Curso Online de Filosofia
Olavo de Carvalho
Aula nº 208
22 de junho de 2013
Boa noite a todos. Sejam bem-vindos.
Vocês estão com uma apostila que passei sobre René Guénon, mas como há muitos pedidos, antes eu vou ler, e comentar minimamente, uma análise que estou fazendo sobre a situação brasileira. Ainda está em elaboração, e só será divulgada nos próximos dias.
Primeiro vou ler a análise que estou fazendo da situação brasileira e comentá-la o mais brevemente possível para que possamos passar ao estudo sobre René Guénon.
Nossos liberais e conservadores lêem Ludwig von Mises e Friedrich von Hayek e, vendo que eles tratam o marxismo como uma pseudo-ciência econômica, concluem alegremente que ele não vale nada, não merece maior atenção. Acontece que o marxismo enquanto ciência e técnica da ação revolucionária não depende em nada da "base econômica" que nominalmente o sustenta. (...)
Ou seja, estou afirmando aqui taxativamente, baseado em experiência histórica, que não há conexão nenhuma entre a estratégia do movimento comunista e a suposta base econômica da teoria marxista.
(...) Essa ciência e essa técnica são de uma exatidão assustadora e não podem ser compreendidas só com a leitura dos "pais fundadores" do movimento ou com a da sua crítica liberal: requer o acompanhamento de toda uma evolução do pensamento estratégico marxista, que começa com Marx e se prolonga até Saul Alinsky e Ernesto Laclau. Este último, invertendo a fórmula clássica das relações entre "infra-estrutura" e "super-estrutura", propõe abertamente a tese de que a propaganda revolucionária cria livremente a classe da qual em seguida se denominará representante. (...)
De acordo com a teoria marxista originária, existe um fator objetivo chamado "interesse de classe". Quando se forma, um partido comunista se apresenta como o porta-voz do interesse da classe proletária, assim como os partidos burgueses são porta-vozes dos "interesses" dos burgueses, mas Ernesto Laclau diz o contrário. Segundo ele, isso não existe, pois, mediante a propaganda, nós agrupamos pessoas e criamos idealmente uma classe da qual, em seguida, nos denominamos representantes.
(...) Maior independência de toda "base econômica" não se poderia conceber. Aqueles que imaginam ter dado cabo do marxismo tão logo refutaram seus princípios econômicos se acreditam muito realistas, porque eles próprios são crentes devotos da "base econômica" do acontecer político, a qual os próprios marxistas já superaram há muito tempo. O marxismo deve ser estudado, em primeiro lugar, como uma "cultura", no sentido antropológico do termo. Remeto os interessados a três artigos em que resumo o que penso a respeito ["A natureza do marxismo", "Marxismo esotérico" e "Diferenças específicas"]1. Em segundo lugar, deve ser estudado como ciência e técnica da ação revolucionária, da intervenção ativa da elite revolucionária na sociedade e na história. Essa ciência é tão veraz, e a técnica que nela se arraiga é tão eficiente, que delas resulta este fato, tão fundamental entre todos e tão solenemente ignorado pelos críticos do marxismo: há pelo menos um século e meio o comunismo é o único --- repito: o único --- movimento político organizado unitariamente em escala mundial e dotado de uma consciência clara da sua continuidade, bem como das suas metamorfoses estratégicas. Todos os seus pretensos adversários e concorrentes são fenômenos locais, inconexos e passageiros, espalhados no tempo e no espaço como grãos de poeira soltos no vento, incapazes não só de fazer face ao rolo compressor do movimento comunista, mas até de enxergá-lo como um todo.
Sem nenhuma presunção de expor aqui o fenômeno no seu conjunto, mas raciocinando antes em função exclusiva dos últimos acontecimentos no Brasil, destaco adiante alguns pontos que, se não forem levados em conta, tornarão inviável qualquer tentativa de compreender os lances mais recentes da história continental e nacional.
O primeiro desses pontos é o seguinte: nenhuma ação comunista tem jamais --- repito: jamais --- um objetivo único e linear. Todas as decisões do comando estratégico comunista são sempre de natureza dialética e experimental. De um lado, jogam sempre com uma multiplicidade de forças em conflito, não interferindo jamais no quadro antes de ter uma visão bem clara das contradições em jogo e dos múltiplos sentidos em que elas podem ser trabalhadas. Sob esse aspecto, o pensamento marxista não mudou muito desde o começo. Apenas aprimorou formidavelmente a sua visão das contradições, integrando no seu retrato mental da sociedade inúmeros tipos de conflitos novos que, ou não existiam no tempo de Marx, ou ele não julgou relevantes; por exemplo, o conflito entre os impulsos sexuais e a ordem social, ou entre pais e filhos. De outro lado, a essa visão dialética cada vez mais sutil e aprimorada o marxismo acrescenta o caráter experimental e não dogmático de todas as suas decisões e ações estratégicas. A articulação de dialética e experimentalismo permite que as ações do movimento comunista se beneficiem, [0:10] por um lado, de uma multiplicidade de direções simultâneas que desnorteiam o adversário, e, por outro, de uma capacidade de agir por avanços e recuos mediante contínuas e não raro velocíssimas mudanças de rumo.
Quem quer que, ao analisar a recente explosão de protestos, concentre sua atenção nas reivindicações nominais --- redução das tarifas de transporte público, "mais educação", "mais saúde" etc. --- para discutir sua justiça e viabilidade já prova, só nisso, sua total incompetência para lidar com o assunto. (...)
Quer dizer, o conteúdo nominal das reivindicações não tem a mais mínima importância. Se não fossem essas, seriam outras. E se não houvesse nenhuma, se inventaria alguma.
(...) Mas quem quer que, furando essa primeira barreira de aparências, procure encontrar por trás delas um objetivo determinado e único que explique o conjunto, se engana talvez ainda mais desastrosamente.
Se os protestos têm um objetivo político determinado, este só é definido, na mente dos seus planejadores estratégicos maiores, em termos muito gerais e vagos. (...)
Quando o Lula disse: "Não sabemos ainda qual o tipo de socialismo que queremos", foi a coisa mais profunda do movimento comunista nos últimos vinte anos. Não saber exatamente para onde vai é essencial no movimento comunista: é essencial manter a definição do objetivo a mais vaga e genérica possível, para não criar uma camisa-de-força e não pôr todos os ovos na mesma cesta.
(...) Gerais e vagos o bastante para admitir, a cada momento, novas e --- para o adversário --- imprevistas mudanças de rumo.
Tomando como ponto de partida o fato de que "o movimento" --- já nomeado propositadamente como substantivo genérico --- teve como seus criadores e mentores o Foro de São Paulo e a elite globalista condensada simbolicamente na pessoa do sr. George Soros, (...)
E não é apenas George Soros, é um monte de gente. Ouve-se dizer George Soros fez isso, George Soros fez aquilo, e às vezes não é nem o George Soros.
(...) o seu objetivo geral já foi declarado muito antes de que o movimento eclodisse e não requer nenhum esforço especial de interpretação. Trata-se, em resumo, de encerrar a fase "de transição" e partir para a "ruptura" ou destruição ativa de um "sistema" já cambaleante e debilitado pela onipresente "ocupação de espaços". (...)
Então esse é o objetivo genérico. Ninguém precisa saber o que é exatamente a ruptura ou o sistema. Quanto mais genérico ficar, melhor.
(...) Os slogans escolhidos para instigar a massa não têm, em si, a mais mínima importância. Podem ser trocados a qualquer momento, conforme o rumo que as coisas vão tomando. A técnica da mutação também não é rígida, mas adapta-se velozmente a uma conjuntura em constante transformação; transformação que o próprio movimento acelera por sua vez. Não se trata, portanto, de alcançar este ou aquele objetivo concreto em particular, mas de operar com um leque de possibilidades em aberto e conservar, na medida do possível, algum controle do conjunto.
Essas possibilidades são exploradas simultaneamente e, conforme uma ou outra se revele mais viável ou mais problemática, será intensificada ou refreada pelo comando do processo. As mais importantes, a meu ver, são as seguintes:
(a) Trocar a própria liderança visível da esquerda, substituindo os agentes da "transição" pelos agentes da "ruptura", decididos a ações mais drásticas. (...)
Claro, se estamos passando da fase da transição para a da ruptura, então é normal que aconteça uma das duas coisas: ou se troca a liderança ou a liderança, que está no poder e que operou a transição, tem de se adaptar velozmente a novos objetivos. Então de certo modo a liderança é testada, como neste momento está acontecendo com a Dilma Rousseff. Se conseguir acompanhar a transformação rápida do movimento, ela continua lá; senão, vai ser jogada no lixo.
