Curso Online de Filosofia
Olavo de Carvalho
Aula 241
1º de março de 2014
Boa noite a todos, sejam bem-vindos.
Antes de qualquer coisa eu quero avisar que meu perfil no Facebook continua inativo e só estou me comunicando através da minha Fanpage. Estão aparecendo dezenas de páginas com o nome de Olavo de Carvalho -- umas feitas por inimigos, outras por amigos com a intenção de ajudar --, mas não estou me comunicando com ninguém através de nenhuma delas. Eu só uso a Fanpage: tudo o mais, de boa ou de má intenção, é fake.
Vocês devem ter aí o texto1 que passei, no qual estou abordando um problema extremamente difícil e que às vezes desafia um pouco a nossa capacidade de expressão verbal. O texto ainda tem muitas imprecisões, que pretendo corrigir e atenuar na explicação oral hoje. Ele trata do velho problema das relações entre o corpo e a consciência. Nada do que li sobre esse problema, que vem se arrastando desde o tempo de Descartes com as famosas duas substâncias -- a coisa pensante e a coisa extensa --, nada do que eu tenho lido sobre isso me satisfaz, porque há uma constante em todas as análises que se faz disso -- até coloquei no Facebook aquele trecho do professor Amit Goswami que reduz a quatro as correntes em discussão: a primeira, que ele chama de realismo materialista (ou monismo), o idealista, o dualismo e o neopositivismo filosófico. Nenhuma dessas quatro correntes é satisfatória e todas as abordagens dessa questão têm caído num erro tremendo de examinar sempre esse problema tal como ele se apresenta no sujeito.
Ora, examinando somente o sujeito e tentando resolver, por exemplo, se existe nele uma consciência que é independente do cérebro (ou se a consciência é um produto do cérebro), nunca vou poder resolver essa questão, porque, como dizia Edmund Husserl, toda consciência é consciência de alguma coisa. Não existe consciência no vazio. Consciência de si mesmo é uma consciência reflexiva que se volta sobre uma consciência executiva. Você pode observar a sua consciência funcionando, mas a consciência executiva é uma coisa e a consciência observadora é outra: você está examinando a coisa desde dois pontos de vista. Não existindo consciência sem objeto, o problema das relações entre consciência e corpo não pode ser resolvido só no sujeito, mas é preciso abordar as relações dele com o objeto, uma vez que consciência é uma relação dele (sujeito) com o objeto. É incrível querer saber se a relação com o objeto existe dentro do sujeito, espiritualmente ou materialmente, sem colocar o objeto em discussão! É a mesma coisa que um rádio que tivesse só estação emissora e nenhuma estação receptora, e você quisesse ver se a transmissão está indo bem. Mas se ninguém estiver recebendo a transmissão, não dá para saber se ela está indo bem ou mal.
Eu vou ler aqui [o texto] e completar oralmente algumas explicações. Esse é um problema central hoje em dia.
A "matéria" apresenta-se para mim como dado de consciência, mas a consciência jamais se apresenta como dado material. (...)
Esta é a primeira coisa: não há correspondência; não é uma coisa que se abre como um leque -- o objeto aqui e o negativo dele do lado de lá. Não tem correspondência entre as duas coisas, quer dizer, não são entidades do mesmo gênero e também veremos adiante que não são substâncias. Então está havendo alguma desproporção, algum desequilíbrio nessa abordagem. Se nada material chegasse à minha consciência, eu não saberia que existe matéria. Eu só sei que existe matéria porque tenho alguma consciência dela; sou notificado da presença dela, seja no mundo externo, seja no meu próprio corpo. Porém, se tentamos inverter: "eu tenho notícia da matéria na consciência" para "eu tenho notícia da consciência na matéria" -- não, não tenho nenhuma. A consciência não é observável na matéria de maneira alguma. O que você pode observar são sinapses, reações neurofisiológicas, fatos de ordem neuroquímica etc., mas nada disso é consciência.O problema que se coloca habitualmente é saber se essas reações neuroquímicas ou neurofisiológicas produzem a consciência ou não. Mas como eu posso saber se um determinado processo neuroquímico ou neurofisiológico produz a consciência, se não posso observar a consciência nele? Eu sei que existe consciência porque tenho alguma (e todo mundo tem), e ela, aliás, é o pressuposto dessa discussão. Se não tivéssemos consciência de nada, não estaríamos discutindo isso. Então consciência existe. Se ela é um fenômeno em si, uma entidade, um processo em si ou se ela é apenas um epifenômeno, uma aparência criada por reações neuroquímicas, é outro problema. Mas acontece que nas reações neuroquímicas a consciência não aparece, aparecem apenas as reações neuroquímicas!
(...) Supondo-se que eu pudesse observar todas as reações neuronais num cérebro humano em atividade consciente, elas nada me diriam sobre os conteúdos dessa consciência naquele instante. (...)
Ou seja, os conteúdos de consciência não aparecem no cérebro -- isto é fundamental. Por exemplo, se você mostra um retrato de uma mulher pelada para um sujeito e vê que há uma reação cerebral, você está supondo que a reação cerebral foi causada pela visão deste retrato da mulher pelada -- uma excitação sexual. E se você mostrar uma coisa horrível, ele tem uma reação de desagrado, e isso aparece também numa reação neuroquímica qualquer. Mas note bem: essas duas coisas continuam separadas. Aqui está o retrato que eu mostrei e lá estão as relações neuroquímicas. Qual é exatamente a conexão? Não se sabe. Você pode dizer que uma coisa causou a outra, mas a visão que o indivíduo teve daquele retrato que lhe foi mostrado continua invisível no cérebro. O indivíduo vê aquilo, mas onde no cérebro aparece essa imagem? Isso simplesmente não existe. Existem reações neuroquímicas que você supõe que são causadas, mas dizer que uma coisa é causada por outra externa não significa que você viu essa coisa na própria reação neuroquímica. Ou seja, a consciência não é visível no cérebro de maneira alguma -- ela não se materializa. A matéria se conscientiza, ela se torna conteúdo de consciência, mas a consciência não se materializa em parte alguma para que você possa observá-la. O que você observa são reações neuroquímicas, e só. A ligação da coisa vista com a reação neuro-cerebral não é direta. Ela passa por uma série de mediações: os órgãos dos sentidos, os canais neuronais que levam até o cérebro etc., de maneira que continuamos com o mesmo problema: a consciência não é visível materialmente em parte alguma. Ela pode ser causada por processos materiais (estamos admitindo isso), mas ser causada por uma coisa não é o mesmo que ser ser observável nela. Portanto, em toda teoria de que a consciência é causada por um mecanismo neuroquímico a demonstração é indireta; nunca é por uma observação direta como a que temos da matéria.
(...) Uma ativação maior das áreas visuais não me informaria, por exemplo, se o sujeito em observação está vendo um gato ou a foto de um gato, uma mulher nua ou um quadro de mulher nua, um prato de comida ou a imagem do prato de comida no menu do restaurante. (...)
As reações neuroquímicas serão exatamente as mesmas. Significa que, do ponto de vista neuroquímico não há distinção entre ilusão e realidade. Ora, só podemos falar de conhecimento e, portanto, de consciência quando há alguma apreensão da realidade. A própria atividade mental imanente, que se passa dentro do cérebro, não é consciência de jeito nenhum, de maneira nenhuma pode ser uma atividade onírica ou qualquer outra coisa. Se não existe a noção de realidade, de veracidade e de apreensão adequada, [0:10] não se pode falar de consciência de maneira alguma. Portanto, o que se pode observar nas reações neuroquímicas é apenas o funcionamento interno do sujeito cognoscente e do seu cérebro. Mas entre a simples atividade mental e a atividade de consciência existe uma diferença qualitativa -- a consciência é um algo a mais.
Outro dia, lendo no artigo do Roger Scruton uma referência à neuro-história da arte, tirada de V. S. Ramachandran, que é um dos teóricos da neuro-história da arte. Note bem o que diz o sujeito:
"O propósito da arte, seguramente, não é apenas pintar ou representar a realidade, pois isso pode ser realizado perfeitamente com uma câmera. Mas, enfatizar, transcender, ou até distorcer a realidade. O que o artista tenta fazer consciente ou inconscientemente é não apenas capturar a essência de algo, mas amplificá-la de modo que ela possa ativar mais poderosamente os mesmos mecanismos neurais que seriam ativados pelo objeto original."
É a mesma coisa que dizer que se vejo um prato de comida, isso pode me despertar até mais apetite do que se eu ver a comida propriamente dita. É o mesmo que dizer que na esfera da observação dos mecanismos neurais não é possível distinguir entre ilusão e realidade, ou seja, entre a pura atividade mental imanente e a consciência de alguma coisa. Ora, o indivíduo que, na prática, não fosse capaz de distinguir entre um prato de comida e a foto de um prato de comida seria evidentemente um doente mental. Isto significa que, deste ponto de vista, entre a atividade de um doente mental que está completamente envolvido na sua ilusão interna e a atividade normal de uma pessoa que discerne algo da realidade, os dois planos não são distinguíveis -- é exatamente disso que eu estou falando. Mas se não existe essa distinção, só o que se pode estudar do ponto de vista neural são atividades mentais ou cerebrais, não a consciência.
(...) Mas um sujeito que não fosse capaz de apreender instantaneamente essas diferenças estaria condenado a perecer por absoluta incapacidade de lidar com o ambiente físico em torno. (...)
Claro, o indivíduo que não distingue entre uma coisa e a mera imagem de uma coisa está indefeso no mundo exterior. Ele estaria comendo maças que só existem visualmente ou, como Dom Quixote, atacando moinhos de vento como se fossem dragões (isso se ele chegasse a distinguir entre um moinho de vento e o desenho de um moinho de vento).
