nunca disse que: "Aqui está tudo provado matematicamente, e se você é capaz de pensar, é obrigado a aceitar este Alguém". No Novo Testamento, sobretudo, o que se enfatiza é a fé, coisa que se vê de cinco em cinco minutos. Por exemplo, Jesus Cristo pergunta para algum indivíduo: "Quem sou Eu?" E o sujeito responde: "Tu és o Filho de Deus vivo". Então, tua fé te salvou. Houve alguma demonstração matemática? Houve uma lógica que se impusesse: "olha Eu sou aqui o Filho de Deus, está aqui o tratado que prova que sou Filho de Deus. Faz aí, matematicamente, a conta e verá"? Não tem isso em parte alguma, pois depende de uma relação pessoal e de confiança.
Portanto, a idéia da doutrina universalmente obrigante não é uma criação da Grécia. Aristóteles, a palavra final da grande filosofia grega, claramente admite que na maior parte das questões nós vamos ter no máximo uma probabilidade razoável, se tanto. No entanto, na Idade Média, em função da estruturação da Universidade de Paris, apareceu esse novo modus ratiocinadi que visava a uma doutrina inteiramente provada e justificada --- um dos conceitos de Filosofia dado aqui pelo Alquié, citando François Chatêlet: "a filosofia é um projeto de discurso integralmente legitimado." Ora, se a filosofia fosse isso, ela deveria ter sido desde o começo. Por que levou 1600 anos para alguém descobrir isto, e ainda o descobriram não por causa de um desenvolvimento interno, natural da Filosofia; mas de uma necessidade administrativa externa? Então, se o sujeito diz: "a Filosofia é um projeto de discurso inteiramente legitimado". Isto é falso. O filosofo pode tentar fazer isso, mas será apenas um dos desenvolvimentos possíveis da Filosofia, e não a Filosofia. Esta era a idéia de Descarte, Spinoza e próprio Leibniz: o discurso inteiramente fundamentado em todos os seus pontos. Ora, você está livre para tentar fazer isso, mas isso não define a Filosofia. Define apenas a orientação pessoal que você deu a ela.
"A sistematização e defesa da doutrina cristã era uma necessidade evidente na época, mas não estava de maneira alguma no projeto originário da filosofia tal como concebido por Sócrates, Platão e Aristóteles".
Depois deste ponto houve ainda vários acontecimentos de ordem externa que interferiram na temática e no modus pensandi dos filósofos. O primeiro deles veio da seguinte maneira: a filosofia escolástica era apresentada como se fosse a ciência universalmente obrigante, e ela tanto não o é que o próprio Sto. Tomás de Aquino, no fim da vida, entendeu coisas que não deu tempo de ele explicar. Ou seja, existem muito mais coisas que não estão explicadas. Desta forma, a zona de mistério e de indefinição ainda é muito grande. Mesmo depois daquele esforço monstruoso de sistematização das Sumas, o resíduo do misterioso e do indefinido ainda estava presente, como estará até o último dia. Acontece que esse bloco de doutrina universalmente obrigante começou a pesar. Primeiro porque ele não explicava tudo, mas vinha com ares que explica tudo. Então, surge um sentimento de insatisfação, uma revolta.
Os primeiros sinais dessa insatisfação e dessa revolta apareceram com os tais dos humanistas. Quem eram os humanistas? Eram os saudosistas das ciências exotéricas da antigüidade - astrologia, alquimia, magia etc. -, como Tommaso Campanella, Giordano Bruno e tantos outros. Esta foi a primeira reação. Quer dizer, a primeira reação antiescolástica não foi o que o pessoal chama de "ciência moderna", mas foram os bons e velhos macumbeiros que inundaram a Europa com isso. Não precisa nem perguntar: Qual era a linguagem? Quais eram os modus ratiocinandi que esse pessoal usava? Não poderia ser o da escolástica. Portanto, era a linguagem das analogias, dos símbolos, das simpatias etc. Ou seja, era exatamente o oposto, era o raciocínio puramente imaginário, que, por exemplo, via uma semelhança entre o rosto de uma pessoa e um animal, concluindo que havia um parentesco, uma simpatia entre esse fulano e o animal. De fato, não nego que exista uma pessoa com cara de jumento, outra com cara de zebra e outra cara de gorila. Tudo isso existe, mas não quer dizer que esse bicho seja o animal totêmico dessa pessoa. Eles raciocinavam mais ou menos desse tipo.
