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Curso Online de Filosofia

Olavo de Carvalho

Aula Nº 206

1º de junho de 2013

Boa noite a todos. Sejam bem-vindos.

Gostaria de comentar brevemente mais dois parágrafos do Louis Lavelle, depois iremos interromper e não faremos a segunda parte de perguntas e respostas, porque temos aqui um visitante ilustre, o Bruno Garschagen, que fez uma tese, na Universidade Católica de Lisboa, sobre utopias revolucionárias, na qual, partindo do meu estudo sobre a mentalidade revolucionária, ele avança para outros territórios que não estavam abrangidos no meu estudo. Vou pedir a ele que nos dê um resumo de sua tese, que será em breve publicada em livro, no Brasil. O Bruno está aqui para uma rodada de conversações --- para as quais também estão convidados o Ângelo Monteiro, Paulo Briguet, Rodrigo Gurgel e o Miguel Bruno Duarte (que devem chegar por esses dias) --- sobre o estado atual da cultura de língua portuguesa, especialmente no Brasil.

Todo mundo sabe que estamos atravessando um momento que chamar de decadência seria até um eufemismo, porque qualquer a coisa pára de decair no instante em que morre. E no Brasil, de fato, houve a morte da cultura superior, a morte da literatura, a morte do pensamento e a morte dos debates públicos, que hoje giram num círculo de questões absolutamente pueril que não têm nada a ver com a vida brasileira efetiva. Isto é, não passa de uma troca de chavões, uma troca de slogans geralmente autoconfirmatórios, e evidentemente isso se reflete na vida da nação em geral. Quando os nossos alunos tiram sempre, e sistematicamente, os últimos lugares nos testes internacionais, esse não é um problema que surge da falta de verbas para a educação, da má administração da educação pública, mas simplesmente da ausência de uma cultura superior. Se você não tem uma cultura superior, então é evidente que o ensino elementar e secundário decai na mesma proporção, criando então um estado de inconsciência generalizada, que nunca se viu em país nenhum do mundo.

Quando os outros países falam em decadência cultural, a decadência cultural deles nos parece quase como um estado paradisíaco. Os americanos também dizem que a cultura nacional deles está em decadência, mas, comparando-a com a do Brasil, é uma coisa impressionante. Se você pegar, por ano, os livros que alimentam só o debate político, você verá que o debate político aqui é travado especialmente através de livros. Primeiro através de livros, depois através de artigos de jornal e revista e, por fim, vai parar na televisão. No Brasil só tem a televisão. Quando sai um livro [no Brasil] sobre alguma coisa da atualidade, em geral se esgota na finalidade propagandística e nada mais.

Não para dar conta desse estado de coisas, mas para, pelo menos, conseguir descrevê-lo uns para os outros, foi que eu convidei esses escritores brasileiros que são das poucas pessoas que ainda estão pensando --- mas que, vejam vocês, não ocupam o espaço público que deveriam. Por exemplo, qual foi o último nomeado para a Academia Brasileira de Letras? Foi o Merval Pereira, cuja única ocupação na vida é plagiar os meus artigos com quinze anos de atraso. Não digo plagiar, mas repetir os meus artigos com quinze anos de atraso, porque no Brasil não existe plágio de idéias, só textual. Este é o único mérito que o sujeito tem, além de ocupar um posto na administração do jornal O Globo. Pouco antes foi eleito, também, para a Academia Brasileira de Letras o cirurgião plástico Ivo Pitanguy, que embelezou, de certo modo, a sociedade carioca, talvez as mulheres dos demais acadêmicos que deviam estar com 153 anos, cada uma. Ele foi lá, deu uma ajeitadinha nelas e, em retribuição, elegeram-no para a Academia. Isso não deixa de ser um mérito literário extraordinário; porque se as mulheres deles ficam mais bonitinhas, eles passam mais tempo em casa e escrevem menos. Então, o Bruno está aqui para essa rodada de conversações que deve começar segunda-feira. Como ele foi o primeiro a chegar, vou aproveitar, já que ele está aqui, para falar deste outro assunto --- que está ligado, mas não é a mesma coisa ---, que é o seu estudo sobre as revoluções.

Mas antes eu queria dar uma mexidinha rápida nesses dois parágrafos do Lavelle, só para não perder o embalo. Este texto do Lavelle é dos mais densos e mais difíceis. Esse texto foi tirado do livro De l'Intimité Spirituelle, que eu consideraria o livro principal para aqueles que querem entrar no estudo [da obra] do Lavelle. Por quê? Porque esse é uma coletânea organizada depois da morte dele, mas que pega todos os tópicos que ele desenvolveu ao longo da vida, e tendo isso de maneira condensada. É claro que se você ler a versão mais comprida da grande obra metafísica dele, que é A Dialética do Eterno Presente, a leitura será mais fácil. Às vezes, o sujeito escreve uma coisa para facilitar e complica mais. Eu acho o livro A Presença Total, que é o resumo da Dialética do Eterno Presente, muito mais difícil de ler do que a própria Dialética do Eterno Presente. Mas, o problema é que, se for ler esse, você vai se deter muito em cada questão em particular, e até pegar a estrutura do sistema inteiro levará muito tempo. E neste outro livro, que é De l'Intimité Spirituelle, o sistema do Lavelle está inteirinho, ainda que de uma forma condensada e difícil.

O parágrafo seguinte diz:

A distinção do sujeito e do objeto exprime, portanto, uma primeira análise do ser. (...)