(b) Espalhar o caos para justificar medidas de força, aproveitando para, no mesmo ato, testar os "agentes de transição": se conseguirem controlar repressivamente a situação e aumentar o poder do grupo dominante, sobreviverão; caso contrário, serão trocados.
(c) Incitar à ação pública as forças antagônicas (cristãos, patriotas, conservadores etc.), para mapeá-las e averiguar as possibilidades de controlá-las ou extingui-las.
Esses três objetivos são todos simultâneos, eles estão fazendo tudo isso ao mesmo tempo.
(d) Caso a evolução do movimento se mostre majoritariamente favorável aos objetivos dos planejadores, fomentá-lo ainda mais para que a própria ação da militância enragée adquira autonomia e conquiste autoridade por si própria, transmutando-se em nova estrutura de governo.
Note bem que, com os vários movimentos que controla, a esquerda já tem uma nova estrutura de governo extra-oficial, totalmente separada do funcionalismo público, que em algumas regiões já manda mais do que o próprio funcionalismo público. Isso aconteceu exatamente como na URSS, em que havia aquela rede dos sovietes, uma espécie de sindicatos rurais, cuja influência e onipresença era tal que do dia para a noite eles se transformaram na nova administração pública, passando por cima da administração oficial, quando veio o lema "Todo poder aos sovietes". Essa possibilidade, é claro, é a mais extrema de todas.
Eu vou repetir as quatro porque isso é importante. Eles estão fazendo quatro coisas ao mesmo tempo:
(a) Trocar a própria liderança visível da esquerda, substituindo os agentes da "transição" pelos agentes da "ruptura", decididos a ações mais drásticas.
Aí teria, por exemplo, o velho PT encarnado na Dilma, e os novos partidos ditos mais radicais de esquerda seriam então os agentes da ruptura, e não mais da transição. Sempre que se cria uma situação de transição, o governante colocado ali pelo movimento revolucionário está em uma posição ambígüa, pois tem dupla lealdade: por um lado, tem de fomentar as transformações exigidas pelo movimento revolucionário, ao mesmo tempo que precisa desempenhar um cargo público de acordo com as leis existentes, usando as estruturas já existentes. Isso quer dizer que vai ser língua dupla o tempo todo: vai estar sempre falando uma coisa e fazendo outra ou invertendo. E no curso desse processo, essas pessoas normalmente se comprometem, por assim dizer, com os dois lados. Só sobrevivem a isso se forem muitíssimo hábeis, mas em geral isso não acontece.
É por isso que todo processo revolucionário tem pelo menos duas fases: uma inicial, que está ainda comprometida com efetuar transformações dentro do quadro legal existente, como, por exemplo, quando Luís XVI convocou os Estados Gerais, que estavam lá para fazer uma modificação, uma revolução dentro da lei, por assim dizer. Essa primeira fase é logo superada, sucedida pelo terror, que já é a fase de ruptura. Na Rússia foi a mesma coisa. A Revolução de 1905 criou uma democracia progressista etc. e etc., apesar de ter sido uma revolução, foi dentro da lei e idealmente pacífica. E isso durou doze anos. A maioria das pessoas não sabe, mas, em Cuba, quem colocou Fulgêncio Batista no poder foi o Partido Comunista. Ele ficou no poder por muito tempo. E, naturalmente, não só não operou ruptura nenhuma como eternizou a transição, de modo a tirar vantagem pessoal da situação, então acabou sendo jogado fora.
Uma segunda possibilidade que também é explorada simultaneamente é fomentar o caos para depois entrar com medida de força e aumentar o poder do governo existente, que daí concentra a maior quantidade de poder e pode ele próprio operar a ruptura. Quase todo mundo que está interpretando o negócio acredita que esse é o objetivo central, que isso tudo é disfarce de um golpe. Não, o golpe é uma das possibilidades. Mas eles estão explorando todas ao mesmo tempo.
(c) Aproveitar para incitar à ação pública as forças antagônicas (a "direita"), para saber quem é, onde está e qual o poder que tem essa direita, e então aproveitar para fichar todo mundo e obter um controle maior da situação.
E, finalmente, (d) se for possível, fomentar [0:20] o próprio movimento de protesto, para que adquira força autônoma e se transforme em uma nova estrutura de governo, como aconteceu nos sovietes.
Eles estão fazendo essas quatro coisas e apostando nelas simultaneamente, embora sejam, por assim dizer, contraditórias. Se é para o governo dar um golpe de força, então não é naturalmente o movimento popular que assume o poder. Mas essas quatro são úteis ao movimento e, como eles operam sempre experimentalmente, tateando, em vez de botar todos os ovos numa cesta só, eles estão fomentando essas quatro. E essa é a dificuldade que as pessoas têm de entender a coisa, pois, ou não estudaram, ou têm conhecimento muito superficial do marxismo. Os liberais, sem exceção, acham que conhecem o marxismo porque leram o livro do Ludwig von Mises sobre socialismo. Eles viram ali a demonstração da impossibilidade da economia socialista e, da impossibilidade da economia socialista, deduzem a impossibilidade de revolução socialista, o que é uma coisa de jumento.
Se algo é economicamente inviável não quer dizer que seja politicamente inviável. E ser economicamente inviável significa apenas que, uma vez instaurado, o socialismo trará miséria, atraso etc., como aconteceu em toda parte. Mas acontece que miséria e atraso, para um governo comunista, podem até ser bons. As crises econômicas, as dificuldades materiais derrubam um governo em uma democracia porque as pessoas estão acostumadas a desfrutar de certos direitos e ter determinado padrão de vida; quando isso cai, elas ficam revoltadas e derrubam o governo. Mas isso só acontece em um processo democrático. Se o processo democrático já acabou e você instalou uma ditadura, então as relações entre economia e política já não são essas. E a própria miséria pode ser explorada como instrumento de controle até o limite da arma da fome, como Stalin usou na Ucrânia, restringindo o acesso e não permitindo o transporte de comida, ou seja, matando os caras de fome. Cuba vive em uma miséria desgraçada há quarenta anos, e o regime, em vez de enfraquecer, está cada vez mais forte. Se o povo não tem nem o que comer, como é que vai ter meios de reagir a uma situação tirânica?
Houve revoluções na Rússia e na França porque, pelo menos cinqüenta anos antes da revolução, o crescimento econômico desses dois países era formidável, eram as economias que mais cresciam na Europa --- a França, no século XVII, e a Rússia, nos últimos cinqüenta anos do século XIX. É preciso ter um excedente de riqueza para poder criar uma revolução, para se ter meios de destacar pessoas, tirá-las da produção e alimentá-las como militantes profissionais. Isso custa muito dinheiro. E se simplesmente não há dinheiro, se todo mundo, exceto o governo, está na miséria, a sociedade entra em um imobilismo que pode durar eternamente. Se não fossem as pressões externas, o regime soviético jamais cairia, teria ficado lá eternamente. Mas acontece que há concorrentes externos, e o regime não era capaz de produzir na velocidade necessária para concorrer com esses adversários.
Esta última possibilidade, que é a mais "revolucionária" de todas [esta última, que é a de um movimento mesmo, se transforma na nova estrutura do Estado], parece já ter sido excluída, na medida em que as forças antagônicas, malgrado sua total desorganização e ausência de comando, se mesclaram ao movimento, ocuparam as praças públicas e acabaram, em certos casos, por acuar e sobrepujar a militância esquerdista.
A esquerda começa a bagunça e em seguida vê que não tem o controle da praça pública, porque aparece um monte de loucos de tudo quanto é lado protestando contra as coisas mais disparatadas, em geral de maneira hostil à esquerda, francamente hostil. Os caras gritando: "PSTU, vai tomar no **" era algo com que ninguém contava, e aconteceu. Se não temos sequer o controle da praça pública, significa que o movimento não tem autonomia suficiente, e não é ainda uma força revolucionária capaz de "tomar o poder".
O próprio comando da esquerda militante ordenou que as manifestações cessassem, o que imediatamente deixa o campo livre para as massas antagônicas (...)
Quer dizer que, se houver protesto daqui para adiante, vai partir da "direita".
(...) e favorece, ipso facto, a adoção da via repressiva para estrangular a ameaça de um "golpe teocrático e fascista". (...)
A maior possibilidade nas próximas semanas é de que o endurecimento do regime venha a acontecer, com novas legislações que visem controlar em princípio as massas em geral, mas controlar somente as massas de patriotas, cristãos etc. e etc. --- controlar ou estrangular completamente. Parece que, das quatro possibilidades, foi essa a única que se mostrou viável, na verdade, por enquanto, mas, como diria o Vicentinho, a luta continua. Isso quer dizer que os próximos objetivos, ou seja, a troca de lideranças e a aceleração do processo revolucionário, ainda estão na pauta. Não que sejam urgência imediata, o problema maior é que nós atiçamos as cobras para que saíssem das tocas; elas saíram e são em número muito maior do que imaginávamos, então agora precisamos dar um jeito de controlá-las. Essa é a urgência maior, e isso, portanto, favorece o endurecimento do regime, o qual não precisa tomar necessariamente a aparência pelo menos de um golpe, pode ser um golpe legislativo, algo assim.