(...) A intensidade das reações na área verbal não me diria se ele está escrevendo mentalmente um anúncio de sabonetes ou O Rei Lear.
Imagine, por exemplo, a constelação inteira de imagens, de sentimentos, de evocações e de conhecimentos que Shakespeare mobilizava instantaneamente quando ele tinha na cabeça o plano de o Rei Lear. Cada uma dessas imagens (visuais, sonoras ou musculares, como queiram) correspondia a alguma reação neuroquímica. Alguém seria capaz de, a partir dessas reações neuroquímicas, saber exatamente o que William Shakespeare estava pensando, ou seja, deduzir do exame do cérebro de Shakespeare toda a estrutura, a ordem e a redação de o Rei Lear? Isso é absolutamente impossível.
Essas dificuldades provêm de uma outra, mais séria. Se, como dizia Husserl, não há consciência "em si", consciência vazia, mas toda consciência é consciência de alguma coisa, então é absurdo dizer que a consciência está "no" sujeito cognoscente: (...)
A consciência não é algo que se passa dentro de mim. O que se passa dentro de mim são os meus processos mentais. A consciência é a relação que estabeleço com o objeto, principalmente na hora que consigo distinguir se um objeto que estou vendo é realmente um objeto ou apenas uma imagem desse objeto. Na hora de comer, ninguém confunde a comida com o cardápio, com as imagens da coisa no cardápio. Esta diferença, que é decisiva, não existe para a neurociência. Tanto não existe que está aí o Sr. Ramachandran dizendo que o que o artista faz é ativar as mesmas áreas neurais que seriam ativadas pela presença do objeto real.
Então de cara não se pode de maneira alguma dizer que a consciência está no sujeito, já que ela é uma relação que se estabelece entre ele e algo que não é ele (mesmo que seja ele mesmo considerado como objeto de reflexão). Quando eu tomo consciência, por exemplo, de que estou deprimido, o ato de consciência que toma consciência disso não é a mesma coisa que a depressão. Então existe um objeto que é distinto da consciência -- existe a consciência executiva e a consciência reflexiva. A consciência reflexiva congela a consciência executiva e a toma como objeto. Ora, se a consciência não está no sujeito, como poderia estar em seu cérebro?
A discussão tem se dado da seguinte maneira: todo o mundo concorda que a consciência está no sujeito -- alguns dizem que ela é produzida pelo cérebro; outros, ao contrário, [dizem]que ela é que produz tudo. Só que ambos concordam que a consciência está no sujeito, e isto está completamente errado. É absurdo dizer que a consciência está no sujeito:
(...) ela está numa relação que se estabelece entre o sujeito e o objeto, a qual não pode estar inteiramente neste nem naquele, mas simultaneamente nos dois, de algum modo. Quando o sujeito apreende uma qualidade qualquer do objeto, digamos seu tamanho, sua posição ou sua cor, é porque esse objeto lhe mostra, lhe exibe essa qualidade; ela não surge de dentro como pura criação autônoma do sujeito, (...)
Como acontece com qualquer outro processo mental: a recordação, o sonho, a associação de idéias etc., ou as várias emoções, tudo isso aparece dentro do sujeito, tendo ou não um excitante externo. Ora, mas falamos de consciência justamente quando há uma correspondência, quando há uma conexão entre o excitante externo e a reação. Quando, ao contrário, o indivíduo toma uma mera imagem como se fosse a coisa, não chamamos isso de consciência, chamamos de ilusão. E se queremos estudar alguma coisa a respeito da consciência, muito antes de perguntar se ela está no cérebro ou se ela é um processo independente em si, temos de perguntar o que é consciência e aprender a distinguir entre consciência e ilusão. Discutir o problema sem ter tomado essas precauções antes é loucura total e, por isso, essas quatro escolas que o Professor Goswami descreve são absurdas na base. Não é que elas estão erradas. Não, elas são propostas de investigação absolutamente inviáveis, assim como (já demonstrei para vocês) a dúvida cartesiana: você pode dizer que vai fazer aquilo, mas não pode fazer realmente. Aquilo é um método impraticável, impossível na prática.
Então digo eu: a consciência não estando no sujeito, não dá para saber se ela está no sujeito como produto do cérebro ou como mecanismo autônomo.
(...) ela [a consciência] não surge de dentro como pura criação autônoma do sujeito, mas como uma amoldagem, por assim dizer, da capacidade perceptiva do sujeito à forma de algo que não é ele, que não é a sua consciência, mas que se lhe oferece como objeto. Se, portanto, a consciência não está no sujeito, dentro do sujeito, muito menos poderia estar numa das partes dele, quer a chamemos de "alma" ou de "cérebro".
Vocês estão perguntando se a consciência está na alma ou no cérebro, se o que produz uma consciência é a alma ou o cérebro, mas estão investigando isso no sujeito. Não dá para fazer isso, porque se não houver outro elemento em jogo além do sujeito, não se pode distinguir entre consciência e falta de consciência, entre consciência e ilusão.
Se denominamos psique o conjunto das atividades internas, imanentes, da alma ou do cérebro, é evidente que a consciência só aparece uma vez transposta a fronteira em que a psique se transcende, se supera, e [0:20] alcança um objeto.
Por exemplo, se eu vou fazer uma conta de dois mais dois, o meu cérebro pode inventar qualquer resultado possível porque, para inventar resultados, ele opera livremente em relação às quantidades envolvidas no cálculo. Mas para alcançar um resultado certo, eu tenho de me submeter a uma forma lógica que as próprias quantidades impõem. Daí eu acerto e digo que são quatro. Este é um ato de consciência, antes era apenas um ato mental. O que está havendo aí? Está havendo uma confusão entre a psique e a consciência. Percebem a importância disso? Este é um dos debates mais dramáticos, sobretudo nos países de língua anglo-saxônica, que discutem isso vinte e quatro horas por dia, e existem partidários devotos, tanto do realismo materialista quanto do monismo idealista, como partidários do dualismo e do neopositivismo. O neopositivismo diz que Essa questão não interessa, temos de observar apenas os fenômenos mensuráveis." Mas isto, absolutamente, não resolve o problema.
"Mesmo admitindo-se, ad argumentandum (quer dizer, para fins de argumentação), que todas as atividades da psique sejam determinadas pelas do cérebro, que sejam portanto em última análise materiais e regidas pelas leis da físico-química, e que por outro lado não haja no mundo objetos senão materiais e regidos por essas mesmas leis, a consciência, isto é, a relação que se estabelece entre psique e objeto no ato em que aquela toma conhecimento deste, continua perfeitamente imaterial e não pode estar fisicamente presente nem no sujeito, nem no objeto."
Ou seja, se provarmos que todas as atividades psíquicas, sem exceção, são fenômenos causados pela atividade cerebral, que são epifenômenos do cérebro, só poderíamos falar de consciência a partir do momento em que essa consciência apreendesse algo da forma de um objeto que não é ela. E essa consciência, ou seja, essa relação entre a atividade mental e a forma do objeto que ela apreende continuaria perfeitamente imaterial. Então, se eu mostro um quadrado para um sujeito, e ele vê o quadrado como quadrado, isto quer dizer que a percepção que ele está tendo é produzida na sua mente (pode ser produzida pelo cérebro ou pelo espírito, como queiram), mas é produzida internamente nele. Mas só se torna consciência se ela apreender a forma do quadrado como o quadrado realmente é. Se o sujeito, ao olhar o quadrado vê um triângulo, ou um losango, ou um retângulo, ele está tendo uma ilusão. É uma coisa que se passou apenas dentro dele porque não correspondeu ao objeto. Ou seja, a consciência, na medida em que ela é uma relação entre a atividade mental e a forma do objeto que se lhe apresenta, ela não pode ser material de maneira alguma. Porque senão seria preciso que esse objeto estivesse materialmente presente no cérebro, e é evidente que o cérebro é um objeto pequenininho e nem todo o universo pode caber dentro dele materialmente. Isso quer dizer que essa relação, essa identidade de uma forma mental e de uma forma física, presencial, ela por si não pode ser material.
"Quando vejo um gato, temos aí um sujeito presente, que admitimos ser totalmente material e regido por leis materiais"
Vamos raciocinar assim, ad argumentandum: o sujeito humano é material, todo o funcionamento mental dele tem causas materiais, causadas pelo cérebro e ponto final. Admitimos isso. Porém, há um gato, ou seja,
"um objeto igualmente material regido por essas mesmas leis. O ato psíquico pelo qual percebo o gato pode também admitidamente ser determinado pelo funcionamento material do meu cérebro e dos meus órgãos dos sentidos. Mas a coincidência, a identidade total ou parcial entre a forma da coisa percebida tal como se apresenta ao meu cérebro e a forma do objeto que a mim se apresenta como gato não pode, em si mesma ser material,"
Nenhuma igualdade ou identidade é material. Se aqui tem um ovo, ali outro ovo, e você vê que os ovos são iguais. Um ovo é material, o outro ovo também é material, mas a igualdade deles é material? Não é.
"não pode, em si mesma ser material, pois para isso teria de ser ela própria um objeto"
Para que a identidade fosse material, ela mesma teria de ser um objeto, e ser percebida como tal materialmente no espaço, o que não é o caso.
"e, à semelhança de mim e do gato, ocupar um lugar no espaço. Ora, é só essa identidade que garante que vi um gato real a não apenas produzi um gato imaginário no interior da minha psique."