Isso aqui é básico. O sujeito e o objeto não aparecem, jamais, em primeira instância como substâncias, no sentido cartesiano. Existe aqui um ente que consiste em pensar e outro ente que consiste em ocupar um lugar no espaço. Essas duas presenças jamais se apresentam a nós como substâncias, mas como decorrentes de uma análise do Ser. Então, diz ele que a primeira e mais básica das experiências é a da simples presença do Ser e a da nossa presença no Ser. Ou seja, a diferenciação de sujeito e objeto é posterior e, na verdade, ela é bastante difícil. Quando você observa um bebê recém-nascido e vê a curiosidade com que ele examina a sua mão, o seu pé, você pergunta: Mas isso é aí é sujeito ou objeto? Para nós, a totalidade da presença dele --- psíquica e física --- é sujeito, ele é um ser humano na sua totalidade, inseparável de corpo e alma, mas, para ele, ele ainda está em dúvida se o seu pé ou a sua mão fazem parte do sujeito ou do objeto. Na verdade, o problema que até hoje se discute sobre mente e corpo, mostra que não é fácil distinguir o que é o sujeito. Dentro do meu próprio ser psicofísico, onde termina a minha parte subjetiva e onde começa a minha parte objetiva? A simples dificuldade de fazer essa análise mostra que sujeito e objeto1 não existem como substâncias, mas como conceitos diferenciais que são obtidos de uma análise, isto é, de uma separação entre elementos que são dados juntos e mesclados na presença integral do ser, segundo Lavelle.

Prossegue ele:

(...) Mas o que há de admirável, e que não se notou suficientemente, é que o sujeito permanece sempre no Ser e não necessita deixá-lo para empreender tal análise. (...)

Ou seja, para o sujeito se diferenciar do objeto, ele não sai do ser, ele continua dentro do ser. Portanto, a distinção de sujeito e objeto é algo que se dá dentro do ser, mas por iniciativa do sujeito humano e não do objeto. Quer dizer, não são as coisas em torno que vêm nos informar a nós que somos o sujeito do conhecimento e que elas são o objeto, mas, ao contrário, essa distinção parte do sujeito. Para ele operar essa distinção, é necessário que haja, é claro, uma concentração do sujeito na sua atividade mental cognitiva, ao ponto dele se diferenciar completamente do mundo em torno, e do seu próprio corpo. Essa concentração também não é fácil, porque os nossos estados mentais, os nossos atos cognitivos, vêm de uma mistura, com um fluxo constante, de sensações e estados corporais, e distinguir uma coisa da outra também não é fácil. Então, esse processo de distinção do sujeito, onde ele toma consciência de si mesmo como o protagonista do processo cognitivo, [00:10] pode ser tão trabalhoso que acaba sendo vivenciado como uma separação. Ou seja, o sujeito passa a se perceber a si mesmo como se ele fosse independente da totalidade do ser, na qual, no entanto, ele continua inserido.

E esta impressão de independência ou essa experiência de independência é que gerará precisamente o idealismo filosófico, no qual o sujeito entenderá que o universo inteiro do objeto não é senão uma representação que existe na mente dele. Mas o próprio fato de que o idealismo ser um produto tardio da filosofia, mostra que não só na evolução do indivíduo, mas também na passagem do tempo histórico, esta separação entre sujeito e objeto, esta tomada de consciência do sujeito por si mesmo é algo problemático e difícil, senão teria acontecido logo no primeiro dia. Por exemplo, os gregos não tinham a menor idéia disso, se você explicasse a filosofia idealista para Platão, ele teria até alguma dificuldade para entender o que você está dizendo porque lhe pareceria uma inversão total da ordem natural da experiência.

Continua Lavelle:

(...) Decidir fazê-la (isto é, decidir fazer essa análise) é, para o eu, estabelecer se a si mesmo e afirmar a originalidade de todas as relações que o unem ao Todo do qual ele faz parte. (...)

Ou seja, este sujeito --- é algo que existe evidentemente, o sujeito pensante, o sujeito cognoscente, embora ele não tenha uma presença física ou não corresponda a nossa presença física integralmente --- tem uma existência própria, tem uma modalidade de relação com o todo que é diferente da relação que todos os demais objetos ou seres têm com o todo. Por exemplo, uma pedra, uma árvore, um animal não se relacionam com o todo e nem um com os outros da maneira com que você se relaciona, que é uma maneira cognitiva que abrange todas elas. Veja que a maior parte dos animais não tem noção um dos outros. Se você perguntar assim: quando foi a primeira vez que um urso polar tomou conhecimento da existência de uma girafa? Pode ter acontecido em algum jardim zoológico, se os camaradas por acaso carregaram a jaula do urso passando pela jaula da girafa, mas, fora disso, eles não têm consciência. Outros animais que estão coexistentes no mesmo espaço também não têm notícia um dos outros. Os romanos tinham um ditado: Aquila non captat muscas (águia não caça moscas). Pergunto eu, então: mas quando foi que alguma mosca teve notícia da existência de águias? A águia não as caça porque são desprezíveis demais, mas as moscas não fogem dela porque não sabem que ela existe.

E, no entanto, o ser humano olha tudo isso e tem consciência da interligação de todas essas espécies e de todos os demais seres, e dos demais fenômenos do mundo natural que se ignoram uns aos outros. Também não deixa de ser característico que o ser humano seja o único bicho que vive em todos os climas da Terra e sobrevivem bem, ao passo que todos os outros animais precisam de um clima especifico e, se retirados dali, eles morrem. Quer dizer, esta posição do sujeito como protagonista do processo cognitivo o torna uma espécie de realidade que é ímpar, que é única e que é incomparável com todas as outras. Esta incomparabilidade mesmo pode reforçar de tal modo o ponto de vista subjetivista, que nasce então a filosofia idealista, ou seja, a subordinação completa do objeto ao sujeito.