(...) Se esse estrangulamento tomará a forma de uma repressão policial violenta ou de um simples incremento do aparato de investigação e controle social, é cedo para dizer.
O detalhe mais importante, aí, é que as forças antagônicas se constituem exclusivamente de massas amorfas e desorganizadas, sem o mais mínimo comando estratégico e até sem aquelas figuras de heróis improvisados que um erro terminológico denomina "líderes", quando o certo seria chamá-los apenas de "símbolos aglutinadores". (...)
O sujeito que aparece de repente da massa e vira um símbolo, às vezes um mártir --- como o caso do Edson Luís, um estudante que foi morto pela polícia no tempo do regime militar ---, torna-se o símbolo do movimento. Mas o símbolo aglutinador, seja morto, seja vivo, não é um líder. Isso é importantíssimo. Liderança é comando estratégico e controle, e não a personificação de um vago espírito das massas. Por exemplo, o próprio Lula, que se tornou tardiamente um líder quando começou a controlar o Foro de São Paulo --- mesmo assim de maneira precária. Ele sempre foi um símbolo aglutinador. Quando, pelo Facebook, eu dizia que não há liderança, os caras diziam: "Venha para cá, e você vira o líder". Eu seria um símbolo aglutinador, e seria jogado fora e expelido com a maior facilidade. Para ser um símbolo aglutinador, o sujeito precisa ter vocação teatral, que consista em ser um nada, mas que pareça alguma coisa. Não foi este o destino que a minha mamãe sonhou para mim, eu queria ser alguma coisa, ainda que parecendo um nada --- eu prefiro isso. É aquela máxima do Ronald Reagan: "Você pode conseguir tudo o que quiser, contanto que não faça questão de levar o mérito". É por isso que eu não ligo quando os caras repetem as minhas idéias com quinze anos de atraso e não citam meu nome. As idéias estão aí, eu botei em circulação, e a coisa está funcionando. Decorridos quinze, vinte anos, não me interessa reconhecer o mérito, não faz o menor sentido.
Quando eu falo em liderança, quero dizer comando estratégico. E quando o pessoal, no Brasil, fala em liderança, querem dizer símbolo aglutinador. O que é um sinal de que todo esse pessoal envolvido nesses movimentos não tem a menor idéia do que é uma liderança. Não que não tenham uma liderança, eles não sabem o que é. Agora, a massa por si, o número tem um poder evidentemente, mas é um poder cego, que não sabe para onde vai, pode fazer burrada ou até cair em uma armadilha, como parece que está sendo montada.
(...) Essa massa é numericamente superior, seja à militância organizada do Foro de São Paulo, seja às tropas de arruaceiros subsidiadas pelo sr. George Soros [e outros similares]. Sua presença nas ruas, bem como a vaia multitudinária que despejou sobre a presidenta Dilma Rousseff, são, no sentido mais estrito do termo, explosões espontâneas e anárquicas no [0:30] mais alto grau, contrastando, nisso, com a ação bem planejada dos militantes do outro lado, que ocupam o espaço público armadas de instruções precisas, de slogans bem ensaiados (em Brasília, viu-se até o texto de uma convocatória inteira recitado em côro pela multidão). (...)
Veja o nível de organização. Além disso, eu recebi a cópia de um folheto, que era distribuído aos militantes, sobre como enfrentar a polícia, como se livrar do gás lacrimogêneo. É uma instrução inteira, coisa de profissional. E, lá em Brasília, você vê a multidão. Milhares de pessoas repetindo: "Dia tal, às tantas horas, em tal lugar, vamos fazer isto e aquilo". Como é que você vai pensar que isso é uma manifestação espontânea? Não, isso é um negócio altamente planejado e trabalhado --- da parte da militância esquerdista que começou as mobilizações. Daí quando os patriotas revoltados, cristãos etc. começaram a ir para as ruas, começaram a dizer qualquer coisa.
(...) Desse modo, o que se viu nas ruas não foi uma competição entre forças de um mesmo gênero --- duas militâncias, duas ideologias, duas forças políticas ---, mas entre dois tipos de multidão radicalmente heterogêneos: a massa e a militância, a revolta confusa e a ação premeditada. (...)
E viu-se que a massa confusa era tão superior numericamente que o negócio ia escapar ao controle dos planejadores iniciais. Então, das quatro alternativas, a possibilidade de um endurecimento e de um fortalecimento do governo existente se torna a mais racional e a mais viável, portanto a mais previsível.
(...) Quem não levar em conta esses fatores não entenderá absolutamente nada do que está acontecendo e estará privado até da mera possibilidade teórica de uma ação conseqüente.
***
O que acabo de dizer pode levar o leitor [ou ouvinte] surpreso a concluir que, no meu entender, ou mesmo na realidade das coisas, os mentores do movimento comunista são gênios fora do comum, capazes de pensar em todas as alternativas ao mesmo tempo e de manejar todas as peças do tabuleiro.
Decerto não é bem assim. Comparado com a vastidão do seu alcance, o movimento comunista teve um número relativamente pequeno de gênios estratégicos, a começar por Lênin e Stálin, e um número um pouco maior, mas nada notável, de talentos estratégicos secundários, como Saul Alinsky, Ernesto Laclau ou a dupla Cloward & Piven. Mas algumas regras explícitas e tácitas que esses e outros seguiram acabaram por se incorporar à "cultura" comunista, isto é, a um conjunto de hábitos, reflexos de pensamento compartilhados por toda a militância, que os assimila sem grande exame crítico, às vezes até num nível semiconsciente e pré-verbal. Isso quer dizer que essas regras transparecerão nebulosamente na conduta de líderes e militantes como as regras da gramática transparecem, deformadas, mas não abolidas, na fala de quem nunca estudou gramática. (...)
A fala do analfabeto é gramaticalmente analisável, e reflete o que é a estrutura do idioma, portanto as regras da gramática que o sujeito desconhece. Mesmo desconhecendo as regras, por imitação ele sabe aplicá-las, e elas ficam evidentes no discurso. Nesse negócio comunista é a mesma coisa. Quer dizer que um conjunto de hábitos de pensamento já incorporados, que passam sem educação formal e sem leitura, mas na simples convivência, fará as contribuições dos grandes estrategistas aparecerem na fala dos seus militantes e continuadores mais incapazes e imbecis.
(...) Não é preciso dizer que, na passagem dos princípios estratégicos explícitos e criticamente elaborados às regras semiconscientes automatizadas, o que era tirocínio estratégico se rebaixa ao estatuto de cacoetes mentais e de uma espécie de estupidez astuta; a complexidade do raciocínio dialético aparece agora como pensamento dúplice e escorregadio, uma espécie de incompreensão maliciosa que tudo deforma, mas deforma num sentido coerente com os propósitos gerais do movimento comunista e benéfico aos interesses do Partido. (...)
Quando os caras cometem erros de análise ou de descrição da situação, até esses erros são benéficos à estratégia geral porque refletem a estratégia geral do mesmo modo que a fala do analfabeto reflete a estrutura da língua ou as regras da gramática.
(...) Quem estudou o livro do psiquiatra polonês Andrew Lobaczewski, Political Ponerology, reconhecerá aí a queda de nível desde uma liderança original psicopática a uma classe de epígonos histéricos. (...)
Esta é a tese do Lobaczewski: os criadores desse movimento são psicopatas, isto é, pessoas extraordinariamente inteligentes e realistas, mas desprovidas de sentimentos morais. Sentimentos morais que, no entanto, eles conhecem e são capazes de manipular. O teste mostra que, por exemplo, vendo certas cenas comoventes, uma pessoa normal reage ativando as áreas emocionais do cérebro, ao passo que, quando o psicopata vê essas mesmas situações, as áreas ativadas são as lingüísticas. Então ele não sente as emoções, apenas conhece os seus símbolos e consegue manejá-los. O sujeito não participa da emoção, tem apenas um conhecimento frio e, por assim dizer, científico da emoção. Então esses são psicopatas. Mas dois psicopatas em ação são suficientes para criar uma multidão de epígonos histéricos.