Acontece que este raciocínio das analogias é de uma riqueza formidável e em muitos pontos ele desperta intuições. Isto é da natureza dos símbolos. Um símbolo, dizia Susanne K. Langer, é "matriz de intelecções". [0:50] Assim, onde você tem um símbolo, não se tem a expressão de uma verdade cientifica, mas, sim, uma sugestão de um elo possível, de uma linha causal possível. O símbolo tem uma função hormonal, que fortalece a inteligência de certo modo. É claro que isto se expandiu pela Europa como uma moda avassaladora. Agora, pergunto eu: Qual é a possibilidade de um debate entre essas pessoas e os escolásticos? Já não é possível, porque eles já não estão fazendo a mesma coisa. Agora, acontece que no mundo escolástico não se negava essas simpatias e essas relações sutis, forças sutis da natureza; mas se dava lugares muito secundários. Se você ler a Suma contra os Gentios e o tratado de Santo Tomás de Aquino sobre as forças da natureza, verá que essas coisas não eram negadas. Não eram negadas, mas pergunto: você está falando de Deus, dos anjos, da onipotência etc., qual importância tem esse negócio de forças sutis da natureza? Não tem importância nenhuma. Você não vai comparar um anjo com um duende.
Assim, aquilo foi jogado para um canto. E os apreciadores dessa coisa, saudosistas das antigas artes mágicas greco-romanas, de repente inundaram a Europa com tratados sobre essas coisas, por exemplo, "Tratado de Fisiognomonia", de Giovanni Battista della Porta, muito famoso na época. O [Tommaso] Campanella ia de palácio em palácio lendo o horóscopo, fazendo um sucesso desgraçado. Daí você entra em um terreno onde a verdade e a falsidade se misturam de uma maneira quase inextricável. Esse foi o primeiro fator. Tudo isto foi um desenvolvimento normal, natural da Filosofia? De jeito nenhum. Isto representa um desconforto de algumas pessoas em face da Igreja. Com isto, criou-se toda uma nova temática.
Daí surge outra reação. Havia outras pessoas que também estavam insatisfeitas com o pensamento escolástico, porque achavam que com toda sua presunção de ser um discurso universalmente obrigante, ele estava "furado" em vários pontos. Achavam que precisavam de um critério mais sólido, mais rigoroso para o pensamento, porque somente esse critério poderia exorcizar essa onda de magia. Também achavam que o pensamento escolástico era impotente para fazer isso. E daí surge o pensamento matematizante com Newton, Descarte e o próprio Galileu. A idéia deles não era destruir o pensamento escolástico, mas reformá-lo com base num novo método, que era o matemático.
Os escolásticos usavam um método lógico e dialético, baseados, sobretudo, na doutrina das formas substanciais de Aristóteles - formas substanciais que a gente apreende dos entes sensíveis e transforma num conceito. Desse conceito podemos tirar deduções.
Aristóteles não acreditava num método matemático porque ele achava que nada na Natureza era exato. Hoje nós sabemos que ele estava certo. Dessa forma, tudo nas ciências naturais teria de ser por aproximação. Acontece que desde o tempo de Aristóteles até 1.600 não havia uma matemática das probabilidades. Para isso, precisou se desenvolver a ciência do cálculo, que foi inventado por Newton e Leibniz. Aristóteles, por assim dizer, só acreditava numa ciência probabilística da natureza, mas não tinha como matematizá-la. O que ele fez: jogou fora o método matemático. "Isso não serve para nada". A matemática no tempo dele, de fato, não servia para isso. Do nascimento de Aristóteles até o nascimento do cálculo são dois mil anos, ou seja, como é que o filósofo ateniense podia adivinhar, pensando: "daqui dois mil anos vai ter uma matemática de modo que a minha concepção dialética da natureza, concepção probabilística da natureza, poderá ser matematizada". Era impossível ele saber algo assim. Então, o método matemático surge em função de um problema cultural da época, mas nada nos diz que esse problema cultural era um desenvolvimento normal da Filosofia. Nós podemos dizer até que o desenvolvimento normal da Filosofia tinha sido totalmente esquecido, porque o estudo da filosofia era adotado em função da Teologia e da organização da doutrina cristã, já como uma disciplina secundária, submetida a outras exigências. É o mesmo que dizer que a Filosofia, durante todo o período que vai desde o fim da antigüidade até praticamente o século XIX e XX, não teve um desenvolvimento normal, mas um excesso de interferências externas, isto é, ninguém pensou: "Eu vou pegar o legado socrático, platônico e aristotélico e desenvolver". Simplesmente ninguém o fez. Portanto, o estado de confusão na Filosofia deriva do fato das pessoas quererem adotar o critério do Hegel de que "a natureza de uma coisa é aquilo que se tornou", adaptando este critério aos processos que não obedecem a um desenvolvimento orgânico, mas ao cruzamento de intervenções externas, muitas vezes antinaturais e violentas.