Na verdade, o que me parece que existe por trás de toda a filosofia idealista é um erro gramatical. Tudo o que eu vejo, eu vejo somente com os meus olhos, não com os olhos de outros, então eu não sei da existência de nenhum objeto visível sem ser pelo meu olho, eu não tenho outro modo de conferir a visibilidade deles senão pelo meu olho. Portanto, a visibilidade deles é uma característica que eles têm em si mesmo ou é a mera projeção do formato e da estrutura do meu próprio olhar? Ampliando isso: tudo o que conheço, eu conheço através da minha consciência, da minha inteligência, da minha capacidade cognitiva e não tenho nenhuma capacidade externa que me permita conferir se aquilo que vejo nos entes --- aquilo que percebo nos entes --- está realmente neles ou está apenas em mim mesmo. Portanto, a velha definição escolástica da verdade como a coincidência, ou o acordo, entre o pensamento e as coisas pode se chocar com a objeção idealista. Eu digo: sim, mas eu só conheço as coisas através do meu próprio pensamento. Quando eu confiro o meu pensamento com algo, estou conferindo o quê? Um pensamento meu, uma idéia minha, com uma impressão minha.2 Ou seja, dois produtos da minha mente. Mas isso é um equivoco. Não precisamos discutir isso agora, mas essa é a origem do processo idealista, e ele de fato é tardio em filosofia; o que mostra que essa tomada de consciência dos poderes do ego por si mesmo é algo problemático e difícil.

Analisando as Meditações Metafísicas de René Descartes, vimos como esse processo de tomada de consciência do eu por si mesmo está repleto de equívocos, de armadilhas, de alçapões e de ambigüidades. E quanto mais me aprofundo no assunto, mas vejo que a idéia mesma de que a modernidade começa com a descoberta da subjetividade por René Descartes é uma idéia completamente errada --- agora que estou preparando um livro sobre Descartes para publicação, sou obrigado a voltar a esse assunto e a pensar nele.

Existe um trecho nas Meditações, ao qual as pessoas não prestam muita atenção, em que ele primeiro formula a dúvida universal, depois descobre o cogito ergo sum --- portanto a autonomia do eu pensante como fonte da certeza ---, depois disso ele vai entrar nas provas da existência de Deus, e a prova é a seguinte: Deus meteu na minha cabeça as idéias eternas, que eu mesmo não poderia ter inventado --- idéias como a eternidade, o absoluto etc. etc. Isso foi a primeira coisa que ele disse. Então podemos perguntar: Mas também não foi Deus quem colocou na sua mente a idéia eterna de identidade, sem a qual nenhuma dessas existe e sem a qual o reconhecimento do eu seria impossível? Foi. Quer dizer, o eu não é, segundo Descartes, a fonte da certeza, parece que é, mas ele mesmo reconhece que não é.

E adiante ele diz mais claramente: "Eu tenho a noção do infinito antes que a do finito, e eu tenho a noção de Deus antes de ter a de mim mesmo". Ou seja, qual é a fonte da certeza? A fonte da certeza são as idéias eternas, e é Deus em última análise, como dizia Platão e Aristóteles. Então no que Descartes está diferindo de Platão e Aristóteles? Em absolutamente nada, só pareceu que diferia. Essa é a minha pergunta no livro, quer dizer, se é para chagar a esta conclusão que Platão e Aristóteles subscreveriam igualzinho, então para que toda essa parafernália da dúvida universal? E por que esta passagem dele pelo eu como fonte da certeza se depois ele mesmo vai desmentir isso e dizer que o eu não é fonte da certeza coisíssima nenhuma, que a fonte da certeza é Deus que me criou e infundiu em mim as idéias eternas, entre as quais a idéia de identidade sem a qual eu não poderia perceber nem que eu sou eu mesmo?

Em todo esse processo de formação do idealismo moderno, existe uma série de equívocos e de camuflagens. É tudo uma história mal contada e mal compreendida, no fim das contas. Às vezes não por maldade ou por sacanagem, nem do próprio Descartes e nem de ninguém, mas simplesmente porque as pessoas se atrapalharam. Vou parar pouco e ler um pedacinho do que eu estou escrevendo para o livro sobre Descartes, que uma conclusão daquelas aulas que eu dei aqui no curso. Esse livro não abrange aquelas aulas, [00:20] a transcrição dessas aulas seria para depois, para um segundo volume sobre Descartes. Isto aqui seria só a introdução daquilo. Mas no finzinho eu digo o seguinte:

Se a dúvida universal é autocontraditória e logicamente impossível (...)

Parênteses: veja que Descartes diz que vai colocar tudo em dúvida. Mas ele coloca tudo em dúvida? Não, ele coloca determinadas coisas em dúvida. Por exemplo, ele formula uma dúvida quanto aos sentidos, uma dúvida quanto à memória, que são diferentes tipos de dúvidas. Mas elas formam a dúvida universal? Não, elas formam apenas uma coleção de dúvidas; ele jamais colocou tudo em dúvida. Ademais, para você levantar uma dúvida, é necessário que você se apóie numa certeza prévia. Por exemplo, posso duvidar de que Deus existe, mas não posso duvidar de que Deus existe se duvido de que ouvi falar disso em algum lugar. Logo, preciso acreditar piamente que ouvi uma conversa sobre Deus. Posso colocar em dúvida a acuidade dos sentidos, mas para isso eu tenho de acreditar que tenho sentidos. Portanto, qualquer dúvida que você formule é sempre específica. Isso faz parte da própria definição de dúvida. A idéia de uma dúvida universal é autocontraditória, ela é impossível de ser realizada. E então pergunto: se ela é impossível --- e Descartes não era nenhum cretino para não perceber uma coisa dessas ---, como é que um filósofo, com a habilidade extraordinária dele, passa por cima disso?