E o que é o histérico? O histérico é popularmente conhecido como a pessoa que tem chilique, que grita, mas isso não tem nada a ver com histeria, é uma caricatura de histeria. A histeria significa quase um comportamento auto-hipnótico, em que o sujeito não acredita no que vê e no que sabe, mas sim no que imagina e, sobretudo, no que fala. É uma espécie de persuasão retroativa: o indivíduo disse certas coisas, e, porque disse, começa a acreditar naquilo. É um mundo de fingimento, de teatro, só que esse teatro não é premeditado ou controlado.
O psicopata controla toda a situação, ele sabe exatamente o que está fazendo, quando está mentindo ou dizendo a verdade. O histérico já não sabe, porque esse teatro se incorporou à sua personalidade, na verdade, corroeu a personalidade, já não há mais personalidade alguma, somente o teatro. E esse teatro é um meio de ação criado pelo psicopata, meio de ação que depois se propaga e continua agindo por automatismo. E é por isso que a visão deformada que o histérico tem da realidade continua funcionando como se fosse realista, mesmo porque ele está lidando com uma multidão de histéricos como ele. Então, quando ele deforma a coisa, faz isso num sentido que é útil, por assim dizer, não por premeditação, mas por um reflexo incoercível: ele não consegue controlar, não consegue ser outra coisa porque, na verdade, ele não é mais nada.
(...) A psicopatia é compatível com elevado grau de inteligência e aguda consciência da situação real. (...)
As análises que Lenin faz da situação, da conjuntura do dia-a-dia, é de um realismo absolutamente implacável.
(...) O epigonato histérico copia a conduta psicopática sem compreendê-la muito bem e, por isso, não diferencia claramente o diagnóstico objetivo da situação e o discurso de auto-identidade partidária. (...)
Ou seja, em termos das funções da linguagem tal como descritos por Karl Bühler, o sujeito confunde a função nominativa --- falar sobre ou descrever a realidade ---, com a função apelativa --- agir na consciência do ouvinte ou sobre si próprio. O psicopata distingue ambas perfeitamente, ele sabe quando está dizendo uma coisa que é objetivamente verdade e quando está dizendo algo apenas para influenciar alguém. Ao contrário do histérico, que mistura essas duas coisas, mas apesar disso a coisa continua funcionando.
(...) Dito de outro modo: não percebe muito bem quando está descrevendo uma situação objetiva e quando a está deformando para reforçar o sentimento de unidade da militância, fomentar o ódio ao inimigo ou persuadir a militância a seguir determinada linha de ação. O psicopata, quando mente, sabe que mente. No histérico, a mentira conveniente já se interiorizou ao ponto de não poder ser discernida como tal. O resultado é que uma visão totalmente falsa da situação pode, paradoxalmente, produzir uma ação relativamente eficiente, na medida em que reflete ainda, de longe e obscuramente, a visão estratégica originária. É como [0:40] se disséssemos que o epígono ou militante histérico é louco, mas não rasga dinheiro: tem uma visão deformada da realidade, mas deformada num sentido que, por força dos automatismos acumulados na cultura comunista e da sua raiz longínqua numa visão estratégica consciente, ainda favorece a ação partidária.
Um exemplo claríssimo desse fenômeno é o recente pronunciamento do sr. Valter Pomar [um sujeito do Foro de São Paulo], reproduzido abaixo como Apêndice 2.
Ele começa assim [só vou dar um exemplo entre muitos]: "Quem militou ou estudou os acontecimentos anteriores ao golpe de 1964 sabe muito bem que a direita é capaz de combinar todas as formas de luta."
Historicamente isso é falso. A direita brasileira nunca teve, por exemplo, um partido de massas ou uma militância adestrada e organizada. Muito menos teve uma rede mundial de partidos aliados, uma "internacional". Nem teve uma rede organizada de editoras de livros, como o Partido Comunista sempre teve. E, durante todo o tempo de ocupação esquerdista do governo, nunca teve à sua disposição centenas de jornais "nanicos", como a esquerda teve durante o regime militar. (...)
A esquerda dominava a grande mídia e tinha ainda a imprensa de oposição. Isso nunca aconteceu com a direita.
(...) Muito menos uma militância estudantil significativa. Muitas são as "formas de luta" que lhe faltaram e faltam.
Pomar não parece ter a mínima consciência disso. No entanto, tomar a falsidade como um fato ajuda a fortalecer a unidade da militância esquerdista pelo temor a um inimigo comum evocado de um passado quase mítico. (...)
Ou seja, como descrição da realidade não funciona, mas, na clave apelativa do discurso, ou seja, de agir sobre a mente da militância, é eficaz do mesmo jeito. Isso que eu chamo de estupidez astuta.
(...) Pomar não está mentindo intencionalmente. Está mesclando e confundindo os dois níveis de discurso --- a descrição da realidade e o apelo à unidade do grupo ouvinte ---, como é próprio dos epígonos histéricos e da "estupidez astuta" a que me referi, quase que uma "deficiência eficiente", expressão paradoxal que corresponde à natureza paradoxal do fenômeno mesmo.
Muitas vezes, ouvindo o discurso das pessoas, o liberal, o conservador amador que não tem estudos sérios a respeito, percebe a inferioridade intelectual dessas pessoas e acha, portanto, que a luta está ganha, e então se sente infinitamente superior. Mas não está contando com o fato da estupidez astuta, que esse tipo de deformação da realidade está impregnado em um movimento e que funciona. Quando não funciona como diagnóstico objetivo para embasar uma ação, funciona como apelo à unidade da militância e estímulo emocional. Então acaba funcionando do mesmo jeito. Por isso que eu chamo "estupidez astuta", não é uma estupidez simples. O sujeito realmente estúpido comete erros e puxa o próprio tapete, serra o galho em que está sentado. E a esquerda, por mais que Reinaldo Azevedo ou Rodrigo Constantino, os jornalistas liberais, formadores de opinião liberais, façam sarcasmo a respeito, por mais que gozem da burrice esquerdista, às vezes a burrice é do próprio analista liberal que não entende que é uma burrice eficiente, que é uma deficiência eficiente. Por isso que, quanto mais derrotas sofre no campo intelectual, mais vitórias a esquerda tem no campo político. Então a superioridade intelectual, no caso, existe evidentemente, a superioridade intelectual da direita e dos conservadores existe, mas não se transforma por si em uma arma política eficiente. Qualquer coisa, para ser uma arma política eficiente, precisa se impregnar no espírito de uma militância e depois no espírito das massas seguidoras, até criar uma série de reflexos que permitam provocar reações quase que automáticas.
Eu vou ler mais um trecho do Valter Pomar:
"(...) o discurso dominante na esquerda brasileira era, até ontem, de dois tipos.
Por um lado, no petismo e aliados, o contentamento com nossas realizações passadas e presentes, acompanhadas do reconhecimento mais ou menos ritual de que 'precisamos mais' e de que 'precisamos mudar práticas'.
Por outro lado, na esquerda oposicionista (PSOL, PSTU e outros), a crítica aos limites do petismo, acompanhada da crença de que, através da luta política e social, seria possível derrotar o PT e, no lugar, colocar uma 'esquerda mais de esquerda'".
Falamos do objetivo de trocar a liderança. Dos quatro objetivos, o possível era trocar a liderança, mas não trocar necessariamente porque, se a liderança antiga, a liderança de transição, se adaptar às novas finalidades do movimento com a devida rapidez ou se mostrar capaz de controlar a situação, vai continuar lá.
"As manifestações populares ocorridas nos últimos dias, especialmente as de ontem e de 20 de junho [de 2013], atropelaram estas e outras interpretações.
Primeiro, reafirmaram que os movimentos sociais existem, mas que podem ser espontâneos. E que alguns autoproclamados 'movimentos sociais', assim como muitos partidos 'populares', não conseguem reunir, nem tampouco dirigir, uma mínima fração das centenas de milhares de pessoas dispostas a sair às ruas para manifestar-se."
Ou seja, a turma da esquerda estava controlando uma fração mínima, a maioria estava ali ou por objetivos anárquicos ou frontalmente contra a esquerda. Não só contra o PT, mas contra toda a esquerda. Daí prossegue ele:
"Em seguida, mostraram que a direita sabe disputar as ruas, como parte de uma estratégia que hoje ainda pretende nos derrotar nas urnas." (...)
Mas então são movimentos espontâneos ou é uma estratégia? Ele não percebe a diferença, não percebe que está se contradizendo, absolutamente. Mas as duas coisas servem. Por quê? Se são movimentos puramente espontâneos, então são anárquicos, mais adiante ele diz que não são sequer de direita, então isso dá ao ouvinte esquerdista um senso de superioridade, o reforça: "Somos um movimento consciente, queremos mudar o Brasil, e esses caras são apenas um bando de loucos, bêbados que estão aí na rua". E quando você diz que é uma estratégia, apela para o senso de paranóia e perseguição: "É a direita vindo com uma estratégia para nos derrotar". As duas coisas funcionam. É isso o que quero dizer com estupidez astuta.