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Aluno: Um padre conservador [que, creio eu, ambos conhecemos] deu para gritar loas à Rússia. Isto, porém, me faz pensar: (a) Caso o projeto eurasiano se sagre vencedor, pelo que o Sr. explicou em seu livro, isso não seria a ascensão da Igreja Ortodoxa em detrimento da Igreja Romana (...)
Olavo: Não apenas seria a ascensão da Igreja Ortodoxa, mas também a vitória daquela facção da Igreja Ortodoxa, que está ligada ao estado russo. Pois saiba que a Igreja Ortodoxa é muito dividida. Existe uma Igreja estatal e outra de oposição. Nós que estamos fora, podemos facilmente nos confundir, sendo que nós não sabemos com quem estamos falando. Têm várias perguntas que são absolutamente irrespondíveis. Mas o problema com a Rússia é o seguinte: Primeiro, se a consagração da Rússia não foi feita, então o que nos garante que os erros da Rússia acabaram e agora são os erros da América? Nada nos garante. Isso é uma conclusão absolutamente insustentável. Segundo, se, como diz o Padre Kramer, a consagração só pode vir depois da destruição de três quartos da humanidade, que sentindo faz todos esses anos que o Padre Kramer e o Padre Gruner tiveram fazendo campanha para que a consagração fosse realizada? Nesse sentido, eles estavam mentindo, pensando assim: "sabemos que não vai ter consagração nenhuma. Primeiro, todos vocês vão morrer, para depois vir a Consagração. Então, estamos fingindo que queremos a consagração agora". Isso também não tem resposta.
Agora, eu tenho feito várias perguntas ao Padre Kramer, e ele me respondeu com quatro pedras na mão. O homem está irritado, sem a capacidade de pensar. Está apenas bravo e julgando as coisas sem saber, pois ele não lê em português, não tem acesso aos documentos originais, lendo apenas a tradução que os Velasco fizeram de algumas das acusações deles e acreditou integralmente. Sobretudo, acho engraçado essa coisa de achatar várias fases do desenvolvimento de um filósofo, como se fossem todas simultâneas, como se todas idéias que eu tive vinte anos atrás, tive de preservado igualzinho. Não posso ter absorvido, transcendido, trabalhado tudo aquilo, que é justamente a obrigação a qual acredito que tenho. Em terceiro lugar, se você está fazendo uma investigação biográfica sobre um autor vivo, tem de consultá-lo. Se você só quer investigar pelas costas e dar preferências aquilo que é depreciativo, então o seu objetivo desonesto já está comprovado na primeira. Não precisa nem pensar [1:00] duas vezes.
Aluno: (...) Sendo assim, por que a fraternidade mulçumana crê que poderá ser a religiosidade que faltará a esse projeto?
Não, espera aí: o que o pessoal da fraternidade muçulmana disse é que eles seriam a religiosidade que faltaria ao socialismo, não ao projeto eurasiano. Eu não sei realmente, eu não tenho informações sobre como o pessoal islâmico está analisando esse projeto eurasiano. Mas eu acho curioso que pessoas que estão apoiando a Rússia e, portanto, apoiando o projeto eurasiano, digam que eu estou aqui fundindo o Islam, o sionismo e maçonaria, quando o Duguin, o eurasianismo funde cristianismo ortodoxo, nazismo, fascismo, islamismo, budismo e tudo o que existe. Qual é o problema? A discussão está sendo extremamente desonesta, não é uma discussão séria, isso é realmente uma campanha de difamação e esse padre Kramer eu não sei exatamente qual é a intenção dele, mas não me parece que seja muito boa.
Aluno: O mundo está se encaminhando para uma terceira grande guerra?