O que ele está chamando de dúvida universal não é uma hipótese filosófica razoável que possa ser expressa, é alguma outra coisa. E se você for ver, verá que naquele período, o Descartes estava realmente num tal estado de dúvida, não de uma dúvida epistemológica, mas de ordem religiosa; porque ele era católico, professava o catolicismo exteriormente, mas estava metido num meio protestante. Todos os seus amigos eram protestantes, todos os caras com quem ele discutia as suas idéias eram protestantes, batizou a filha na Igreja Protestante e consta que casou na Igreja Protestante. Ele participou do exército protestante do Maurício de Nassau (aquele mesmo que invadiu o Brasil) e participou do exército católico do Duque da Baviera. O sujeito [Descartes] estava divido entre duas coisas. Terceiro, ele entrou para a Ordem Rosa Cruz, que é um bando de gnósticos.

Então o sujeito tem na cabeça um pouco de catolicismo, um pouco de protestantismo, um pouco de gnosticismo. Seu eu fizesse isso também estaria [com dúvida]. Eu vou lá, inscrevo-me e viro torcedor do Corinthians, mas também sou do São Paulo, do Palmeiras, etc. etc. É claro que o sujeito fica em dúvida. E esta dúvida se traduzia, então, numa inquietação religiosa e, portanto, o medo do pecado e o medo da condenação eterna. O que é a condenação eterna? É o que a Bíblia chama "segunda morte". O que é segunda morte? É a privação da visão de Deus. Mas se você não tem a visão de Deus, você não tem as idéias eternas, então você nem sabe que você é você mesmo. Esta é a dúvida. Este é o temor de René Descartes: um temor de ordem puramente religiosa que ele camufla num argumento epistemológico.

Eu sei que é uma camuflagem pelo seguinte: esta dúvida religiosa, este drama religioso, moral, já estava biograficamente presente nele, como se confirma nos três sonhos que eu analisei durante aquelas aulas. Quanto ao argumento da dúvida universal, Martial Gueroult diz [no livro Descartes Selon L'ordre Des Raisons] --- que é, aliás um grande livro, um exame da estrutura da ordem interna do argumento cartesiano ---, que na estrutura do argumento René Descartes usa o artifício, ou a figura de linguagem, do gênio mau para expressar a sua concepção filosófica. Digo eu: foi o contrário. O temor do gênio mau já estava dado antes e o argumento filosófico ele encontrou pronto na peça do Plauto, O Anfitrião, que foi escrita dezessete ou dezoito séculos antes. Então, Descartes está com esse drama --- temor do gênio mau, temor da condenação eterna ---, e aparece, então, a peça do Plauto que dá para ele a formulação pronta da dúvida universal: "Está aqui! Eu não posso me explicar em português claro o problema da danação porque, se eu tentar resolver este problema aderindo a uma religião, vou desagradar os meus amigos da outra. Então eu não posso publicamente desagradar meus amigos católicos, nem os protestantes nem os gnósticos".

Mas isso não é só uma questão de temor da pressão social, ele também havia absorvido coisas do catolicismo, do protestantismo e do gnosticismo que considerava como verdades valiosas, não podendo, assim, abdicar de nenhum deles3. Por não poder equacionar o problema nos seus termos religiosos originários, o que faz Descartes? Ele camufla, faz a maquiagem epistemológica e transforma o drama do gênio mau no argumento das Meditações. Então é o contrário: em vez de ter aqui um argumento epistemológico e uma figura de linguagem, que é a do gênio mau, apenas como um instrumento para transmiti-la --- como diz Martial Gueroult---, você tem o problema do gênio mau, pronto na peça do Plauto, e camufla com o argumento epistemológico, saindo daí as Meditações. Essa é a conclusão que eu chego nesse estudo4.

Para os que têm a visão clássica, oficial, do René Descartes pode ser uma decepção. Mas eu acho até que como obra literária as Meditações passam até a valer muito mais, porque é a maior camuflagem epistemológica da história.

Isto só para dizer para vocês que a versão oficial consagrada, quase universal hoje em dia, de que a modernidade começa com a descoberta da autonomia da subjetividade por Descartes é uma história mal contada. Descartes não descobriu nenhuma autonomia da subjetividade, jamais acreditou nisso, e apenas a usou como um passo da argumentação epistemológica, que terminará a no reconhecimento de que Deus é a origem das idéias eternas e, portanto, é originador também do conhecimento que eu tenho de mim mesmo; coisa que Platão, Aristóteles, S. Tomás de Aquino e o universo inteiro concordariam com ele, e que não tem nada de diferente. Então, essa construção do personagem René Descartes como fundador da subjetividade moderna é um engano. Ele exerce essa função graças à leitura errada que um bando de gente fez dele, ou seja, ele não inventou a subjetividade, não descobriu subjetividade nenhuma, mas os outros acharam que ele descobriu, e passaram a acreditar nisso. Daí, então, segue-se toda uma problemática filosófica que depois vai passar por David Hume, Kant, etc. etc., e prosseguir. Têm-se ainda no século XX expressões importantes da filosofia idealista.

Agora eu não se o que faço: se prossigo com o Lavelle ou se eu acabo de explicar o negócio do René Descartes. Vou perguntar aqui para Marcela, ela manda em mim: O que eu faço, Marcela?

Marcela: Eu gostaria que continuasse com o Descartes?

Está feito. Retomo o Lavelle na aula que vem. É só mais um pouquinho, porque vamos interromper para depois fazer a nossa conversa com o Bruno.

Se a dúvida universal é autocontraditória e logicamente impossível, se ela não corresponde a nenhum conteúdo de consciência racionalmente expressável, (...)

Ou seja, você não é capaz de dizer o que é a dúvida total, você só pode expressar dúvidas parciais. Isto quer dizer que dúvida total, dúvida universal não é um conceito, é uma figura de linguagem, uma hipérbole. O que aconteceria se fosse possível duvidar de tudo? Aconteceria que eu teria perdido a visão de Deus, portanto a visão das idéias eternas, portanto eu estaria nos quintos dos infernos, literalmente --- é uma coisa horrível. E veja que o René Descartes vai ficando com muito medo na narrativa dos sonhos.