Para que uma estupidez se transforme em astúcia, é preciso que esteja impregnada de uma linguagem coletiva já de entendimento imediato pela platéia, de maneira que os dois sentimentos --- o de superioridade da militância organizada ante a massa anárquica e o de união paranóica para se defender contra um inimigo estratégico perigoso --- funcionem sempre. Então é claro que, intelectualmente falando, esse sr. Pomar é absolutamente desprezível, o sujeito mete sorvete na testa. Porém, como porta-voz do discurso de incitação à militância, a coisa funciona maravilhosamente, ele se torna um dos controladores do processo.
É muito fácil "ser contra o comunismo" ou conhecer meia dúzia de críticas ao comunismo. Acontece que o comunismo tem 150 anos de existência oficial. A Internacional Comunista foi fundada em 1844, tem mais de um século e meio de existência oficial contínua, em que cada geração examina o desempenho da anterior, corrige o percurso, modifica, cria novas estratégias, novas táticas e vai aumentando o patrimônio. Se for pensar na bibliografia marxista, é um negócio monstruoso. Como você pode olhar tudo isso e, tendo lido o livro do Ludwig von Mises contra a economia socialista, se achar superior? Só se for realmente idiota, pior que o Valter Pomar. Isso quer dizer que a simples gozação, a simples afetação de desprezo, não resolve absolutamente nada. Ou você compreende efetivamente o que os caras estão fazendo ou é melhor ficar em casa e não se meter na briga. Agora, para compreender o que eles estão falando, é uma vida de estudos, algo que, na "direita" conservadora, quase ninguém tem.
Por exemplo, a imensa bibliografia que a esquerda produziu sobre o golpe e o regime de 64. São milhares de livros. Enquanto que a bibliografia produzida pela direita, pelos conservadores e liberais, sobre a história da esquerda no Brasil é quase nula. Há o livro do Heitor de Paola, Conspiração de Portas Abertas, e duas ou três coisinhas. Portanto, na competição de ignorância, a direita está ganhando evidentemente, e ganhando de longe, [0:50] ainda que tenha no seu meio inteligências mais brilhantes do que os comunistas. Está todo mundo indo contra a regra número um do Sun Tzu, "conheça o seu inimigo", achando que não precisa conhecer, às vezes até proclamando que o comunismo não existe mais, que já morreu, e chamando de teórico da conspiração quem está tentando acompanhar os acontecimentos.
Isso quer dizer que a burrice da esquerda não é bem burrice, é estupidez astuta: são formas automatizadas de pensamento com apelo imediato. Quando não funcionam na clave da descrição da realidade, funcionam na clave do apelo. Sempre funciona. Nada se perde, tudo é reciclado e funciona para o bem do conjunto, até as descrições erradas da realidade. Mesmo a deformação caricatural que eles fazem da realidade os ajuda. Por exemplo, o Paulo Henrique Amorim inventou a expressão "o PIG" --- Partido da Imprensa Golpista. Imprensa golpista então é a Folha, O Globo, o Estadão etc., que são amplamente dominados por gente de esquerda, que sempre tratou o Lula, o PT e até esses outros partidos mais radicais de maneira extremamente paternal ou maternal. Se não fosse a grande mídia, essas organizações jamais chegariam à existência.
Em segundo lugar, se você ler todos os exemplares da Folha, do Globo e do Estadão dos últimos vinte anos, não vai encontrar a mínima incitação a golpe, ao contrário, vai ver uma participação ativa dessa grande mídia na campanha anti-militar e na criminalização dos militares. Então o que você quer dizer com imprensa golpista? É evidentemente uma hipérbole pejorativa. Isso não existe, você está falando de um fenômeno que não existe. Mas, se você conseguir fazer a militância acreditar que existe, eles vão ficar com um tremendo ódio da própria grande mídia que os protege, o que favorecerá evidentemente a radicalização do processo revolucionário. A grande mídia faz parte da transição. A ascensão do Fernando Henrique Cardoso já foi o começo da transição. A mídia está mais ou menos identificada com a época de amizade entre o PSDB e o PT. E, na linguagem da esquerda, isso passou a ser a direita, que é a sua própria direita colocada no poder para operar a transição. Exatamente como na Revolução Russa, o primeiro governo democrático era evidentemente de esquerda, Kerensky e todos os outros eram de esquerda. Porém, tão logo tomam o poder, passam a ser a direita para a esquerda mais radical.
Então essa assimilação das duas correntes é um hábito profundamente arraigado da mentalidade comunista. Não se faz revolução contra um inimigo, e sim contra um ex-amigo. Todas são assim. O Terror Revolucionário, quando surgiu, não era contra o antigo regime, era contra os moderados da Assembléia. Isso é a mesma coisa por toda parte. A Revolução Cubana não foi contra o inimigo, e sim contra uma criatura mais velha do Partido Comunista. É sempre assim. Por isso que os nossos liberais e conservadores são loucos quando apostam na divisão da esquerda acreditando que a divisão vai enfraquecê-la, quando é a divisão que a fortalece. Dividir-se e lutar contra si mesmo monopoliza todo o campo dos debates e dos conflitos e controla mais ou menos o conjunto. E isso é um hábito já tão arraigado que mesmo um puro militante histérico e cego como o Valter Pomar consegue mais ou menos controlar o processo porque está trabalhando não em cima de uma burrice pessoal, mas de toda uma tradição de 150 anos já impregnada na mente dele.
Espero que isso ajude a compreender mais ou menos o que está acontecendo. E eu digo tudo isso sem a mínima ilusão de influenciar o curso dos acontecimentos. Eu vou ler a mensagem de uma menina aqui no Facebook. Ela me perguntou o que é para fazer. Eu digo que não tenho fórmula pronta, mas a experiência histórica mostra que a formação dos grandes movimentos políticos passa por uma seqüência mais ou menos fixa e imutável, é uma fórmula que não existe outra. Começa com a livre iniciativa dos intelectuais: um sujeito diz uma coisa, outro diz outra, começa a botar umas idéias em circulação --- que é exatamente o que estou fazendo aqui. Numa segunda etapa, os intelectuais se organizam em um debate formal. Vou dar um exemplo tirado da história da esquerda nacional:
Quando houve o Golpe de 64, imediatamente alguns intelectuais reagiram ao novo regime, especialmente Carlos Heitor Cony, Otto Maria Carpeaux, Antonio Callado --- iniciativas individuais de intelectuais que nem sequer tinham participação em qualquer movimento ou partido político. Numa segunda etapa, funda-se um negócio chamado Revista Civilização Brasileira, cuja intenção era formalizar o debate da esquerda para que as idéias não se perdessem. Aos poucos iam sendo somadas a contribuição de um, de outro, de outro, até termos uma visão completa da coisa.
Então, primeira etapa: iniciativa individual isolada. Segunda etapa: o debate formal, em que as várias contribuições vão aos poucos se integrando em uma visão global. Terceira etapa: coleta de recursos financeiros para fazer a passagem do mero debate à ação, sendo que o mero debate organizado já custa algum dinheiro. Quarta etapa: a formação de um Estado-Maior para estudar a coisa já não de um ponto de vista analítico e da compreensão, mas do ponto de vista das estratégias possíveis --- o Foro de São Paulo é isso. No Exército, há o comando e o Estado-Maior, o Estado-Maior não toma decisões, apenas faz análises estratégicas e propõe estratégias possíveis, que o comando depois vai acionar. O Foro de São Paulo não é bem um comando, é um Estado-Maior. Depois disso começa a formação da militância. Nessa etapa, o custo já é monstruoso, porque não pode formar militantes se não há profissionais. Não é possível formar uma militância nas horas livres e nos fins de semana, é preciso ter muitos profissionais treinados para formá-los militantes. Ou seja, são pessoas que vão ser, para usar o termo comunista, desligadas da produção e colocadas no trabalho partidário profissional. A partir daí é que há condição de, com base nas análises feitas pelo Estado-Maior, o comando tomar decisões quanto a esta ou àquela ação. E, depois de tudo isso, é necessário ter uma continuidade de comando e uma continuidade de ação do Estado-Maior para controlar os resultados atingidos e corrigir os rumos etc.