Me parece que esse pessoal agora está torcendo exatamente pra isso, porque eles querem a consagração, mas a consagração só pode vir depois da destruição, então tem que singelamente destruir três quartos da humanidade para que depois venha a consagração e nas palavras do padre Kramer, a Rússia seja salva. Veja, note bem, "haverá a destruição de ¾ da humanidade e a Rússia será salva". Ora, a Rússia e o bloco dela é um quarto da humanidade. Então, isto quer dizer, a Rússia está escolhida para ser salva enquanto todos os outros morrerão. E o pessoal diz que eu estou pregando uma guerra?
Aluno: O senhor tem a real consciência da sua importância?
Isso não depende de mim. A importância que a gente tem é decidida pelos outros e não pela gente. Eu faço a minha parte e os caras repercutem do jeito que quiserem.
Aluno: A lógica seria então apenas um instrumento para articular e sistematizar idéias num quadro racional?
Sim, ela não pode fazer nada mais do que isso. A lógica por si não pode produzir nenhuma verdade. Ela sempre vai depender de premissas que ou são os próprios princípios da lógica, mas aí você vai estar num raciocínio meramente formal, sem conteúdo, ou então você vai ter que obter premissas da experiência.
Aluno (continuação da pergunta anterior): (...) sendo ela completamente inócua caso as premissas que fundam a matéria filosófica sejam notoriamente falsas. Nesse ponto a ideologia de gênero parte de premissas completamente falsas, de que o sexo não é um dado da natureza, mas um construto culturalmente construído? (...)
Ora, dizer que alguma coisa é culturalmente construída, tudo é culturalmente construído. Por exemplo, para você ter um filho, não tem uma mulher que vai ajudar a sua mulher a dar à luz? Isso aí não é um hábito cultural? Um parto é uma coisa natural ou cultural? Sempre tem um aporte cultural. Dizer que a coisa é socialmente construída é não quer dizer absolutamente nada. Existe o aspecto socialmente construído e e existe o aspecto natural. Então você constrói, por exemplo, a famosa identidade de gênero a partir de um dado natural. Se você diz assim: ah, eu sou uma mulher que nasceu num corpo de homem -- você está partindo de um dado natural que é o sexo da mulher que você viu. Ou não é um dado natural?
Na identidade de gênero, que seria um produto imaginário, ou você copia a forma do seu corpo ou você copia forma do outro sexo, não há mais de onde tirar o material para construir o gênero.
Aluno (ainda no mesmo questionamento): (...) assim como a lógica dos abortistas só possui consistência quando se parte da falsa premissa de que o feto em desenvolvimento intra-uterino ainda não é um ser humano. Eu acho que consegui pegar esse exemplo como reflexões levantadas pelo texto.
Está certíssimo. Ele pede para corrigir se tiver errado. Está certíssimo.
Aluno: Na aula 10 o senhor explica que faríamos um exercício em que leríamos um livro de filosofia num ritmo de duas a três frases por dia sempre meditando nelas. O senhor acha que deveríamos fazer o mesmo com obras de literatura?
Com literatura não é mais necessário, porque a coisa puxa mais para a imaginação e quanto menos trabalho de interpretação de texto tiver é melhor. Esse que é o problema com as obras mais antigas, a linguagem é estranha para você, o vocabulário, então você precisa de um suporte filológico, pelo menos um dicionário, e isso atrapalha um pouco, torna mais lento o trabalho de imaginação. Mas algumas obras filosóficas, como por exemplo as obras de Husserl, devem ser lidas assim, duas ou três frases por dia e pensar, não vai passar muito disso não... se você quiser realmente entender.
Aluno: Esta semana em uma aula da faculdade disse um professor que os mistérios da ciência diferem dos mistérios religiosos porque os primeiros poderão um dia ser desvendados por serem baseados em evidências enquanto os segundos são meras crenças baseadas em pressupostos de metafísica. Isso é pura babaquice ou pode-se realmente fazer essa separação?