Ou seja, é a coincidência da imagem que eu vejo e do objeto que está diante de mim que me permite diferenciar entre um gato e um desenho de um gato, ou entre um gato imaginário e um gato real, e é isto que eu chamo de consciência. Consciência não é só percepção ou sensações. A consciência é um julgamento que está embutido na percepção e que lhe diz: "isto é real". Ou seja, quando você percebe a coisa como real e não apenas como imagem.
"Ora, é só essa identidade que garante que vi um gato real a não apenas produzi um gato imaginário no interior da minha psique. Todo e qualquer conhecimento objetivo depende da identidade formal entre o percebido e o dado."
Essa identidade formal quer dizer: você vê um quadrado como quadrado, você vê um gato como gato e não como desenho de gato, e assim por diante.
"Mais gravemente ainda, de todas as relações possíveis que se possa estabelecer entre a psique e seu objeto, nenhuma, absolutamente nenhuma pode ser dita material, pois para isso teria de ocupar um lugar no espaço e ser percebida ela própria como um objeto; e a relação dela com a psique cognoscente seria um novo objeto espacial e assim por diante indefinidamente,"
Então vamos supor: eu vejo um ovo, outro ovo e percebo que são iguais. Os ovos são materiais, a minha percepção deles é material, porém a identidade, a igualdade entre eles não é material. Para que ela fosse material teria de ser percebida no espaço -- como os ovos. Só que, para isso, teria de haver uma identidade entre a identidade e a minha percepção de identidade, e assim por diante, indefinidamente.
"Quando se discute se 'a consciência' é material ou imaterial, geralmente se confunde a consciência com a psique."
Ou seja, com a atividade mental interna.
"Esta última talvez possa ser inteiramente explicada pelo funcionamento do cérebro, mas, quando saltamos da esfera da psique para a da consciência, estamos falando de uma relação com objetos que transcendem a esfera da psique."
Aliás, ser real significa exatamente isso -- é algo que não foi criado pela minha psique. É algo que eu recebi, que eu percebi, seja no mundo externo, seja em mim mesmo. Quando me recordo do meu passado, não estou produzindo esse passado agora. Por exemplo, vamos supor que eu sofri um acidente e tive de amputar uma perna. Eu me lembro disso, e lembro do tempo em que eu tinha a perna, mas isso não me devolve a perna agora. Estão entendendo a diferença entre consciência e percepção? Ou consciência e atividade mental? Na minha atividade mental eu ainda tenho a perna, mas eu não posso percebê-la como real agora. Eu a percebo como real num passado que eu não posso modificar. Portanto, neste caso eu mesmo me transformei num objeto dado, meu passado é uma coisa dada e não produzida.
"estamos falando de uma relação com objetos que transcendem a esfera da psique (mesmo quando são eles próprios fatos psíquicos tomados como objetos), e aí só poderíamos falar de uma causa cerebral da consciência se atribuíssemos ao cérebro o dom de criar por si mesmo todos os objetos espaciais"
Ou seja, o cérebro pode criar todas as percepções e todas as imagens, e toda a minha atividade mental, mas ele não pode criar os objetos. Muito menos,
"criá-los espacialmente, não se sabendo como um número tão grande de coisas poderia caber numa caixa craniana."
É por isso que o materialismo também é realista. Realista é a escola que considera que os objetos existem independentemente de nós. Idealista é quem considera que os objetos são idéias ou criações da psique, seja a psique nossa ou a psique divina. Ou seja, o materialismo tende a ser realista. Se você diz que toda percepção é uma coisa que acontece no cérebro, então você tem de admitir que as coisas existem fora do cérebro, se não elas teriam de caber todas dentro do cérebro.
"O problema da consciência, portanto, [0:30] não pode ser resolvido pelo estudo da psique ou do cérebro. Ele remete a um mundo de identidades e diferenças formais que, em si mesmas, não podem ser materiais nem ocupar um lugar no espaço.
Todas as discussões que pretendem reduzir a consciência à matéria, a matéria à consciência, ou que proclamam a existência de duas esferas de realidade distintas e separadas, partem da confusão entre psique e consciência e não saem de dentro dela."
Há séculos que essa discussão se desenrola dessa maneira.
"O universo à nossa volta, com o nosso próprio ser dentro dele, compõe-se de objetos materiais estruturados em formas, sendo portanto inseparavelmente material e imaterial, corporal e espiritual. A consciência é a relação formal que se estabelece entre duas formas: a forma de uma individualidade psicofísica humana e a forma de uma presença corporal."
E esta relação em si mesma não pode ser material, embora a atividade psíquica que a sustenta seja material e a presença do objeto também seja material; assim como um ovo é material e o outro ovo é material, mas a identidade deles não é material -- é formal. Então, podemos dizer: o mundo da consciência é o mundo das relações entre formas e isso nada tem de material.
"Toda abordagem séria do problema da matéria e consciência deve começar pelo reconhecimento, tantas vezes negligenciado, de que nenhuma das duas é uma substância, um ente, uma coisa."
Alguém já viu matéria? Não. Você viu entes materiais. Alguém já viu consciência? Não. Você viu atos de consciência; você lembra de os ter tido. Mas você nunca viu matéria e nunca viu consciência. Basta isso para você entender que matéria não é coisa e consciência também não é coisa. São qualidades ou propriedades de entes reais.
"Ninguém jamais viu 'matéria' ou 'consciência'; apenas entes dotados de materialidade, de consciência ou de ambas. Logo, investigar qual das duas é causa ou princípio da outra, qual das duas tem o primado ontológico, é colocar no ar um problema que deveria, antes, estar firmemente arraigado no exame prévio da estrutura ontológica dos entes nos quais elas se manifestam e se tornam conhecidas."
Se consciência e matéria não existem em si mesmas, mas só existem nos entes, então saber qual das duas veio primeiro depende da estrutura dos entes. E não tem sentido você querer resolver esta questão em si mesma sem você ter claro antes qual é a estrutura dos entes nos quais esses aspectos -- matéria e consciência -- se manifestam.
Aí vem uma nota de rodapé:
"Deixo de lado, por enquanto, a existência de seres 'puramente espirituais', expressão que, a meu ver, constitui antes uma figura de linguagem do que um conceito."
É preciso uma aula inteira sobre isso depois.
"Todos os seres que chegam ao nosso conhecimento constituem-se de matéria, tal como esta é descrita pelas ciências físicas. Ao mesmo tempo, têm formas distintivas que os distinguem como gêneros, espécies e indivíduos, e que em si mesmas não são 'materiais': são um esquema de possibilidades, um algoritmo, ou, como diria o nosso Mário Ferreira, a 'lei de proporcionalidade intrínseca', a fórmula da sua corporalidade estática e dinâmica."
O que é um algoritmo? É uma matriz de transformações matemáticas possíveis. Como todo ser tem uma forma -- se não tivesse uma forma, ele não poderia ser reconhecido --, essa forma idealmente pode ser reduzida a um algoritmo, a uma fórmula matemática. Nunca foi; só o que nós reduzimos à fórmula matemática são determinadas qualidades dos entes. Mas isso é um problema meramente técnico. Com o progresso da matemática hoje, nada impede que você tenha a fórmula integral de um ser com todas as suas possibilidades de ação e paixão. Se não é possível ainda, talvez seja possível um dia; mas idealmente, se todo ente tem uma forma, ele tem uma fórmula matemática. É nesse sentido que Pitágoras dizia que tudo é composto de números -- só pode ter sido nesse sentido.
Então, tem um parêntese aqui bem comprido:
"Quando se fala de 'matematização', tem-se em vista geralmente o movimento de idéias que, entre o século XVI e o XVII, trocou a antiga física aristotélica, baseada na apreensão das formas inteligíveis das substâncias, pela medição das propriedades aparentes dos corpos, deixando de lado seu quid ou natureza."
Ou seja, a antiga física da Idade Média e de Aristóteles olhava um objeto, apreendia por abstração a sua forma substancial e enunciava o seu conceito ou definição do qual tirava conclusões. Quando veio a ciência moderna, a partir do século XVI, disseram: "Não, não adianta! Não podemos raciocinar a partir dessas formas substanciais. Nós temos de nos ater apenas às propriedades mensuráveis -- externas, portanto." Aí a famosa objeção de Leibniz: aparências externas, qualidades externas do quê? Tem de ter um quid por trás. Além das propriedades matemáticas, a coisa tem de ter um quid, ela tem de ser alguma coisa.
"Leibniz observava que todas as propriedades mensuráveis, somadas e articuladas, não bastavam para compor uma coisa real, que além disso ela teria de ser alguma coisa, isto é, ter um quid ou forma substancial. Com os instrumentos matemáticos de hoje, a dicotomia entre o estudo das formas substanciais e o das propriedades aparentes matematizáveis pode ser superada, apesar das dificuldades técnicas envolvidas."
Ou seja, nada impede que a apreensão da forma material junto com as propriedades mensuráveis forme um todo, e esse todo se expresse em uma fórmula. Eu não conheço matemática o suficiente para fazer isso e acho que os maiores matemáticos do mundo teriam dificuldades para fazer uma coisa dessa, mas não há obstáculo teórico.
"Em princípio, nada impede que a forma substancial de um ente, uma vez apreendida, seja expressa matematicamente, e o seja de tal modo que todas as propriedades e acidentes sejam compatibilizados com a 'essência' desse ente."
Quer dizer, esse algoritimo que define a forma substancial deixa prever todas as propriedades que o ente pode ter no curso das suas transformações e os acidentes que ele pode sofrer ou não. Ou seja, você não tem de prever todos os acidentes quantitativamente. Sabendo a forma substancial de um gato, você sabe que ele pode virar cuíca, mas que ele não pode aprender a falar grego: dois acidentes, um é possível e o outro não é possível. Então, fecha o parêntese aí.