(...), se ela só pode ser aludida indiretamente através desta ou daquela dúvida em particular, sem jamais conseguir unifica-las todas, e se, ademais, ela abre uma pista falsa que desemboca no império ilusório do eu pensante, logo destronado, em favor boa e velha fonte divina da certeza (que é exatamente o que o Descartes faz), nada disso impede, como já vimos, que ela seja, enquanto experiência emocional e imaginativa, perfeitamente real.

Ou seja, não para formular, equacionar racionalmente a dúvida total, mas dá para ter um medo danado da perda das idéias eternas.

A presença e a força de um estado imaginativo ou emotivo não dependem [00:30] de maneira alguma da realidade do objeto que o desperta. O temor insensato de um perigo imaginário é tão real, na mente que o experimenta, quanto o temor razoável ante uma ameaça efetiva e eminente.

Com isso eu não quero dizer apenas que o sujeito que tem um medo ilusório, que, para ele, subjetivamente aquilo é verdade. Não, quero dizer que o estado dele é real. Se o sujeito está com medo de alguma coisa que não existe, nós podemos ver que ele está com esse medo, esse medo existe realmente.

Que Descartes experimentou e sentiu a dúvida universal, ele próprio o declara, e não temos razão para questioná-lo. Já não é tão segura a fonte, a origem, de onde ele tirou essa idéia. Ele diz que ela brotou espontaneamente da experiência vivida, do estado de incerteza em que o deixaram os ensinamentos recebidos desde a infância. Mas isso simplesmente não é verdade. Ele encontrou o argumento da dúvida universal pronto, com gênio mau, cogito e tudo o mais, numa comédia de Plauto escrita dezessetes séculos antes, que estava entre os seus livros de cabeceira (...)

Que ele não pode dizer que ignorava.

(...) e que ele não cita jamais.

Ou seja, ele copiou o argumento e escondeu a fonte.

Esta revelação pode parecer chocante o quanto se queira, mas não creio que as provas coligidas por Benjamin Garcia-Hernández, no livro Descartes e Plauto, possam ser um dia impugnadas (...)

As provas são arrasadoras. O argumento é exatamente como está no Descartes.

(...) nem restaurada jamais a crença na originalidade absoluta da hipótese cartesiana. O argumento da dúvida universal é um plágio em toda linha, mas isso não resolve, é claro, o problema de saber por que Descartes decidiu cometê-lo, não sendo estúpido o bastante para imaginar que passaria despercebido para sempre. O gosto do filósofo pela ocultação e pelo fingimento é bem conhecido dos historiadores. A divisa que ele adotou como regra de vida já diz tudo: "Larvatus prodeo" (eu caminho mascarado). Ele completava este lema com uma segunda máxima: "Quem bem se escondeu, bem viveu".

No meio de uma colorida vida social, ele sempre encontrou um jeito de manter-se escondido por longos períodos e de apagar tão habilmente as pistas dos seus passos, que até hoje os estudiosos não conseguiram decifrar alguns enigmas essenciais da sua biografia, como, por exemplo, o de saber se esse católico professo foi um aliado secreto dos protestantes na Holanda ou um espião a serviço dos jesuítas.

Ou as duas hipóteses. Passaram três séculos e meio, quatro séculos, e até hoje ninguém descobriu isso.

(...) Também não se tem a menor idéia da origem dos recursos financeiros que lhe permitam manter um padrão de vida de grand seigneur, sem nenhum emprego regular e sem que a venda das suas propriedades de família bastasse nem de longe para isso.

É ainda notável, no mesmo sentido, que justamente a obra na qual este pioneiro da ciência moderna explica a sua concepção científica do universo (O Tratado do Mundo) seja construída como uma obra de ficção, uma especulação imaginária, e que versasse, não sobre o cosmo físico acessível à experiência, mas sobre um universo hipotético que Deus teria ou deveria ter construído se ele fosse René Descartes. De modo que até hoje não sabemos exatamente se Descartes acreditava nas suas concepções cosmológicas ou se simplesmente se divertia em construí-las. Tudo isso não explica, no entanto, não explica porque Descartes escolheu o artifício da dúvida, que na peça de Plauto aparecia como uma farsa demencial.

Quer dizer, uma situação montada por um espírito maligno de propósito para enganar um outro.

A dúvida universal nada tem, com efeito, de uma simples hipótese filosófica. Ela é a antecipação atemorizante de um estado que, a rigor, nenhum ser humano pode vivenciar, só conceber imaginativamente por meio da ampliação hiperbólica de um temor irracional. Sobretudo se amputada da dimensão cômica que tem em Plauto, ela se torna a imagem temível da condenação eterna, da privação de todo contato com a fonte da certeza. A Bíblia descreve este estado como segunda morte. É o destino reservado àqueles que, em vida, se fizeram discípulos e seguidores impenitentes do pai das mentiras. O Catecismo da Igreja Católica, edição de 1982, ensina que esse estado se define essencialmente pela separação eterna, pela privação irrevogável de toda visão de Deus, portanto também pelo esquecimento irremediável das idéias eternas pelo naufrágio da mente numa agitação frenética, estéril, sem finalidade e sem fim, que é a imagem do inferno como fogo sem luz, bem apropriadamente resumo.

O fogo significa atividade mental, mas não tem luz: é a mente sem inteligência.

A incerteza total a que Descartes alude no começo das Meditações só pode ser compreendida como atemorizante antecipação imaginária da segunda morte. Motivos para temê-la não lhe faltava, mas dificilmente se poderia acreditar que lhes viam de remotas experiências vividas nos bancos escolares, pois, na verdade, a parte mais importante, criativa e decisiva da vida adulta de Descartes transcorreu em circunstâncias aptas para fomentar a incerteza religiosa e o temor da condenação eterna de maneira muito mais intensa e dramática do que qualquer coisa que possa lhe ter sucedido na juventude.