Bom, então em primeiro lugar, a idéia de que os mistérios da ciência poderão um dia ser desvendados está para ser provada, quer dizer, você não pode tomar uma hipótese futura como se fosse uma diferença atual. Isso não faz o menor sentido. Quer dizer, você vai arrogar já a autoridade em um conhecimento que você vai ter no futuro. Isso aí cai no negócio do Popper, da miséria do historicismo. Ele diz: toda previsão histórica baseia-se na idéia de que nós temos hoje os conhecimentos que teremos amanhã. E o fato é que não os temos. Se pudéssemos tê-los agora, eles não seriam conhecimentos futuros, e sim atuais. Então esta previsão é totalmente imbecil. Ademais, quem disse que os mistérios da ciência diminuem? Eles aumentam. Quer dizer, cada nova descoberta traz novos mistérios e novas perguntas, então não existe esse progressivo esclarecimento. Você veja, o estado atual da Física, que é a ciência mais avançada, ainda é o enigma entre a relatividade e a teoria quântica, ninguém resolveu isso aí até agora. Você não tem teoria unificada.
Aluno: Eu gostaria de fazer aqui a mesma pergunta que fiz no facebook: sobre Symboles de la Science Sacrée do René Guénon pode fazer algum mal.
Não, mal não pode fazer. Esse é um grande livro sobre o simbolismo, só que tudo o que o Guénon escreve é baseado na premissa de que existe uma tradição primordial, da qual saíram todos os símbolos. Nós não sabemos se isso existiu ou não existiu. Então está tudo baseado nessa hipótese. Pior, se fosse só isto, poderíamos remeter a questão da analogia dos símbolos à unidade da espécie humana... nós pertencemos todos a mesma espécie então é natural que símbolos análogos, senão idênticos apareça aqui e ali; porém, ele tem também a premissa de que existe uma transmissão secreta desse conhecimento primordial até hoje, e nós não temos nenhuma prova disso, aliás existem provas em contrário. Mas que é um livro altamente sugestivo, sim.
Eu penso o seguinte: um confronto qualquer com as obras do Guénon, Schuon, Coomaraswamy e tal, é uma exigência mínima da formação intelectual, porque eles levantaram problemas fundamentais do século XX, e até hoje esses problemas estão por aí. Um dia você vai ter que entrar nisso ... algum mal isso vai lhe fazer : ou você vai entender mal, ou você vai procurar uma aproximação maior e pode sair com os dedos queimados, como eu mesmo saí, e sobretudo levará muito tempo para tirar conclusões. Na hora em que você começa a tirar conclusões, quer dizer, você estabiliza sua [01 :08 :32]maturidade intelectual e começa a tirar conclusões, daí sempre vai aparecer algum padre Kramer, um Velasco pra dizer que : 'ah mas você em 1940 falou não sei o quê ... Ora, eu só comecei a publicar livros a partir de 1993 e 1994, justamente porque eu estava esperando alcançar uma certa maturidade, e mesmo assim eu continuei evoluindo e aprendendo coisas e tirando conclusões, de modo que se você procurar coisas do ano 2000 ou de 1990, você vai encontrar coisas que ... eu já passei adiante daquilo. Não que dizer que : 'ah hoje eu discordo'. Isso não é bem assim. Você absorve aquilo numa integração maior, numa resposta mais satisfatória, é o que você tem de fazer. Por exemplo, eu considero que eu levei muito tempo para perceber a diferença específica do Cristianismo que eu poderia ter percebido desde o início, é claro. Muita gente percebe desde o início, porque não conhece as outras hipóteses, estando, por assim dizer, com a sua alma protegida dentro de uma redoma cristã desde o início, e tem a sua formação cristã, não presta atenção no resto e vai em frente. Como preservação da sua própria alma isso é certo fazer, porém, se você está na vida intelectual do século XX não há como fazer isso. Não tem como você dizer : 'eu quero salvar minha alma, só vou ler livros cristãos'. Bom, se você fizer isso, [1:10] você está fora do debate cultural, você está cuidando da sua alma. Você é um cidadão privado cuidando da sua vida. Agora, se você está participando do debate cultural, mesmo como simples observador, você vai ter que se expor a essas idéias, ainda que seja para combatê-las depois, mas alguma influência sobre você elas vão ter. É impossível você não ser influenciado por qualquer coisa que você estuda a fundo.