"Seria inútil procurar a 'explicação' da forma nas propriedades da matéria, já que todo o corpo extrai a sua matéria de um repertório limitado de substâncias físico-químicas"
Existe um número limitado de substâncias físico-químicas e todos os corpos se compõem dessas mesmas [substâncias] e diferem-se uns dos outros não pela matéria que os compõem, mas pela forma do arranjo interno; sua fórmula química, por assim dizer.
"que, justamente, só formam corpos diversos segundo a diferente forma em que se organizam."
E essa forma em si mesma não é nem pode ser material -- jamais. Se ela fosse material, ela seria um corpo e esse corpo, por sua vez, teria de ser organizado por uma forma, e se essa forma fosse um corpo teria de haver outra forma e assim por diante indefinidamente -- e cairíamos no absurdo.
"Todo e qualquer corpo constitui-se de elementos organizados, o que é mesmo que dizer (na linguagem antiga): uma matéria estruturada em uma forma.
Toda realidade corporal é uma síntese indissolúvel de matéria e forma."
Isto é que é importante: material e corporal não são a mesma coisa. Material é aquilo que é composto da matéria, tal como as ciências físicas descrevem as propriedades da matéria. Mas basta essas propriedades da matéria para que um corpo seja um corpo? Não, ele precisa ter uma forma e essa forma, que é a articulação de toda matéria que está dentro dela, em si mesma não é material. Ou seja, o elemento imaterial está presente já na corporalidade. Portanto, se eu explicar todas as minhas atividades mentais pelo funcionamento do cérebro, resta um problema: a forma do cérebro, a qual não é material. E o cérebro funciona não por causa da matéria que o compõe, mas da forma com que ele se articula. Então, nós temos já o elemento imaterial presente no próprio cérebro, no próprio funcionamento imanente da mente e, mais ainda, na relação cognitiva que se estabelece entre o ser humano e o objeto que ele conhece.
Ao se questionar se a consciência tem causas materiais ou tem causas espirituais, eu responderia que tudo aquilo que é material já tem o espírito junto porque tem a forma, [0:40] que é um elemento não material presente no material. Portanto, não são coisas distintas -- são pontos de vista. A matéria e a forma são pontos de vista pelos quais você olha um objeto, e no objeto eles estão unidos inseparavelmente. É justamente esta junção inseparável que mostra que eles existem realmente. Porque, se separar matéria e forma -- aqui você tem a matéria de um gato e aqui a forma de um gato separado -- a matéria do gato é um monte de moléculas de carbono soltas no ar que não formam coisa nenhuma, e a forma do gato é um desenho ou um projeto de gato. É justamente porque essas duas coisas estão juntas que você diz que é um gato.
"Toda realidade corporal é uma síntese indissolúvel de matéria e forma."
Veja a profundidade dessa intuição de Aristóteles -- isso é imortal, nunca vai acabar.
"Quando um corpo se dissolve, ele se subdivide em corpos menores que têm cada qual sua matéria e sua forma. Quando chegamos ao nível subatômico da decomposição, cada partícula continua tendo sua matéria, sem a qual não existiria no espaço, e a sua forma definidora e individualizadora, sem a qual não se distinguiria de outra partícula."
Então, mesmo no nível subatômico você tem lá a matéria e a forma.
"Mas, se a matéria não explica a forma, esta só explica a diferenciação dos corpos e não a existência da matéria."
Por exemplo, do fato de que um gato é um gato não se deduz que o gato exista. Para que ele exista é preciso que essa forma seja preenchida de matéria. Portanto, a distinção de forma e matéria é um ponto de vista que lançamos, mas em toda a realidade essas duas coisas estão juntas.
"Mas, se a matéria não explica a forma, esta só explica a diferenciação dos corpos, não a existência da matéria. Em última instância, é cabível designar forma e matéria, respectivamente, como essência e existência."
É uma outra maneira de dizer; tem outras implicações que mais tarde posso explicar.
"Às diferentes formas dos entes correspondem as diferentes propriedades pelas quais eles se manifestam e se relacionam. À porção de matéria que os compõe corresponde a sua presença efetiva no espaço-tempo."
Quer dizer, se a quantidade de matéria for nula, a coisa não existe no espaço-tempo; só existe como forma, ou seja, como algoritimo, como esquema de possibilidades.
"Todas as relações entre os entes são também inseparavelmente materiais e formais. Todas. Quando uma vaca come grama, as partículas de matéria que compõem a grama não são destruídas, mas rearranjadas numa forma diversa para transmutar-se parcialmente em sangue de vaca e parcialmente em massa fecal."
Houve mudança de quê? Da forma.
"O conhecimento é uma propriedade específica de determinados seres vivos. Essa propriedade consiste num modo específico de relacionar-se com outros seres. Nessa relação, a matéria do objeto conhecido não sofre transformação."
Ou seja, quando eu vejo um gato, o gato não é transformado por isso -- eu é que sou transformado. E sou transformado de duas maneiras: materialmente, porque a coisa alcançou os meus órgãos dos sentidos e desencadeou uma série de reações neurais; e formalmente, porque nessa atividade mental eu apreendi a forma do gato. Esta apreensão em si não é material, a forma do meu cérebro e a forma de toda a minha atividade mental também não é material, e o encontro das duas é muito menos material ainda.
"Nessa relação, a matéria do objeto conhecido não sofre transformação: é apenas a sua forma sensível que se integra na forma interna, ou 'programa', da psique do outro, como 'informação', num processo que pode vir ou não acompanhado de alteração material do cognoscente.
O processo todo pode ser reduzido a operações materiais, exceto num ponto: a coincidência da informação com a forma sensível do objeto percebido, ou, dito de outro modo, a veracidade da informação e, portanto, a existência de consciência além da mera atividade mental ou psíquica.
A veracidade é uma identidade formal, sem nada de material em si mesma.
Isso quer dizer que nenhuma explicação material do processo cognitivo poderá jamais dar conta da veracidade -- ou, se quiserem, objetividade -- do conhecimento."
Note bem que isso aqui é absolutamente independente de você saber se a atividade mental é produzida pelo cérebro ou por alguma outra coisa. Pouco importa! Pode ser produzida pelo cérebro, até admitimos isto: "Toda a nossa consciência é resultado do cérebro." Sim, todas as atividades mentais são produtos do cérebro, mas consciência, quer dizer, a veracidade, essa não pode ser material de jeito nenhum e não existe cérebro capaz de produzi-la. O meu cérebro pode produzir a veracidade da minha percepção de um gato? Não, porque isso depende do gato; depende da presença do gato.
"De todos os seres cognoscentes, o homem é o único que pode retroagir sobre os dados da percepção e julgar a sua veracidade ou falsidade."
Aí você já chama de "consciência reflexiva". Quer dizer, além de ter percebido a coisa verazmente, como ela é de fato, você sabe que percebeu isto. Esta consciência reflexiva é menos material ainda, porque ela é a coincidência entre a recordação que você tem de um ato cognitivo e o conteúdo desse ato cognitivo, que é um objeto. Na hora você diz: "Eu percebi o gato", e era um gato mesmo e não uma imagem de gato.
"Esta operação, que denominamos consciência ou inteligência, pode por sua vez ser explicada pelo funcionamento material do cérebro, exceto num ponto: a veracidade ou falsidade do julgamento de veracidade ou falsidade."
Quando você tem a percepção e, em seguida, refletindo confirma a veracidade dessa percepção, esse é um julgamento veraz sobre uma percepção veraz. Então, existe a veracidade da percepção e a veracidade do juízo reflexivo que afirma a veracidade da percepção. Nos dois casos, tudo isso é imaterial, porque tudo isso é identidade entre formas.
"Tentar esse tipo de explicação seria cair nas autocontradições do psicologismo já apontadas por Husserl."
Ou seja, não pode haver um conceito psicológico, ou neurológico, ou neurobiológico, ou neurocientífico da veracidade, porque a veracidade não está na consciência. Não estando na consciência, também não pode estar naquilo que produz a consciência, ou seja, o cérebro. A veracidade é uma relação formal.
"Por outro lado, é certo que nenhuma percepção poderia ser julgada verdadeira ou falsa objetivamente se o objeto percebido não trouxesse, na sua forma percebida, o coeficiente de inteligibilidade necessário para que essa operação se torne possível."
Se a forma do gato não é inteligível, eu não vou inteligi-la. Isso quer dizer que a coincidência entre a forma da percepção e do objeto percebido não é material. Mas para que isso seja possível é necessário não apenas que eu seja capaz de apreender essa relação não material, mas que o objeto percebido seja capaz de exibi-la de alguma maneira. Ou seja, o gato exibe a forma de gato a qual não é material. Ele existe materialmente, mas se ele tivesse só a materialidade e não a inteligibilidade da sua forma, eu não o perceberia como gato, mas como uma forma indistinta. Se eu sei que é gato é porque a forma gato está nele e está inteligível, está perceptível por mim.
Então, o coeficiente de coisa imaterial em todo este mundo material é imenso, mas as coisas não são separáveis. E se nós chamamos de consciência não apenas o funcionamento da psique -- o que seria um erro gravíssimo --, mas o funcionamento eficaz da consciência, o funcionamento veraz da consciência, então ela não pode ser material jamais, ainda que todos os mecanismos que a produzem sejam materiais. Porque o que você produz é atividade do cérebro, mas você não produz o gato, você não produz o objeto percebido e muito menos a coincidência de uma coisa com a outra.