Ou seja, esse estado de incerteza ele estava vivendo como uma experiência presente no tempo em que ele estava presente na Holanda e na Alemanha já como um homem adulto, e não como mera evocação: "Ah, os jesuítas me ensinaram um negócio errado quando eu tinha 15 anos".

A.C. Grailing defende a hipótese de que Descartes era um agente secreto da Companhia de Jesus, portanto da família Habsburgo que governava a Espanha e que o enviou a Holanda como parte do seu projeto abrangente de recatolicizar os países protestantes. Isso bastaria para explicar porque Descartes passou tão longos períodos fora do seu país natal: não apenas ele tinha uma missão a cumprir, mas pela sua ligação com os reis da Espanha, ele se tornara persona non grata a Casa Real Francesa.

No entanto, seu envolvimento com os protestantes da Holanda foi muito mais sério e profundo do que se esperaria em tais condições. Praticamente todo o círculo dos seus amigos e dos intelectuais com que ali discutiu suas idéias constituía-se de protestantes. Ele chegou a participar, como voluntário, de operações militares sob o comando do príncipe Maurício de Nassau, sem prejuízo de que, um ano depois, ele se alistasse também no exército católico do Duque da Baviera. Para cúmulo, batizou na Igreja Protestante a filha que tivera com uma criada --- esta informação é certa, possui-se o registro do batismo.

Não há a menor dúvida de que esse católico professo batizou a filha na Igreja Protestante, o que na época era um negócio quase impossível. Pior: existem várias outras dúvidas, que eu esqueci de colocar aqui, para os outros itens que mostram a incerteza ou a ambigüidade ou o caráter escorregadio da atitude religiosa de Descartes. Por exemplo, é muito famoso o fato de que ele, querendo descobrir a ciência universal, fez uma promessa a Nossa Senhora de Loreto de que subiria de joelhos a escadaria da sua igreja, caso conseguisse descobrir. Isso todo mundo fala: "Descartes era um carola, um devoto". Só esquecem de dizer o seguinte: ele descobriu a tal da ciência e não cumpriu a promessa. Quer dizer, esse catolicismo dele não era tão sério assim. Ele era católico, mas nem tanto; era protestante, mas também nem tanto; era gnóstico, mas também nem tanto. Em suma: ele estava realmente num mar de dúvidas.

Consta também que na mesma igreja se casou em segredo com a mãe da criança. Não há provas documentais disso, mas é óbvio que os pastores devem ter imposto o casamento como condição para o batismo. Ao longo de todo esse tempo, Descartes assegurava em público a ortodoxia da sua fé católica, mas, seja em função do seu trabalho de agente secreto, seja por escolha pessoal (...)

Quer dizer, as duas coisas o colocariam numa posição bastante ambígua e difícil. Se ele era um agente secreto, tinha de mentir o tempo todo; se estava entre os protestantes, não como agente secreto, mas apenas por uma afeição sincera, então ele tinha de mentir para os católicos. A situação é psicologicamente perigosa pelos dois lados.

(...), o fato é que ele viveu anos a fio na fronteira entre as duas religiões inimigas, cultivando uma ambigüidade propícia a alimentar mais incertezas do que qualquer lição mal fundamentada que ele pudesse ter recebido décadas antes dos seus professores jesuítas no Colégio de La Flèche. Como se essa dose de ambigüidade não fosse o bastante, em 1619, ele parte da Holanda para a Alemanha, onde ele se liga à organização esotérica dos gnósticos, Rosa Cruz. Essa compreensiva acumulação de tensões espirituais acabará por explodir nos três sonhos que ele tem na noite de 10 para 11 de novembro daquele ano, nos quais ele verá uma revelação iluminativa e que decidirão de uma vez por todas o curso da sua vida interior.

Nós fizemos, no curso, já a análise desses três sonhos. Eu não preciso voltar nisso agora.

A esta altura, o enigma Descartes parece estar se tornando um pouco mais compreensível. Dividido entre catolicismo, protestantismo e gnosticismo, acossado pelo temor da condenação eterna e da perda de todo contato com a fonte divina da certeza, Descartes não estava lidando com um problema meramente intelectual, mas com um drama existencial profundo, do qual ele não poderia sair pela mera adesão formal a uma das três correntes e rejeição das outras duas, sem fazer inimigos por toda parte e sem abdicar do coeficiente de verdades que julgava ter obtido de cada uma delas [00:40].

Quer dizer, tem um drama externo, uma posição social difícil de sustentar. Mas não é só a posição social, é também uma divisão interna.

Excluída a possibilidade da solução teológico-doutrinal, que restava a Descartes senão transfigurar o drama num problema filosófico e tentar resolvê-lo por meio da razão natural, da busca de um ponto arquimédico puramente epistemológico, independente de qualquer tomada de posição religiosa? A comédia de Plauto forneceu-lhe a metáfora ideal para dar ao temor infernal da segunda morte a aparência de um problema epistemológico apto a ser enfrentado por meio da pura análise racional, sem apelo à fé religiosa.

Na hora que ele leu essa peça, [Descartes pensou] "pronto, é isso que vou fazer: vou pegar todo esse drama e transfigurar nesses termos, como se eu fosse esse personagem que foi colocado por um espírito maligno numa situação de dúvida total".

Se essa estratégia desemboca no círculo vicioso do eu que se proclama fonte autônoma da certeza ao mesmo tempo que admite a origem divina das idéias eternas, sem as quais não existiria a possibilidade da certeza, isso é menos o fracasso de uma investigação filosófica do que a confissão implícita de que não se tratava de um problema genuinamente filosófico, e sim de um drama religioso camuflado com a ajuda de um plágio sob a aparência da pura especulação filosófica.