Então, o meu grande pecado aí foi durante trinta e tantos anos absorver todas as influências que podia para depois tirar uma conclusão. É o que eu acho que todo filósofo deveria fazer, mas isso aí é proibido, porque sempre aparecem pessoas que só conseguem raciocinar em termos de adesão e tomada de posição, e participação em grupos. Então a maneira de eles ler não é ver o que você está dizendo, mas a que grupo você pertence, para quem você trabalha. É uma coisa de muito baixo nível, na verdade. E, para pessoas que estão assustadas com o estado do mundo, como o pessoal duginiano todo está, os tradicionalistas estão, isso aí é uma tentação. É isso que vai acontecer. Eu nunca recomendei que ninguém, sem muito preparo anterior, lesse Réne Guénon, porque mesmo com muito preparo, veja, o pessoal que entrou nas tariqas, etc, teve experiências talvez terríveis, traumáticas ... era gente de altíssimo nível, incluindo sacerdotes católicos, ortodoxos ..., eu mesmo citei dois nomes : o padre espanhol Raimon Panikkar e o bispo ortodoxo Kallistos Ware eram membros da tariqa. O que estavam fazendo lá? Tentando aprofundar o conhecimento.
Agora, na cabeça de gente como Velasco e padre Kramer, isso aí é só participação em militância, isso não é busca de conhecimento, - você não estava lá buscando conhecimento, você estava militando em favor daquela coisa. O fato mesmo de eu ter saído de lá, expulso da tariqa, por eu brigar com o xeique, para eles não significa nada. Estou na tariqa durante um ano e meio e ele está na tariqa até hoje. Então eu estou no partido comunista até hoje, e assim por diante.
Então, toda essa discussão que está havendo não é de gente séria, não é de gente honesta e -- é claro que eu não estou conseguindo responder nem um por cento, porque é muita coisa. O simples fato de ser muita coisa já mostra que é desonesto. O simples fato de investigar só pelas minhas costas e nunca perguntar a mim também é mais desonesto ainda. Não veio ninguém aqui me entrevistar. 'Me conta a sua história e depois eu vou cotejar com os documentos'. Ninguém fez isso, não querem saber a minha versão, é só a versão dos inimigos.
Então, isso é pesquisa historiográfica, isso é pesquisa séria? Não, isso é difamação, isso é calúnia mesmo.
Aluno: [de difícil audição, volume muito baixo] (...) eu queria saber se seria pertinente aqui, em relação a pergunta do Marco Aurélio, ou se também encaixar na resposta pra ele, essa observação às pessoas que (...)
Isto eu queria lembrar. Um lembrete aqui. Coloquei já no facebook, mas vou repetir aqui : se aparecer qualquer pessoa cooptando alunos meus para pertencer a um grupo religioso, político ou qualquer coisa, não está fazendo isto com a minha autorização. Ninguém está autorizado em meu nome a fazer isto. Porque eu mesmo não estou cooptando gente para grupo nenhum. Vocês são meus alunos, não são militantes de uma causa. Eu não tenho o menor controle sobre o que vocês fazem. Eu só quero que vocês estudem, acompanhem este curso, cresçam intelectualmente e mais dia menos dia possam exercer um papel de relevo na cultura brasileira, isto é tudo o que eu quero. Não estou dando instruções ... Eu me lembro que tinha assim um regulamento desse curso em quatro itens que era a coisa mais simples do mundo, era só administrativo. Foi a única vez que eu passei instruções aqui. Quando dei algum exercício para fazer foi algum exercício psicológico banal, como aquele do Narciso Irala, mas eu nunca dei exercícios espirituais, não prometi para ninguém a iluminação espiritual nem revelações, nem coisa nenhuma. Nem sequer entro em ensino religioso.
Então, se aparecer alguém querendo transformar vocês em membros ou militantes de alguma coisa, entrar ou não é problema seu, mas eu não autorizei. Não autorizei e considero que é uma sacanagem o cara entrar no meu curso para cooptar gente para essas coisas.
Bom, eu vou deixar as outras para a semana que vem porque minha voz está muito ruim ainda e lembrem-se que tem o curso entre 28 de abril até 03 de maio. O banner já está no site, as inscrições já estão abertas e o tema 'como tornar-se um leitor inteligente'.
Até semana que vem e muito obrigado.
Transcrição: Miguel Muniz Forlin, Pedro Henrique Bueno Viana e Wellington Rossi Kramer
Revisão: Eduardo Bueno
Footnotes
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Wolfgang Stegmüller, A Filosofia Contemporânea. Introdução Crítica, São Paulo, E.P.U.-Edusp, 1977,
Vol. I, pp. 12-13. ↩