"Inteligência é a apreensão veraz de uma forma. Sendo uma relação que se estabelece entre um sujeito e um objeto, não poderá jamais ser explicado unilateralmente pelas propriedades do puro sujeito, [0:50] quer estas sejam concebidas como 'materiais' ou 'espirituais'. Inteligibilidade é uma propriedade das formas dos objetos, a qual existe, em princípio, independentemente dos sujeitos cognoscentes, mas só a eles se revela. Inteligência e inteligibilidade são as condições puramente formais, não materiais portanto, sem as quais nenhum objeto poderia ser conhecido com veracidade."
Mais ainda: nenhum objeto poderia existir! Se os objetos tivessem somente a sua materialidade e não a sua forma, eles só poderiam existir como possibilidades teóricas e seriam indiscerníveis uns dos outros. Quando você diz que um objeto ocupa um lugar no espaço, ele o ocupa com a sua forma. Se é um elefante, a porção de espaço que ele ocupa está recortada com a forma de elefante, e o conjunto dos atos que ele pode desempenhar nesse espaço estão delimitados pela sua forma interna de elefante, pelo seu funcionamento de elefante. É o que diz Aristóteles: não confundir forma com formato. O formato faz parte da forma, mas a forma vai muito além do formato, porque ela é a lei do seu funcionamento, é a sua fórmula, por assim dizer. Não apenas nenhum objeto poderia ser conhecido com veracidade, mas nenhum objeto poderia existir.
Isso quer dizer que o elemento material e imaterial tem de estar presente em todos os objetos. Material e imaterial são apenas pontos de vista que nós lançamos lá, mas essas duas dimensões são inseparáveis. A separação de matéria e forma significa a extinção do objeto como existente, não como possibilidade. Quando seu corpo se decompõe, a sua forma continua intacta, tanto que nós conseguimos falar de você, conseguimos lembrar de você. Você não deixa de ser você mesmo porque morreu -- você apenas cessa de existir no espaço-tempo.
"A consciência ou inteligência é imaterial não porque o seu funcionamento seja independente do corpo material do sujeito cognoscente (embora talvez possa sê-lo em certas circunstâncias, como os experimentos de 'quase morte'), mas porque ela não é uma operação imanente ao sujeito e sim uma relação formal com a inteligibilidade (também ela não material) de um objeto que o transcende."
Então, espero com isso estarmos na pista de um dos grandes debates filosóficos contemporâneos. Embora a coisa esteja exposta de maneira um pouco tosca, acho que a solução é por aí. E dar essa solução já vai melhorar muito a compreensão de vocês e também prepará-los para ver que nos mais altos debates de uma época pode haver um coeficiente de insensibilidade ou de insensatez muito grande. Mesmo porque esses debates fazem parte da atividade acadêmica normal e de algum modo eles têm de prosseguir, haja coisas a dizer ou não.
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Aluno: O senhor disse durante a aula que um mais um será sempre dois, independente do cérebro humano. No entanto, a criação da matemática não seria uma criação do cérebro humano e, portanto, dependente dele? Ou isso representa apenas um simbolismo para formalizar os aspectos sensíveis da realidade?
Olavo: Note bem que as alternativas que você dá são duas: ou a relação matemática é um produto do cérebro ou ela capta relações sensíveis nos próprios objetos -- quando eu estou dizendo que não pode ser uma coisa e nem a outra. A solução deste problema já foi dada há quase cem anos pelo Edmund Husserl no prefácio das Investigações Lógicas. Essas duas hipóteses que você lança são exatamente o que se chama "o Psicologismo". A coisa ou é um processo psíquico ou é a percepção de relações físicas, quando, evidentemente, uma relação matemática não pode ser nenhuma coisa nem outra -- é uma relação formal. É a esfera de relações formais que constitui o que o Edmund Husserl chama de "a Lógica Pura". Então, toda a tentativa de reduzir as relações matemáticas, seja à abstrações extraídas do mundo sensível, seja de reduzi-las a atos psíquicos, leva a contradições sem fim.
Evidentemente eu não vou conseguir explicar tudo isso agora, mas se você procurar, existe uma apostila minha, que é uma transcrição de aula, chamada Edmund Husserl Contra o Psicologismo.2 É um assunto ao qual talvez eu volte aqui mais tarde, mas pode ter certeza de que não é nem uma coisa nem outra. A maneira de colocar o problema está jogando você dentro do mesmo equívoco que eu estava tentando explicar na aula, que é: ou é material ou é formal, quando evidentemente uma coisa sem a outra não pode existir.
Aluno: Sou aluna de filosofia da Universidade Federal de Minas Gerais há um ano e me tornei sua aluna do curso faz um mês. Posso dizer que aprendi muito mais contigo (...)
Olavo: No Brasil isso não é difícil você aprender mais do que na universidade. É muito fácil: é só aprender alguma coisa que você já aprendeu mais do que na universidade.
Aluno: (...) O curso é maravilhoso! (...)
Olavo: Obrigado.
Aluno: (...) Posso afirmar que o senhor se tornou a pessoa que me educa, referência no meu ideal de ser filósofo. Quero perguntar sobre o fenômeno do debate político ter dominado as redes sociais. Por que isso está acontecendo? O discurso de aprovação ou reprovação é sempre carregado por ideologias e muitas vezes simplesmente uma onda das mesmas opiniões. Será que achamos que a política irá nos salvar?
Aluno: Note bem, Napoleão, lá por volta de 1810, disse: "A política é o destino inevitável da modernidade." Isso de fato aconteceu porque todos os outros quadros de referência desapareceram: religião, moral e até mesmo a arte. Porque na hora que vem um negócio chamado democracia em que todo mundo começa a discutir, é evidente que uma discussão multitudinária não pode chegar a nada, se você tem milhões de pessoas falando ao mesmo tempo.
Então, a democracia nasce com esse vício de nascimento. Por um lado, ela aposta na racionalidade, na prova e, por outro, o debate na democracia se dá em condições que torna absolutamente impossível qualquer prova. Resultado: tudo cai no domínio político tal como definia Carl Schmitt, que é aquele em que as questões não podem ter arbitragem racional. Então, só resta juntar os amigos contra os inimigos e ver quem tem mais força. Ou seja, todos os debates são decididos pela força, seja a das armas, seja a força do número, seja a do boicote e da manipulação e de toda a sacanagem, que é uma força dificilmente resistível, e que está se tornando hoje -- preste atenção -- para além da pura política (que é o confronto dos amigos contra os inimigos), está se desenvolvendo agora uma nova modalidade de confronto, que é o confronto da canalhice, da manipulação e da mentira, que é uma coisa terrível! Isso aí, de uns dez anos pra cá se tornou norma geral.
O cidadão moderno está praticamente isolado das informações fundamentais que ele necessitaria para tomar uma decisão. Toda esfera da grande mídia se tornou só manipulação, mentira, ocultação etc. É um fenômeno terrível! Isso é uma tendência que já existia antes, mas nos últimos anos se tornou assim. Veja esse caso do Barack Hussein Obama: a mídia inteira conseguir esconder durante todo esse tempo que os documentos do cara são falsificados, quando obviamente o são. [1:00] O número de instrumentos de pressão, de chantagem, de chacota, de intimidação que existe é uma coisa impressionante.
Então, aquilo que prometia ser o reino da racionalidade e das luzes, virou, primeiro, o reino do poder maciço -- seja o poder das armas, seja o dos números -- e, em seguida, o reino da enganação universal. E é isso que nós estamos vivendo. Mas estamos vivendo isso na esfera pública; em uma esfera mais privada em que ainda é possível o diálogo, podemos proceder racionalmente e tentar seguir um outro caminho, pelo menos para nossa orientação, que é exatamente o que estamos fazendo aqui.
Isso, evidentemente, não vai mudar nada na política, mas impede que mergulhemos na loucura geral -- pelo menos alguém tem de saber o que está acontecendo. Pode ser que a maioria esteja totalmente enganada. Até nas altas esferas pode reinar o engano, porque o indivíduo que está enganando os outros, ele engana a si mesmo em primeiro lugar -- é difícil saber onde termina uma coisa e começa outra --, mas acho que nós, pelo menos como indivíduos, podemos mais ou menos nos orientar no que está acontecendo.
Aluno: Iniciei o curso há uns três meses e agora estou entendendo a conexão entre as primeiras aulas (estou na aula doze). Somente nesta aula tive informação de uma avaliação. Essa avaliação será feita em aulas posteriores ou tenho de fazer algum procedimento ao qual ainda não tenho acesso?
Olavo: Eu pedi que todos os alunos esboçassem planos de trabalhos de conclusão de curso. Em um certo momento eu vou interromper esta série de aulas e vou começar uma outra, que será toda baseada nos trabalhos de conclusão de curso, analisando um ou dois projetos em cada aula; analisando, aconselhando e, até certo ponto, julgando a qualidade do projeto. Até que esses projetos fiquem prontos vai passar mais algum tempo. Mas, como eu fiquei sem nenhum assistente aqui, eu tive de adiar isso para agosto (porque a Marcela Andrade vai voltar aqui em agosto e então ela vai me ajudar nisso), porque sem uma ajuda aqui eu não vou conseguir fazer isso de maneira alguma. Então, nós vamos continuar com as aulas puramente expositivas até agosto, mas aqueles que tiverem projetos de trabalho de investigação já podem ir mandando (já tem uma pilha deles aqui).
Aluno: Quanto ao curso que o senhor irá ministrar sobre "Como Tornar-se Um Leitor Inteligente", gostaria de saber se é preciso possuir certa bagagem intelectual prévia para participar e se haverá algum processo seletivo. Também gostaria de saber com quem podemos entrar em contato para maiores informações.
Olavo: Você poderá entrar em contato ou com o misterioso senhor Eduy: eduy.ferro@gmail.com ou aqui com a Leilah: leilah.carvalho@gmail.com.