Deu para entender? Então, o Martial Gueroult, que fez uma análise espetacular do texto das Meditações, não chegou a captar isso porque ele se ateve somente ao texto e à estrutura interna do texto, à argumentação. E é por isso que eu acho que o método dele não é suficiente, precisamos usar o método de Friedländer e perguntar: as idéias filosóficas do cidadão correspondem a que experiências reais? De onde ele tirou essa idéia? Se você for ver, Descartes tirou essa idéia da confluência casual, da feliz coincidência do estado de dúvida moral e religiosa com a leitura de O Anfitrião de Plauto. Então, acho que eu realmente matei o enigma, espero que sim. Depois tem muito mais.

Eu não vou nem continuar com o texto do Lavelle, que, em seguida, tem um trecho muitíssimo interessante, maravilhoso, mas que vamos deixar para aula que vem. Vamos fazer um intervalo e daqui a pouco eu vou chamar o Bruno, que vai dizer para vocês algumas coisas muito interessantes que ele andou descobrindo a respeito das utopias revolucionárias.

[intervalo]

Estamos de volta. Bruno, seja bem-vindo. É um grande prazer tê-lo aqui e uma oportunidade ímpar de termos um trailer, uma prévia do que será esse livro sobre as utopias revolucionárias. Como é o título do livro?

Bruno Garschagen: O título ainda não está definido. O título da tese de mestrado foi "Violência e Perfeição: um estudo sobre as utopias revolucionárias de Lenin e Hitler".

Olavo: Você pode dar aqui para os nossos alunos uma idéia de qual foi o seu ponto de partida? Parece que o ponto de partida foi realmente o meu estudo da mentalidade revolucionária, mas daí você ampliou o negócio, foi para regiões que eu nunca teria pensado. Você pode nos explicar isso aí?

Bruno: Claro. Primeiro, eu gostaria de agradecer o convite, é um prazer estar aqui. Fico muito honrado e agradecido.

Realmente, o meu ponto de partida foi os seus estudos sobre a mentalidade revolucionária. Nessa época, eu estava estudando em Lisboa, na Universidade Católica Portuguesa, e num determinado seminário, um seminário do Prof. Rui Ramos, sobre história das revoluções e história do pensamento revolucionário; e quando eu comecei a estudar para o seminário eu lembrei imediatamente das leituras que eu já tinha feito e dos vídeos que tinha visto sobre os seus estudos a respeito da mentalidade revolucionária. Propus este tema ao professor, ele aceitou, ficou muito entusiasmado e eu acabei escrevendo um ensaio, um paper, resumindo o seu argumento, a sua pesquisa, a pesquisa que estava basicamente em artigos de jornal, alguns artigos de jornal e nos vídeos. A parte maior das suas investigações, naquela época (estou falando de 2007), estava em vídeo. E eu fiz um trabalho condensando esses seus estudos.

Quando precisei definir o tema da minha tese de mestrado --- eu trato de tese, e não dissertação, porque eu tentei fazer, no mestrado, aquilo que se faz normalmente no doutorado, que é ter um argumento original e tentar uma pesquisa que, pelo menos, na sua abordagem e perspectiva, não tinha sido feita antes ---, eu peguei esses [seus] estudos e comecei a investigar, tentando fazer inicialmente um estudo sobre a mentalidade revolucionária. Como os seus estudos estavam, pelo menos naquilo que tinha sido publicado em vídeo e jornal, num aspecto embrionário, embora eu já soubesse, de forma privada, que esses estudos estavam avançando em forma de livro, que o senhor já havia anunciado, publicamente, que iria publicar, eu cheguei num impasse teórico. Se eu avançasse daquilo que eu tinha, eu faria um estudo meu e não seu, e de forma a preservar uma honestidade intelectual que todo investigador acadêmico e todo investigador latu sensu deve ter, eu não poderia avançar neste sentido, porque senão eu ia deixar de fazer uma pesquisa que era sobre os seus estudos e avançar sobre aquilo que eu imaginava ser a mentalidade revolucionária.

Mas, querendo manter essa idéia original, eu encontrei nessa pesquisa um grupo de autores que o senhor já tinha recomendado nesses [nos seus] estudos --- Thomas Molnar, James Billington, Norman Cohn ---, que eu já havia estudo para tentar compor esta idéia. E estudando outros autores, a partir desses, eu cheguei nesta idéia de utopia política. Embora a bibliografia ainda seja pequena, eu cheguei num grupo de autores que tratava desse tema. E se eu pudesse construir essa idéia numa imagem, a utopia política era um círculo maior dentro da qual a mentalidade revolucionária estava inserida. Não que ela fosse menor nesse sentido --- acho que ela explica, no comportamento, na ação humana, a própria manifestação de utopia politica. Mas eu achava que essa idéia mais abrangente da utopia politica poderia me fornecer o instrumental teórico que eu precisava para construir uma tese de mestrado. E foi por isso que eu decidi migrar desta idéia inicial de mentalidade revolucionária para a idéia de utopia política, que acabei desenvolvendo posteriormente.

Olavo: De algum modo, você ampliou o campo de observação. No estudo que eu fiz, vi que o problema era grande demais e que eu só tinha de pegar um aspecto. E eu peguei apenas o aspecto da estrutura lógica do discurso revolucionário. [pensei:] "Eu não vou investigar a origem, eu não vou tentar situar isso culturalmente segundo as épocas, não vou fazer nada disso, vou pegar só esse ponto e tentar resolvê-lo". Mas é claro que isso aí é um aspecto dentro do panorama muito maior, que você mesmo acaba abrindo este panorama.

Bruno: Exatamente. E como eu já tinha feito um estudo prévio, ou anterior, dessa teoria da mentalidade revolucionária, foi mais fácil na hora de ampliar o tema, porque eu já tinha entendido qual era a estrutura interna do fenômeno. Eu já tinha entendido como funcionava a cabeça desse revolucionário e na hora de investigar a utopia política enquanto fenômeno político eu consegui, já de antemão, ter uma idéia de como isso funcionava internamente. Então foi mais fácil desenvolver essa investigação.