Tudo isso pode levar trinta anos. Quando se parte de um movimento preexistente, como no caso da esquerda brasileira, pode levar dez, ou até cinco ou seis anos. Mas partindo do zero, quando não há nenhum movimento preexistente, certamente leva de vinte a trinta anos. No caso de aceleração máxima, [1:00] vamos supor que já tivéssemos passado da iniciativa intelectual individual... Estamos nesta fase de iniciativa intelectual individual, a começar pela minha mesmo: ela não tem finalidade estratégica, não propõe ação nenhuma, está simplesmente tentando compreender o que está acontecendo para que não sejamos afogados ou atropelados pelos acontecimentos, e fiquemos como cegos em tiroteio. Supondo que já tivéssemos passado dessa fase (a fase do debate organizado), então já teríamos coletivamente um círculo de umas mil pessoas, mil intelectuais de gabarito, uma compreensão integrada do conjunto. Então se pode começar a passar a fase do Estado-Maior, ou seja, não vamos apenas analisar a situação, e sim pensar e analisar estratégias.
A passagem do debate intelectual para o Estado-Maior custa uma montanha de dinheiro, porque é preciso muitos profissionais, que vão se dedicar a isso em tempo integral. E, quando chegar a fase da formação de militância, precisa de mais dinheiro ainda. Então, entre o debate organizado e o Estado-Maior, há a fase da coleta e a ampliação de meios financeiros. Eu pulei uma coisa: não existe apenas conquista de meios financeiros, é preciso conquistar e ampliar meios de ação. E isso é feito pela ocupação de espaços. São ocupados sindicatos, escolas, pessoas se alistam nas Forças Armadas, se infiltram em tudo quanto é lugar. Para fazer absolutamente nada. A intenção é ocupar espaço. E quando o Estado-Maior tiver discutido tudo e o comando tiver tomado a decisão, essas pessoas são acionadas. O período que pode passar aí é de dez, quinze anos. Por exemplo, aqui na Virgínia, é evidente a ocupação islâmica de espaço, nas faculdades só tem muçulmanos. E o que eles estão fazendo? Nada, apenas ocupando espaço, esperando um comando, que pode vir amanhã, depois, no ano que vem, daqui a vinte anos. A conquista dos meios financeiros é também a conquista dos meios de ação, não para agir, simplesmente para ter o controle deles.
De tudo isso, a "direita" brasileira fez absolutamente nada. O que aconteceu é que há massas indo espontaneamente às ruas porque não aguentam mais, estão fartas dos mensaleiros, ladrões, narcotraficantes, até mesmo do movimento gayzista e desse negócio de dar terras para os índios, para o MST. Ninguém aguenta mais nada disso. Vendo que fatalmente isso vai acabar com o país, as pessoas saem para as ruas para protestar, mas o problema não é que elas não têm liderança: não têm liderança, não têm comando, não têm Estado-Maior, não têm organização, não têm nada. Então, há um lado que tem tudo isso: já fizeram o debate, organizaram o debate intelectual, conquistaram os meios financeiros e de ação, ocuparam escolas, sindicatos, igrejas etc., estão por toda parte, já criaram o Estado-Maior, que é o Foro de São Paulo, e já passaram à fase da ação. Mas eles têm pouca gente, não têm massa, a massa está toda do outro lado. E do outro lado, só tem a massa. Então é uma cabeça sem corpo lutando com um corpo sem cabeça: essa é a situação real.
O Valter Pomar percebe vagamente isso, mas como tem de expressar isso nos termos daqueles slogans e cacoetes mentais, dos chavões tradicionais, então ele vai falar do PIG --- "é a mídia de direita" ---, vai chegar ao ponto de dizer que é a direita que controla a estrutura política do Brasil. É a direita da esquerda, aquela mistura de PSDB com PMDB. Sim, estes de fato controlam, mas não são direita. Então a direita que saiu às ruas não é a direita do PIG, não é O Globo, não é o Estadão, porque a grande mídia está toda contra isso. Então é o que eles vão chamar a extrema, a ultra-direita: "a ultra-direita tomou as ruas". Ser ultra-direita significa ser contra o aborto. Quer dizer que a noção de ultra-direita já foi ampliada para abranger pessoas como eu e o Pe. Paulo Ricardo. E, na verdade, uma ultra-direita só poderia existir se existisse uma direita organizada, daí uma parte dela se torna radical e quer ações drásticas e violentas. Mas se não existe sequer a direita como movimento político organizado, não existe ultra-direita. Podem existir radicais malucos individuais, um skinhead aqui, outro ali, é o máximo que pode acontecer. Não há uma direita contra a qual se possa lutar.
A direita no Brasil é um estado de espírito disseminado na massa amorfa, contra a qual não é possível lutar, então é preciso controlá-la de algum modo --- isso é o máximo que se pode fazer. Quer dizer, é uma situação paradoxal como nunca se viu no mundo, e que resulta, em parte, da continuidade e unidade da história da esquerda, e, por outro lado, da total fragmentação da direita. Mas como esse pessoal da esquerda confunde a direita com a sua direita, isto é, com o PSDB e PMDB, acredita que a direita controla a situação. E eles podem chegar ao absurdo de ver em mim um porta-voz do PIG. Eu, que fui expulso de toda a grande mídia nacional, sou representante do PIG. Eles podem chegar a este nível de alucinação, mas é alucinação que funciona, pois fortalece o senso de unidade de uma militância que se sente acossada e ameaçada. Então é mais ou menos essa a situação. Não creio que seja possível entender isso nos termos da análise política usual e, sobretudo, sem recorrer ao Dr. Andrew Lobaczewski. Não que ele dê todos os conceitos necessários, mas alguns pelo menos ele tem.
Vamos fazer um intervalo, depois responderemos rapidamente a algumas perguntas, e deixamos o texto do René Guénon que, inclusive, para a compreensão disto daqui é importante.
[intervalo]
Aluno: Na última aula, o senhor se referiu às expectativas espirituais do mundo pré-cristão, e isso me inculcou um sentimento muito deprimente, como se a vida antiga fosse um inferno na terra. (...)
Olavo: Até certo ponto, era. Se você ler o Satírico de Petrônio ou A Vida dos Doze Césares de Suetônio, vai ver o que era realmente um inferno. A parada gay de São Paulo vai parecer a Congregação das Filhas de Maria.
Aluno: (...) Me chama a atenção que há certo empecilho quando se estuda todo objeto que perturba os sentimentos. Por exemplo, ao estudar o Brasil histórico sociologicamente, você fica irritado, e todo mundo sabe que a irritação atrapalha o juízo. Assim, estudar o mundo antigo é se deprimir, e a depressão também compromete o juízo. Eu digo o mesmo de outros objetos. Por exemplo, ao ler Aristóteles, eu sinto certo exagero de conteúdo que espanta e agita a imaginação.
Olavo: A solução é sempre aquela que já está dada na mitologia grega, na história de Perseu: não é para olhar a Medusa diretamente, mas através de um espelho que lhe é dado pela sabedoria. Se o objeto o perturba, não o olhe diretamente, mas sim através da visão de intérpretes abalizados que estejam mais próximos da sua sensibilidade. Por exemplo, duvido muito que, ao ler o que Eric Voegelin fala do mundo antigo, você vai se sentir tão deprimente quanto se sentiria se fosse mexer diretamente com o material do mundo antigo. Esses materiais exigem aproximação lenta, devem ser abordados lentamente, passo a passo, até você acostumar o foco e não se sentir perturbado ou transformado negativamente por eles. Ao lidar com um material de fonte primária, do qual não há interpretações que elevem o nível da coisa -- isso aconteceu quando eu estava estudando o fenômeno das seitas --, aí o problema não tem remédio, porque você está acessando conteúdo deprimente mesmo, e não tem ninguém para guiar seus passos e atenuar. Não há nenhum Virgílio o conduzindo pelo inferno e explicando as coisas, você está vendo o inferno diretamente. Não recomendo fazer isso, aconselho olhar sempre através de uma inteligência superior, mais próxima à sua sensibilidade, que, em vez de o assustar, vai, ao contrário, o tranquilizar e acalmar.
É muito bom que você faça essa observação. Hoje em dia, as pessoas não têm essa precaução, acham que podem meter o nariz em qualquer assunto e que vão entender tudo imediatamente, mas acabam sendo profundamente transformadas em sentido negativo no curso desse estudo ou dessa observação. Você mostrou que tem sensibilidade, está percebendo que há algo mais forte do que você, e que não está aguentando, por isso precisa de ajuda. A solução é ir através dos intérpretes qualificados mais próximos de você no tempo e também na sensibilidade. Com relação ao mundo antigo, a obra Order and History, do Eric Voegelin, com toda a certeza é o grande guia, e você pode se aproveitar das indicações bibliográficas que Voegelin dá ali também.
Aluno: O que de fato ocorre no Brasil? Corrija-nos se estivermos errados: o Foro de São Paulo estaria sendo atacado pelos globalistas. Alimentaram o bicho, que ficou grande demais, e agora é necessário abatê-lo.(...)