Aluno: Posso considerar que a confissão abrange todos os níveis de consciência, de modo que seu resultado interfira em outra escala de consciência?
Olavo: Bom, depende da confissão. Se você procurar o Compêndio de Teologia Ascética e Mística do Pe. Adolphe Tanquerey, ele ensina como se faz uma confissão -- uma coisa muito mais complicada do que parece. Os critérios da confissão são os da teologia moral, que também não são fáceis. Normalmente, todos esses ensinamentos deveriam estar tão bem impregnados no dia a dia da Igreja que não seria preciso o indivíduo estudar teologia moral. Mas a situação hoje é tal que você encontrar um padre que conheça algo de teologia moral é uma raridade.
Por via das dúvidas, se você quer se aprimorar nisso aí, existe o Tratado de Teologia Moral para Seculares3 do teólogo espanhol Antonio Royo Marín, que é um grande teólogo, um expositor maravilhoso. Só que o tratado de teologia moral dele às vezes dá vontade de rir, porque esse livro tem quase duas mil páginas; se isso é para seculares, imagine então para os padres como a coisa deve ser mais complicada. Mas eu sempre recomendo esses dois livros. Se você quer se aprimorar nisso aí, pega o Compêndio de Teologia Ascética e Mística, do Pe. Adolphe Tanquerey, do qual existe uma tradução portuguesa, que talvez você encontre em sebos ou na Estante Virtual, e o Teología Moral para Seglares, do Antonio Royo Marín.
Aluno: Há algum texto seu que versa sobre níveis paralelos de atuação semântica interpretativa perceptiva ou lingüística?(...)
Olavo: Infelizmente, não.
Aluno: Em que medida a autoconfissão interfere na abertura para o desbloqueio da verdade (não no sentido religioso, mas nos debates comuns)?
Olavo: Bom, este é um dos grandes problemas: como é que eu vou saber quem eu sou, o que estou querendo mesmo, quais são minhas verdadeiras intenções. Recentemente saiu este livro You Are Not So Smart, o autor chama-se David McRaney. Ele demonstra que a maior parte das memórias humanas são falsificadas: quando você acredita que a sua intenção é uma, na verdade é outra; a mentira para si mesmo é um fator constante na vida humana, e o número de pessoas que se interessam em furar esse véu da mentira e descobrir algo a respeito de si mesmo é muito pequeno.
Mas, nos tempos em que havia bons psicoterapeutas, uma psicoterapia lhe ajudaria a desfazer várias racionalizações -- racionalizações são raciocínios aparentes com os quais você camufla suas verdadeiras intenções. A camuflagem de intenções é um fator constante na vida social e está cada vez mais, porque você não tem hoje meios de fazer as pessoas amadurecerem e ter uma autoconsciência. Então é um festival de falsa consciência que é uma coisa incrível!
Veja todo esse pessoal que espalha as coisas mais horríveis a meu respeito -- e gratuitamente. Não tem uma discussão séria. Quando se quer discutir alguma coisa, discute uma frase mal interpretada que ouviu em um programa, não tem uma análise séria; é só fofoca. Aí alguém pergunta: "Por que você odeia o Olavo?" A resposta é sempre a mesma: "Eu não odeio ninguém, de maneira alguma." É claro que o sujeito está se enganando, está mentindo para si: ele não quer ver a realidade dos seus sentimentos.
Então, durante a vida, a primeira coisa que eu tentei para resolver isso foi fazer várias análises. Fiz análises junguianas, freudianas, o diabo. Ajudou muito, muito! Mas faltava alguma coisa. Chegou o dia em que eu descobri que não existe autoconhecimento se você não se mede com um observador onisciente. Eu descobri isso quando li as Confissões de Santo Agostinho. Santo Agostinho pode se conhecer, porque ele está se colocando em um diálogo com alguém que sabe mais sobre ele do que ele mesmo; ou até como dizia Paul Claudel: "Deus é aquele que em mim é mais eu do que eu mesmo."
Existe no interior do ser humano uma instância, um certo núcleo, que você não consegue enganar. Você precisa encontrar isso aí. E esse núcleo é já a ação do Espírito Santo em você. Não a ação extraordinária, não a ação que vai te dar o dom da profecia nem coisa nenhuma, mas a ação ordinária do Espírito Santo, que é de sustentar a inteligência humana na busca da verdade. Um dia a gente descobre isso e diz: "Opa, eu não consigo me enganar mais." Quer dizer: eu sei quem eu sou. Quando eu estou com treta, eu sei -- eu conheço as minhas intenções. E é a partir daí que você perde o medo das pessoas falarem mal de você, porque você sabe exatamente qual é o mal que está em você e qual não está: você sabe o que você fez e o que você não fez; você sabe o que você quer e o que você não quer. Então, não há mais outra autoridade para falar sobre você: é só você perante Deus -- a única autoridade é Deus e a testemunha é você.
Aluno: É a primeira vez que escrevo. Estou na aula trinta e três: o curso é maravilhoso! Obrigado. Tive uma big impressão do livro A Sabedoria do Eneagrama de Don Richard Riso e Russ Hudson. Escrevo isso porque durante a primeira leitura lembrei-me várias vezes sobre o que o senhor ensina. Logo no início tem um exercício parecido com o necrológio e posteriormente...
Olavo: Olha, eu não recomendo muito ir atrás dessa escola gurdjieffiana, não. É bom você saber o seguinte: essa coisa do eneagrama não existe em nenhuma escola de mística oriental, é tudo inventado por um sujeito chamado Gurdjieff, que se dizia representante, porta voz da sabedoria ancestral tradicional. Não existe registro do eneagrama em parte alguma, o que não quer dizer que o eneagrama seja uma total estupidez -- não é. Mas quando um conhecimento já se apresenta por uma fonte falsa é melhor procurar uma coisa mais sólida. [1:10]
Aluno: Que obras de Seyyed Hossein Nasr o senhor recomenda a leitura? Existe alguma ordem especial?
Olavo: O Seyyed Hossein Nasr é o seguinte: a formação originária dele foi em matemática e física; depois ele se especializou na história da ciência e, em especial, na história da ciência islâmica. E, aos poucos, ele foi se interessando cada vez mais pelo esoterismo islâmico, pelo sufismo. Então, existem obras dele que são de pura história das ciências, por exemplo: An Introduction to Islamic Cosmological Doctrines (Introdução à Doutrina Cosmológica Islâmica). Em matéria de história da ciência islâmica, dificilmente tem outro melhor do que ele. Existem alguns livros que são de crítica cultural: The Encounter of Man and Nature, que foi publicado no Brasil com o título de O Homem e a Natureza, é um belíssimo livro em que ele analisa a tal da crise ecológica sobre o ponto de vista espiritual.
O problema com o Nasr é que durante muitos anos ele foi seguidor fiel do Frithjof Schuon, uma figura altamente ambígua. Por um lado, é um gênio incomparável, inclusive na parte da psicologia moral, do guiamento das almas, ele escreveu coisas maravilhosas. Mas, por outro lado, eu observei pessoalmente que, na prática, na realidade, ele não tinha discernimento psicológico algum: era incapaz de discernir o que estava acontecendo em volta dele. Era um homem que vivia literalmente no mundo da lua, no mundo das palavras, da teologia -- aí ele é soberano. É um escritor espiritual excelente, mas achavam que ele era um mestre espiritual. Não, mestre espiritual precisa de algo mais do que isso: mestre espiritual está lidando com pessoas de carne e osso, e ele tem de saber quem são essas pessoas, o que elas estão sentindo e neste ponto -- eu garanto para vocês -- o Schuon era totalmente cego, ao ponto do ridículo.
O Nasr, durante muito tempo, foi seguidor do Schuon. Nós sabemos que a tariqa do Schuon terminou com um escândalo: houve aquela acusação de que ele era pedófilo. Até hoje não acredito muito na acusação, que foi feita por um sujeito que tinha um caso com uma das mulheres Schuon (Schuon era mulçumano, tinha quatro mulheres). Ele teve um caso com uma delas e foi expulso da tariqa, ficou brabo, ficou revoltado e escreveu coisas horríveis contra o Schuon. Bom, eu também tenho meus motivos de ressentimento contra o Schuon (talvez até mais do que ele, porque eu não comi ninguém e sofri perseguições horríveis): os discípulos do Schuon se juntaram para fazer um processo contra mim, que me deu trabalho, me fez gastar um dinheirão durante seis anos, só para ser inocentado no fim. Mas era prática usual da tariqa o assédio judicial: só não fizeram mais assédio porque só tinham oito discípulos no Brasil, então só dava para fazer um processo. Se tivessem mil [discípulos] fariam como fizeram contra outras pessoas na Europa, que ficaram vinte anos envolvidas em processos. No fim, saem inocentadas -- e acabadas.
Então, o Nasr era uma mente dependente do Schuon. Depois que a tariqa acabou, dizem que surge uma nova tariqa, que ele é o chefe, é o líder da tariqa, e um outro setor seguiu um outro cara. Ou seja, existe um viés ativista por trás. O Nasr está de fato fazendo propaganda do Schuon, mas isso nos livros a partir de uma certa idade. Os primeiros livros, que são de história da ciência, são totalmente isentos.
Mas quando você pega, por exemplo, o livro Knowledge and the Sacred, parece coisa escrita pelo Dugin ou pelo [Lyndon] LaRouche: mostra toda história das idéias, tudo convergindo para a pessoa de quem? Do Frithjof Schuon. Isto não existe. É o Hegel: "A história culmina comigo; no começo Deus fez o céu e a terra ... daí veio... eu." Então, o Nasr é um homem muito modesto, [porque ele diz que no fim] veio o Schuon.
As histórias contadas assim são sempre mais ideológicas do que coisa séria. Existe um elemento de distorção ideológica, mas, ao mesmo tempo, as exposições dele sobre o sufismo, sobre o esoterismo islâmico, são bastante fiéis. E existe um livro, sobretudo, que eu considero total propaganda ideológica, que é o Ideals and Realities of Islam, em que ele descreve a civilização ocidental moderna pelo seu aspecto factual mais deprimente e descreve a civilização islâmica pelos seus belos ideais. Mas no ideal até Al Capone pode ser melhor do que Santa Teresinha do Menino Jesus. Se for pegar a realidade de um e o ideal de outro, o cara do ideal sempre vai sair ganhando. Não acho que o Nasr fosse pessoalmente um homem desonesto, mas é que a situação de você pertencer a uma organização (que se não é secreta é pelo menos discreta) onde você não pode dizer as coisas de coração, sempre leva você a cometer algum deslize, alguma falsidade.
Aliás, este é o problema. Se tem uma coisa que não acredito é que exista alguma entidade, alguma organização que possa ser portadora da verdade -- nem a Igreja Católica. Atenção: a doutrina da Igreja Católica pode ser verdade, mas tudo o que se diz em nome da Igreja Católica é verdade? É claro que não! Hoje em dia, sobretudo, 80% é mentira. Então, não tem uma entidade que personifique a verdade. Mesmo a Igreja Católica personifica a verdade somente naquele seu núcleo doutrinal que é imutável -- só naquilo. Mas na sua vida, no dia a dia, ela personifica a verdade? É claro que não. Ela tem um coeficiente de mentira, de ocultação, todo mundo sabe.
Se uma Igreja, uma entidade fundada pelo próprio Nosso Senhor Jesus Cristo, não personifica a verdade na sua inteireza, mas só parcialmente, você imagine as outras entidades! É possível um movimento político representar a verdade? Nunca; ele sempre vai ser uma síntese de verdades e mentiras. A verdade só é acessível à consciência individual humana e isso só aparece na sua presença perante Deus -- está lá em Santo Agostinho. Esse meu individualismo gnosiológico, quer dizer: só o indivíduo humano conhece a verdade. As entidades podem repetir a verdade, mas quando a repetem já a falsificam -- e não podem personificá-la de jeito nenhum.
Você não pode esquecer que quando se fala "a Igreja Católica", isso vai desde São Francisco de Assis até os padres pedófilos, até os padres que eram da Loja Maçônica P2. Tudo isso é Igreja Católica. Esta entidade diz a verdade para mim totalmente? Não. Ela diz a verdade na doutrina. E, note bem, a doutrina é universal e abstrata: para traduzi-la em verdade no dia a dia, quem tem de fazer isso é a sua consciência. Um padre pode ajudar, um teólogo pode ajudar, mas, em última análise, é você que terá de resolver a coisa.
Toda essa crise, essa quase desmoralização da Igreja Católica, pode ser muito útil, porque tira das pessoas um suporte institucional -- suporte institucional que Nosso Senhor Jesus Cristo não tinha, que os apóstolos não tinham, que os cristãos não tiveram durante muito tempo; eles estavam todos em "um mato sem cachorro". Você ser cristão era uma desmoralização, todo mundo lhe desprezava e perseguia. Então, a perspectiva desse sujeito é bem diferente daquela do indivíduo que vive em uma situação onde a Igreja Católica domina e onde pertencer a ela já é ter uma boa figura perante a sociedade. Esse privilégio nos foi retirado e isso pode fazer com que surjam forças espontâneas que tragam uma renovação do catolicismo, do cristianismo católico. Eu acho que é o que nós estamos fazendo aqui. Nós não temos autoridade nenhuma, não somos teólogos, bispos, cardeais -- não somos coisa nenhuma (aliás, os cardeais às vezes descem o cacete na gente), mas é uma força espontânea que se levantou, é o fenômeno que surge no século XX do apostolado leigo. Se procurarmos onde está o pensamento católico, veremos que ele está mais nos leigos do que nos teólogos.
Aluno: Um conhecido me apresentou um livro antigo chamado O Protocolo dos Sábios de Sião*. Ao ler atentamente o seu conteúdo, tenho encontrado uma similaridade muito grande entre os seus pressupostos e o atual estado de coisas. Parece que estou diante de um grande manual utilizado pelos governantes em nosso país. (...)*
Olavo: Esse livro foi copiado de um outro livro que se chama Diálogo no Inferno entre Maquiavel e Montesquieu, de Maurice Joly. Ali tem intuições formidáveis do que vai acontecer: a formação de uma elite globalista mandante etc.; só que o autor personifica isso com um grupo chamado "os judeus". E quando você vai ver, essa elite que ele está falando existe e ela faz muitas coisas que estão previstas no livro, só que os caras não são judeus -- tem tanto judeus quanto caras de outras origens. [1:20] Por exemplo, hoje em dia, tem gente que acredita que os judeus dominam a mídia nos EUA. Se eles dominam, então são masoquistas porque a mídia aqui só desce o cacete no Estado de Israel, só fala mal deles e só afaga a cabeça dos palestinos; e também 70% dos judeus nos EUA votaram em Barack Hussein Obama, que é contra o Estado de Israel, que é inimigo do Estado de Israel.
Esse livro pode ser muito útil para estimular a sua imaginação. Ele não traz verdades factuais, mas traz esquemas que se parecem com a realidade. Então, como matriz de analogias é muito bom, mas você não pode materializar o agente nesta ou naquela comunidade. Onde você lê: "os judeus", pense assim: "comunidade globalista internacional" -- que tem judeu, católico, protestante, maçom, tem tudo misturado. Esse repertório (a literatura antijudaica que existe), às vezes é uma coisa muito impressionante, porque as pessoas passam anos juntando fatos e no fim dá uma impressão de que os judeus estão fazendo uma conspiração mesmo. Você pode acreditar, mas só até o momento em que começa a procurar fatos que desmintam isso -- e você os encontra também! Quer dizer, nenhuma acumulação de fatos prova coisíssima nenhuma. Desde o tempo de Aristóteles já se sabe que o método científico é confrontação de hipóteses, não é empilhamento de fatos. Como vou explicar isso para um jumento como o Carlos Velasco e esse bando de fascistinhas anti-semitas que tem por aí? Que basta você contraditá-los para eles dizerem: "Ah, você é maçom! Você está conspirando...". Ter de discutir com jumento é muito difícil e, além disso, eles são muitos, não dá para responder a todos.
O nosso Gustavo Barroso foi um escritor de muito talento, mas ele ficava empilhando fatos anti-judaicos. Se empilhássemos fatos pró-judaicos veríamos que eles existem! Por exemplo: o número de judeus no movimento comunista era enorme, mas a história mostra que 80% dos anticomunistas americanos eram judeus também. Então, se você tiver só a lista de judeus comunistas, você fica com a impressão de que o comunismo é um movimento judaico. Se você fizer a lista dos que estão no movimento anticomunista, o anticomunismo também vai parecer um movimento judaico. Sabe qual a conclusão que o sujeito tira? Em vez de uma coisa neutralizar a outra, ele diz: "Está vendo? Eles estão em toda a parte, dominam esse partido, dominam o outro; eles dominam o mundo!"
Esse é um livro que você pode ler como uma obra de imaginação, que vai lhe estimular e dar muitas pistas para você ver o que os caras estão fazendo mesmo, mas você não pode personificar nessa comunidade ou na outra. Uma boa maneira de fazer o perfil do que é a elite globalista mundial é relacionar os membros do Grupo Bilderberg, a lista inteira. Tem judeu lá? Tem. Ah, mas tem até o Papa! Não é fácil lidar com entidades que só conhecemos por abstração, como uma classe social ou uma elite globalista etc. A tendência de você personificar num grupo especial é muito grande, sobretudo para pessoas de pouca inteligência que estão lidando com assuntos muito acima da capacidade delas. Quem tem acesso a esse texto? Todo mundo, capacitado ou não, com retaguarda intelectual ou não. Não é uma leitura prioritária e, sobretudo, não acho que seja uma leitura para principiantes; quer dizer, se você não tem uma boa retaguarda de estudos históricos. Faça o seguinte teste: tem algum acontecimento histórico cuja veracidade você já pesquisou pelo método científico, confrontando e pesando todas as hipóteses? Se você nunca fez isso, nem uma vez, não se aventure com O Protocolo dos Sábios de Sião, que é um abacaxi.
Aluno: O seu relato da história da ciência no artigo "A Vingança de Aristóteles" me lembrou de uma pergunta que o ensaio de Vicente Ferreira da Silva me colocou na cabeça. No ensaio, Vicente alegava como causa remota da passagem da cosmovisão antiga do simbolismo natural para a visão do mundo moderno matematizado, uma troca de pólos de fascinação em termos dos quais o homem interpretava o mundo. (...)
Olavo: Sim. Acho uma grande sacada essa idéia do Fascinator do Vicente. Quer dizer, ele antecipa de certo modo o negócio do Thomas Kuhn, das revoluções científicas -- você tem uma mudança geral no imaginário que não é causada por descobertas científicas; ao contrário, ela coloca a ciência numa outra direção. Nessa direção, podemos dizer que a explicação é anterior à descrição dos fatos -- já vem de alguma explicação pronta, de algum modo. É claro que a maior parte dessas explicações vai coincidir com a realidade em algum ponto, mas no artigo menciono que a guerra contra os escolásticos não começa com a ciência moderna. Ela vem um pouco antes, de uma outra geração de intelectuais que eram todos ocultistas, astrólogos, alquimistas, macumbeiros etc., que se utilizavam de uma brecha dada pela física antiga de Aristóteles -- a física das qualidades ou das formas substanciais. Eles se apoiavam na teoria das formas substanciais para fundamentar o processo divinatório, as magias etc. Uma parte ficou aterrorizada com isso e quando aparece o mecanicismo, que se atém às propriedades matematizáveis, viam nele um meio de defender o cristianismo contra a invasão do ocultismo.