Olavo: Não. Isso não está acontecendo de jeito nenhum. Se quisessem fazer algo contra o Foro de São Paulo, era só parar de dar dinheiro. Se não pararam, então não querem eliminá-lo. As análises que o Fernando Henrique faz ali me parecem totalmente irrelevantes.
Aluno: (...) Diz que estaria ocorrendo uma guerra direta entre dois blocos pelo poder no continente.
Olavo: Não tem guerra nenhuma. O pessoal globalista e a turma do Foro de São Paulo estão agindo exatamente no mesmo sentido. A idéia da ruptura já estava sendo discutida dentro do Foro de São Paulo havia muito tempo, pelo menos três ou quatro anos, e de repente você vê uma organização internacional, financiada pelo George Soros, acionar o começo dessa ruptura. Não há contradição ou conflito, de maneira alguma. Você não pode esquecer que o Foro de São Paulo nasceu em estreita associação com o Diálogo Interamericano, que é o think tank do Partido Democrata. Também não pode esquecer que o Partido Democrata está no poder no momento, fazendo aqui exatamente o tipo de transição que o Lula fez: preparando a ruptura. Todo esse pessoal está agindo de maneira extremamente harmônica e convergente.
A Celina Vieira me faz uma pergunta que não sei a resposta. Ela diz:
Aluno: Você define histeria como um auto-fingimento hipnótico, em que a personalidade vai sendo perdida e o doente já não sabe mais o que é mentira e incorpora o teatro existencial. Em qual doença de Constantin Noica se encaixam os histéricos?
Olavo: Eu não sei. Eu não saberia responder a isso imediatamente. Eu teria de reler o livro e pensar. Essa comparação é interessante, mas não é fácil. Eu vou pensar um pouco nisso e tentar responder em uma das próximas aulas.
Aluno: Concordo com boa parte de sua análise, no entanto, tenho uma perspectiva particular sobre o evento. Quando se fala que a esquerda perdeu o controle, se faz uma afirmação muito relativa da questão porque não se explora a natureza da própria rede social. O aspecto viral, para mim, é o ponto que fundamentalmente deve ser entendido. Ninguém tem controle sobre esse tipo de manifestação, pois, uma vez lançada na internet, uma mensagem, um movimento ou uma reunião atinge dimensões imprevisíveis, certamente contraditórias. (...)
Olavo: Não, definitivamente não é assim. Leia o estudo da Rand Corporation, que já tem quase 20 anos, sobre o que eles chamam cyber wars, as guerras cibernéticas. Esse processo é muito mais controlado do que você está admitindo aqui. E a prova disso é, primeiro, a simultaneidade de manifestações convergentes que esse pessoal consegue fazer, por exemplo, as primaveras árabes, os protestos na Europa etc. e etc. --- não há conflito. Acontece que, como existe uma ação, existe uma reação, e essa reação se utiliza do mesmo meio cibernético. No Brasil, por exemplo, o pessoal patriota, cristão, conservador viu essa cambada indo às ruas para fazer protesto, então decidiram fazer protestos também. Estes não faziam parte da rede originária, eles improvisaram uma rede imediatamente. Então não é que o processo originário saiu do controle, apareceu um outro processo reativo que saiu do controle. E isso não sou eu que estou dizendo, é o Valter Pomar, é o homem do Foro de São Paulo. Ele diz: "Nós começamos a coisa e não conseguimos controlar porque a direita veio às ruas, não contamos com o elemento espontâneo".
Isso quer dizer que não é verdade que qualquer movimento desses, tão logo lançado, tem efeito anárquico. Em geral, isso nunca aconteceu no mundo. Preste atenção: em todos os lugares onde foram desencadeados, os movimentos desse tipo eram convergentes e coerentes, como na Primavera Árabe, como nos protestos europeus etc., foi só no Brasil que, por uma circunstância muito local e peculiar, houve esse para-movimento ou esse contra-movimento que acabou se revelando majoritário. Isso acontece no Brasil por causa da inexistência de uma direita, quer dizer, se você bane a direita do espaço político, então isso aí é como um impulso, um instinto negado, na psicanálise freudiana: vai para o inconsciente e reaparece com outra cara. Então você tem uma manifestação anormal e neurótica, por assim dizer, de um direitismo que foi reprimido. Isso em geral não aconteceu em outros lugares, quer dizer, você não tem uma massa de pessoas... Veja, segundo as pesquisas, 70% da população brasileira é altamente conservadora, sobretudo do ponto de vista moral, religioso etc. Essa gente não tem voz de voto. Você vê que a simples escolha de um sujeito, Marcos Feliciano, para uma comissão causou uma reação de ódio extraordinária. Quer dizer, já não tem espaço para um, quanto mais para 70% da população.
Foi com isso que os planejadores da coisa não contavam [1:20] inicialmente. Mas não posso dizer que não contavam porque eles também fizeram essas manifestações para tirar as cobras da toca, para que fossem vistas e, assim, eliminadas. Eles só não esperavam que fossem tantas cobras, porque eles próprios não têm idéia da anormalidade da situação que impuseram ao Brasil. Se você quer eliminar totalmente a direita do cenário, só tem um jeito de fazer: com uma ditadura soviética. Pronto, acabou, daí cala a boca de todo mundo. Mas não estamos em uma ditadura soviética, estamos em uma fase de transição. Então você mantém essa casca de democracia ao mesmo tempo em que impede o exercício da democracia. Isso cria uma situação inteiramente anormal. E não existe situação similar em parte alguma do mundo que eu conheça, e foi isso que aconteceu.
Aluno: (...) Creio que essa manifestação foi apenas um teste, um laboratório. (...)
Olavo: Não. Sempre que você disser que tal coisa foi apenas isso, com relação ao movimento comunista, você está enganado. Você precisaria estudar mais a estratégia comunista ao longo do tempo e ver que a multiplicidade de objetivos e o jogo entre os vários objetivos conforme o desenrolar, conforme o andar da carruagem, é inerente ao movimento comunista, eles sempre fazem isso. Nunca dá para dizer "isso foi apenas para tal coisa", não, foi para quatro, cinco coisas diferentes, todas ao mesmo tempo. Isso faz parte da própria natureza do movimento comunista e faz parte da natureza da mente dialética, que, já dizia Hegel, é o espírito de contradição sistematizado. Então sempre jogar com as contradições, inclusive com objetivos contraditórios. É só na mente liberal que a sociedade é uma máquina funcionando como uma empresa, com objetivos determinados e meios racionais de alcançar os seus objetivos por uma espécie de via linear. Eles imaginam que a sociedade é assim.
O pessoal marxista, que se aprofundou nas leituras de Hegel, há muito tempo sabe que não funciona assim. Quer dizer, que a base da vida histórica é a contradição e o conflito. Então não adianta querer imprimir às coisas um movimento linear, você tem de jogar com forças contraditórias. Você está jogando com forças contraditórias, então nunca são apenas duas forças, há várias, e tem de contar com todas elas. Nunca vai acontecer de o movimento comunista fazer algo apenas como um teste. Existe o teste também, mas não é apenas, nunca é apenas. São aquelas quatro coisas de que eu falei, e não somente as duas que você está levando em conta aqui.
Aluno: (...) (1) aumentar o poder do Estado, criando leis adequadas aos desejos das massas, mesmo que isso implique em dar mais poder ao Estado (...); (2) terminar com a oposição.
Olavo: São dois objetivos possíveis, mas não resumem a coisa. Porque você está raciocinando como se o governo Dilma fosse o centro agente, e não é, o centro agente é o Foro de São Paulo. E o Foro de São Paulo não está se mobilizando para fortalecer o governo Dilma, e sim para fortalecer o processo revolucionário com o governo Dilma ou contra ele --- isso é importante. Você precisa ver que os indivíduos que fazem parte do movimento comunista, os líderes, nunca têm uma posição inabalável, eles sempre podem ser trocados a qualquer momento. A não ser naquelas raras ocasiões em que um pequeno grupo consegue obter o controle total, mas isso não é como a Dilma, a Dilma não é Stalin. A Dilma, aposto, não pode ver sangue, se ela vir sangue na televisão, desmaia. Você vê os pronunciamentos dela, a mulher está tremendo, gaguejando. A Dilma é só exibição de força, há rumores de que ela grita com as pessoas, até um dia deu uma bronca em um chefe do departamento, e o cara começou a chorar. É porque, no Brasil, todo mundo está capado, então até a Dilma parece valente. Mas o primeiro que gritar com a Dilma, a manda para o hospital, como foi com a Maria do Rosário: "O que é isso? O que é isso?". Essa mulher realmente não é de nada. Ela era uma qualquer que foi escolhida porque não tinha outra para entrar no lugar, então botaram ela lá. Ela não tem capacidade para ser uma ditadora do Brasil. O Foro de São Paulo não fez tudo isso para fortalecer o governo da Dilma. Isso é impossível. Agora, eles lançam o movimento e, se o governo Dilma se mostrar capaz ou de acompanhar a velocidade da ruptura ou de controlar e estrangular a oposição, ela pode continuar por mais algum tempo.