Descartes e Mersenne estavam nessa e outros tinham diferentes projetos. Newton tinha o seu projeto pessoal. O pessoal não conhece, só sabe de Newton aquilo que estuda: a lei da gravitação universal tal como está no manual de ciência moderna, e acha que Newton é aquilo. A obra de Newton é imensa e abrange tudo. O que ele queria era uma reforma total do cristianismo, a transfiguração do cristianismo trinitário numa religião unitária, mais ou menos o modelo islâmico -- seria quase copiado do Islam, a religião da unidade absoluta. Tudo o que ele fez, inclusive a lei da gravitação, foi para fundamentar isso. É claro que a lei da gravitação você pode isolar do conjunto e dizer que tem uma certa validade dentro de um campo de realidade, a qual independe de seus pressupostos metafísicos; você pode até dizer isto, mas essa independência foi você que colocou lá -- na cabeça do próprio Newton não tinha. Quando Newton cria os conceitos de espaço absoluto e tempo absoluto, evidentemente, são conceitos metafísicos. Você pode prescindir disso? Sim, você pode tomar esses conceitos, não como realidades, mas como meras unidades de comparação e daí a teoria de Newton passa a valer fora do contexto teológico-metafísico dele, que é exatamente o que fizeram. Só que esse Newton isolado do contexto metafísico foi o que entrou para a história, que foi consagrado nos livros, nos manuais e todo mundo acredita que existe. Hoje mesmo está aí o senhor Eli Vieira insistindo de novo nessa patacoada que mostra apenas falta de cultura.
Essa idéia do Fascinator é como se fosse uma nova episteme, para usar o termo de Michel Foucault; quer dizer, um novo quadro interpretativo-perceptivo e tudo passa a ser visto de dentro desse novo quadro.
Aqui tem uma observação importantíssima -- o aluno passa a criticar a visão que o Vicente tinha e essa crítica está certa. Ele diz:
Aluno: (...) No mundo antigo, os astros teriam sido os fenômenos a partir dos quais o homem interpretava tudo o mais, enquanto no mundo moderno e cristão o homem estaria sob o fascínio de si mesmo e se veria como medida de todas as coisas. Essa interpretação da história das idéias por parte do Vicente me pareceu já na época seriamente errada, pelo seguinte: lendo os filósofos antigos, em especial, os neoplatônicos que eram os mais simpáticos ao mundo mágico e astrológico, é patente que o que mais os fascina nos astros não são os seus poderes ocultos, mas justamente o seu movimento regular descritível matematicamente. (...)
Olavo: Ou seja, essas leis matemáticas que estruturam o cosmos, elas mesmas são o elemento mágico e o elemento fascinador. Elas voltam para substituir o mundo da magia, mas elas têm a sua própria magia. Acredito seriamente (e hoje a história comprova isso), que a revolução científica dos séculos XVI e XVII não pode ser compreendida [1:30] fora do seu contexto ocultista, maçônico etc. Existe um livro fabuloso escrito por um grão-mestre maçom sobre Isaac Newton como maçom.4 A entidade que se tornou centro da ciência moderna, que é a Royal Society*,* foi fundada por um maçom alquimista, Elias Ashmole. Então, essa fascinação do elemento matemático tem um fundo esotérico também -- e não tem como negar.
Aluno: (...) Pondo entre parênteses a hipótese do Vicente Ferreira da Silva de que o homem está sempre sujeito a alguma fascinação primordial, não é correto dizer que o sucesso da descrição matemática da natureza não nos deixou, em certo sentido, mais fascinados pelo modo de ser dos corpos celestes do que com a astrologia incorporada na física antiga?
Olavo: Sem sombra de dúvidas. A magia da matematização criou um mundo paralelo. Leia o livro de Edmund Husserl A Crise das Ciências Européias e a Fenomenologia Transcendental e você vai ver que esse mundo matematizado se superpõe ao mundo dos objetos sensíveis. E, pior: esse é um mundo no qual não existe nenhum objeto real, existem apenas aspectos separados que são matematizados. Não é a matemática das formas substanciais, como sugeri na primeira parte da aula; é a matemática de aspectos em que não há, portanto, nenhum objeto real, você só tem aspectos abstraídos.
Aluno: Muito obrigado pelo curso, Olavo. Se critica bastante as faculdades, principalmente as brasileiras, então seria vantagem fazê-las na busca da verdade? Faço faculdade de filosofia, não consigo considerar aquilo como ensino de filosofia e não agüento mais aqueles professores dando pedaços de texto e aquelas explicações miúdas. Se não ler os pedaços de texto e não seguir as suas regrinhas irá repetir de ano. (...)
Olavo: Mas esse é que é o problema. O sujeito ao passar por uma coisa dessas, pensa assim. Quando meus filhos eram pequenos, eles me perguntavam: "Pai, por que tenho de ir à escola?" Eu dizia: "Existe só um motivo para você ir para a escola, meu filho: se você não for, eles me prendem. Então você vai fazer este favor ao seu velho pai, porque trabalhei que nem um camelo para sustentar você, para você ter sua mamadeira, sua papinha da Nestlé, seu sorvete etc. Agora você vai fazer este sacrifício por mim. Você vai lá e agüenta aqueles idiotas cinco horas por dia. Sei que é um vexame, mas o motivo é só esse".
Uma vez a Fundação Odebrecht, para a qual eu estava trabalhando, queria lançar uma campanha para que a população exigisse melhor ensino para os seus filhos. Se você quer isso, primeiro vai ter de inserir na cultura nacional o amor ao conhecimento. Quando eles dizem que querem o melhor ensino, não querem o melhor ensino, querem o melhor diploma; porque a escola não é, no Brasil, um meio de ascensão social -- isso é mentira. De milhões de pessoas que têm os mesmos cursos, quantos sobem na vida? Um ou dois. O diploma não garante ascensão na vida, mas a falta dele pode atrapalhar. Então, a escola é o elemento negativo: "Não vamos lhe dar nada, mas se você não vier aqui, vamos lhe tirar". Evidentemente, isso é uma chantagem e cai nessa quem quiser. Se você tiver meios de ganhar a sua vida sem isso, melhor para você -- como eu mesmo tive, felizmente.
Quando entrei no jornalismo não havia regulamentação ainda. Com a regulamentação, eles me deram o título de jornalista por decurso de prazo, porque já exercia a profissão, como milhares ganharam esse título na época. Depois se tornou impossível o acesso sem o diploma. Quando veio o diploma, asseguro para vocês, as primeiras gerações de jornalistas formados eram analfabetas. Elas nos levavam ao desespero, porque na redação há aquele bando de repórteres, na maior parte dele, novinhos, e você tinha a elite que eram os editores e copidesques -- essa elite era constituída, geralmente, de pessoas da geração mais velha. Aí começou uma situação em que todas as matérias mandadas pelos repórteres tinham de ser reescritas do começo até o fim. Isso virou uma agonia, quer dizer, os jornais tinham de ter cada vez mais copidesques, mais editores. No fim, o jornal era todo escrito dentro da redação. Não tinha uma reportagem que fosse publicada com o seu texto originário, a não ser as dos chamados "repórteres especiais", como o Moisés Rabinovici e o Carlinhos Brickmann, que são grandes jornalistas. Esses tinham texto final, os outros não. Antes do advento das faculdades, quem não tivesse texto final não estava na profissão. As faculdades serviram para encher as redações de analfabetos.
Aluno: (...) Qual a dificuldade de um caminho ou conhecimento verdadeiro sem a vida acadêmica?
Olavo: Ao contrário, não há dificuldade alguma! O difícil é com a vida acadêmica, porque você vai perder o seu tempo lá. Fiz esta conta quando era jovem: "Para eu ir à USP, que fica longe, se eu passar lá cinco horas por dia, vou gastar mais uma hora e meia para ir, outra hora e meia para voltar: são oito horas por dia que vou perder; não tenho oito horas por dia!" Daí lembrei que Aristóteles dizia que você deve exercer a inteligência moderadamente. Então, se eu sentar e estudar três horas por dia, vou ganhar muito mais do que essa porcaria. Além do mais, na faculdade, 80% das atividades eram assembléias estudantis, greves, fofocas e surubas nos apartamentos do CRUSP. Isso é muito dispersante, é melhor você ficar em casa e estudar. E se você tiver a sorte de encontrar pessoas que o ajudem, como sempre encontrei quem me aconselhasse, você acaba por abrir o seu caminho sozinho. É claro que vai aparecer um monte de analfabetos diplomados que vão querer boicotar você. Mas isso lá é problema? Nós lá temos medo dessa gente?
Por hoje é só. Muito obrigado.
Transcrição: Matheus Hahn Oliveira, Charles Santos e Cláudia Makia
Revisão: Susete França
Footnotes
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Olavo de Carvalho. "Consciência e forma". Texto-base para a Aula 241. ↩
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https://filosoficabiblioteca.files.wordpress.com/2013/10/carvalho-edmund-husserl-contra-o-psicologismo.pdf ↩
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O livro é citado adiante em espanhol: Teología Moral para Seglares, em dois volumes. ↩
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Trata-se do livro Isaac Newton's Freemasonry: The Alchemy of Science and Mysticism, de Alain Bauer. ↩