Esse negócio de ser contra o culto da personalidade está profundamente arraigado no movimento comunista. Eles não gostam de que nenhuma personalidade se projete além do estritamente necessário. Eles permitiram que o Lula fizesse isso porque o Lula é o militante mais humilde que já houve no movimento comunista, o Lula nunca bate de frente com a decisão da maioria. A carreira dele no sindicalismo foi feita assim, ele deixava acontecer a discussão na assembléia e saía para tomar um cafezinho, quando voltava, perguntava o que tinha sido decidido, então vestia a camiseta e saía repetindo o que a maioria quis. O sucesso dele no Foro de São Paulo foi a mesmíssima coisa. O Lula tem um amor tão profundo pelo movimento revolucionário que sacrifica tudo, inclusive a própria vaidade. Nesse sentido, ele não tem vaidade nenhuma. Por essa capacidade conciliatória dele é que o deixaram lá, pois nunca criou problema para ninguém. O Lula tem uma longa carreira de serviços prestados, e a Dilma, não.
Exterminar a oposição e aumentar o poder do Estado são possibilidades que terão de ser exploradas conjuntamente com outras possibilidades opostas. Isso é sempre assim. Você aqui ainda está raciocinando um pouco na base do objetivo linear: o que eles querem é isso ou aquilo. No movimento comunista, nunca é assim. O Barack Obama, por exemplo, é uma criatura do Saul Alinsky, do Frank Marshall Davis, de uma liderança comunista. Eles o fizeram e o colocaram lá, certamente com a ajuda da KGB e comprovadamente com a ajuda de forças islâmicas. Tão logo o colocam lá, começam a antagonizá-lo desde a Rússia. Isso significa que o esquema comunista e eurasiano domina os dois lados do cenário. Eles sempre fazem assim: produzem a divisão, criam uma possibilidade e criam instantaneamente ou logo depois a possibilidade contrária, porque senão eles estão arriscando tudo em uma coisa só. Você acha que o movimento comunista internacional vai arriscar tudo em um Zé Mané que tiraram do lixo para botar na presidência dos EUA? Não, eles põem o cara lá e já têm o plano B, o plano C, o plano D e o plano E.
Aluno: Eles que dão as alternativas...
Olavo: Eles criam o conjunto das alternativas. O pessoal marxista começou lendo Hegel. Quantas pessoas você conhece no Brasil que são capazes de ler Hegel? Não quer dizer que os líderes atuais sejam expert em Hegel, Valter Pomar certamente não é. Mas, como eu disse, a cultura comunista já incorporou essas coisas, de maneira que você pode ter um líder burro que, se seguir a receita, vai funcionar mais ou menos. Assim como em uma fábrica de qualquer coisa, nem todos os empregados precisam compreender todo o processo da produção, muito menos a estratégia geral da firma. Eles vão agir de maneira harmônica com o conjunto, como Valter Pomar está agindo.
Aluno: Gostaria de saber se as pessoas que entraram agora no curso receberão o mesmo tempo e atenção que o senhor dá aos veteranos, como, por exemplo, a correção dos exercícios e do trabalho final.
Olavo: Certamente. Agora, quanto aos trabalhos, eu estou lendo tudo o que me mandam, mas não vou começar a mexer com isso ainda porque, quando começar, vai ser uma trabalheira danada para vocês e para mim também. Eu vou avisar quando começar.
Aluno: Ontem foi noticiado na Globo, Jornal Nacional, que o movimento MPL, por notificação de seus líderes, está se retirando dos próximos protestos, pois os objetivos deles já haviam sido alcançados. (...)
Olavo: Não é que os objetivos foram alcançados, é precisamente porque não foram. Houve uma reação desproporcional, eles não sabem o que fazer e agora têm de parar para pensar.
Aluno: (...) Logo, a não ser o movimento gay, [1:30] que hoje de manhã tinha confirmação de participação, em São Paulo, com mais de 70 mil contra o Pastor Feliciano, e os já tradicionais vândalos, parece-me que a população do protesto, como o senhor observa, será formada por pessoal não de esquerda.
Olavo: Se o movimento continuar nos próximos dias, será essa turma patriota, cristã etc. Eu recomendo que não façam isso, voltem para casa. Façam novos protestos daqui a um ou dois meses, mas não agora, porque esses protestos da direita teriam valido a pena se houvesse uma liderança organizada capaz de tomar a dianteira e fazer alguma coisa efetivamente. Mas acontece que o único elemento organizado que existe aí à direita são as Forças Armadas, e parece que não estão querendo interferir. A chance de interferir já passou, foi quando o STF condenou os mensaleiros. O Joaquim Barbosa deveria ter imediatamente convocado as Forças Armadas: "Prendam esses caras de qualquer jeito", quer dizer, execute a sentença. Como ele não fez isso, e as Forças Armadas também não tomaram a iniciativa de fazer, os mensaleiros estão todos à solta, e foi tudo como se nada tivesse acontecido.
Esse movimento daria às Forças Armadas um pretexto para agir agora e fazer cumprir a lei. Não com um golpe militar para tomar o poder, porque se houver um golpe militar e a tomada do poder, eles provam que são completamente loucos. Deixa Dona Dilma lá, só vão fazer cumprir a lei mesmo contra a vontade da Dona Dilma: "Prendemos os mensaleiros, estão aqui em prisão militar e ninguém vai tirá-los". Se as Forças Armadas fizessem isso, ganhariam uma autoridade tremenda sobre todo o país, e daí teriam envergadura para investigar, ir atrás do Foro de São Paulo, narcotraficantes, banditismo etc. Tudo isso sem tomar o poder, sem dar o golpe. Seria apenas uma iniciativa: já que ninguém está cumprindo a lei, fazemos cumprir, doa a quem doer --- que é exatamente o que a população está pedindo.
Vocês não esqueçam que, em 1964, ninguém pediu que os militares tomassem o poder. Naquela massa toda que estava na Marcha da Família com Deus pela liberdade, ninguém esperava que houvesse um governo militar, e sim que fosse tirado o João Goulart e houvesse nova eleição dali a seis meses. Era isso que todo mundo estava pedindo. Daí os militares chegaram, gostaram de ficar e ficaram por vinte anos, e saíram queimados.
Aluno: E a responsabilidade dos militares não é para com o governo, é para com a República.
Olavo: Claro. Ela está lembrando que a responsabilidade dos militares não é para com o governo, é para com o Estado brasileiro, com a República. Então eles têm o direito e a obrigação de fazer cumprir a lei quando ninguém mais está cumprindo. Em 64, disseram que iam fazer isso, mas não fizeram, tomaram o poder, o que foi uma burrada fora do comum. Mais ainda: Não existe direita organizada no Brasil porque a demolição da direita começou no governo militar. Eles tomaram o poder, falaram "agora os civis calam a boca", caçaram Juscelino Kubitschek, caçaram Carlos Lacerda, caçaram Ademar de Barros, acabaram com toda a organização. As organizações que criaram a Marcha da Família, que foi a maior manifestação pública no Brasil até então, foram todas desativadas, saíram do cenário. Quando a sociedade civil organizada pediu a ação dos militares, eles desorganizaram a sociedade civil e criaram um governo militar de tecnocratas, e, naturalmente, deu no que deu. Vocês querem tudo isso de novo? "Ah, precisa de um golpe militar", o sujeito que fala golpe militar na minha frente tem de apanhar, vocês não aprenderam nada, não? Não precisa de um golpe, precisa haver intervenção militar para fazer cumprir a lei --- essa é outra coisa completamente diferente.
Eu acho que por hoje é só, já fomos longe demais. Tem mais algumas perguntas que vou deixar para a semana que vem.
Aqueles que quiserem ajudar o Instituto, escrevam para a Marcela, e ela lhes dará as explicações necessárias. No meu entender, não é se eu entendi o problema, se eu entendi o que a Imigração está querendo, não é uma questão apenas de ter o dinheiro para pagar a mais e deixar uma reserva em caixa, não é isso. Eles precisam de compromissos: o doador que se compromete a dar "x" por mês durante "x" tempo. E para aqueles que quiserem contribuir anonimamente, também há solução. Mas a Marcela explica depois para vocês. É marcelacandrade@gmail.com
Até a semana que vem, muito obrigado.
Transcrição: Jussara Reis de Abreu, 24/07/2013 [jussarareis10@gmail.com]
Revisão: Elisabete Franczak Branco, 17/09/2014 [elisabete_franczak@yahoo.com.br]