O que é interessante da utopia política é que ela é um projeto baseado numa idéia prévia, e esta idéia prévia carrega uma contradição per si, quer dizer, uma contradição por si mesma, que é o seu caráter irrealizável.

A partir do momento em que um grupo político, uma ideologia política, tenta realizar um projeto que é intrinsecamente irrealizável, ele tenta realizar o que é irrealizável. Então há uma contradição na própria construção da idéia política, e ela [a contradição] faz parte da natureza da utopia política. Toda vez que você tenta realizar politicamente, quer dizer, concretizar esse tipo de idéia, [00:50] você converte essa idéia em outra coisa que não mais a utopia política. E este caráter contraditório, que faz parte da natureza da utopia política, é uma coisa que eu tentei desenvolver na tese.

A minha tese de mestrado tem duas partes. Na primeira, eu reúno um instrumental teórico tratando da utopia política e da mentalidade revolucionária --- tem um capítulo que trata desses estudos da mentalidade revolucionária que fiz previamente, baseado nas suas pesquisas, no qual trato também da idéia de espírito revolucionário e mentalidade revolucionária do Kolakowski. E a segunda parte da tese é uma tentativa de aplicar esse instrumental teórico nos dois grandes exemplos de utopia política do século XX, que é o comunismo, ou o bolchevismo russo, e o nazismo na Alemanha. Aí saio dessa discussão que qualifica ou enquadra politicamente o bolchevismo, ou socialismo russo, na extrema esquerda e o nazismo na extrema direita. Reúno essas duas famílias políticas dentro do que nomeio como "utopia política", ou "utopia revolucionária". Porque na primeira parte eu tento relacionar a idéia de utopia política com a mentalidade revolucionária, quando esses dois grupos teóricos se encontrar para formar o que chamo de utopia revolucionária, que trato na segunda parte, tentando enquadrar os dois fenômenos --- russo e nazista.

E o curioso é que Aurel Kolnai --- um filósofo político que usei na minha tese, citado pelo Roger Scruton em seu ensaio sobre utopia política no livro The Uses of Pessimism, que descobri quando estava estudando em Oxford --- trata esses dois fenômenos, o bolchevismo na Rússia e o nazismo na Alemanha, como utopias totalitárias, e também desse aspecto de contradição em si mesma existente na própria idéia de utopia política.

Olavo: Diga-me uma coisa. Naqueles estudos, eu adotei uma definição quase que provisória de revolução como um projeto de reestruturação total da sociedade por meio da concentração do poder. Ou seja, revolução se define pela união indissolúvel dessas duas coisas. Projeto de mudança social muita gente tem e projeto de centralização do poder também muita gente tem, sem ter nada de revolucionário. Por exemplo, se você pegar a famosa Constituição austríaca do [Engelbert] Dollfuss, era uma centralização do poder, mas para conservar a sociedade do jeito que estava, então não é um projeto revolucionário. Você acha que essa definição continua válida depois de você ter ampliado o raio de observação? Ela ainda se aplica ou você teria algo a acrescentar, ou a mudar nela?

Bruno: Ela se aplica perfeitamente e é usada também por outros teóricos. O próprio Isaiah Berlin, quando trata de utopias, fala disso, dessa idéia de reengenharia social, de redenção da natureza humana ou de alteração da natureza humana pela política. Esse aspecto do seu estudo foi mantido da forma original e referendado, ou ratificado, por outros grupos de teóricos políticos. Esse é um aspecto fundamental, porque ter uma utopia política e tentar realizá-la em termos de concentração de poder não explica como ela [a utopia política] se mantém mesmo que, ao se manter, já não seja mais uma utopia política5.

Olavo: Este é um dos aspectos mais fantásticos. Graças ao elemento da inversão do tempo, o que quer que aconteça no curso do processo sempre poderá ser justificado e integrado no projeto maior, mais abrangente e mais futuro. Então eu perguntaria para você: o caráter utópico, o caráter irrealizável das utopias não desde dentro de si um elemento de premeditação, quer dizer, um poder que vai se perpetuar de qualquer jeito, mesmo que ele não consiga fazer o que prometeu, e às vezes através do fracasso do seu projeto?

Bruno: Eu acho que sim. Diante daquilo que investiguei, acho que há duas dimensões. Uma, há um grupo de teóricos políticos e grupo de líderes políticos que tomam o poder, que já sabem de antemão que aquela idéia é irrealizável, mas para manter essa promessa é preciso realizar uma série de decisões políticas --- uma delas é a idéia de reengenharia social. E a segunda dimensão é um grupo de líderes políticos que acreditam de forma absoluta que essa idéia de mudança do ser humano, de reconstrução de um novo ser humano, é plenamente realizável. Então você sai, neste caso, do aspecto de uma dúvida razoável para uma crença absoluta de que esse projeto é completamente viável. Geralmente os líderes políticos que acreditam de forma absoluta e plena nesse projeto são os mais sangrentos.

Olavo: Você conhece o livro do Andrew Lobaczewski, o médico, Political Ponerology? Ele dividiria esses dois grupos, os que têm a premeditação total e que querem conservar o poder de qualquer maneira e os verdadeiros crentes, em psicopatas e histéricos. Os psicopatas espalham uma sintomatologia histérica por certo grupo social, e dali vão sair justamente os líderes mais devotados e os mais fanáticos, por assim dizer.

Bruno: Concordo. Embora que na minha tese, como era uma tese de filosofia política, eu não poderia avançar tanto nesse aspecto, por exemplo, pois tinha de ficar mais concentrado na idéia de filosofia política, no fenômeno político em si. Mas acho que se eu fizer uma investigação, não dá para acreditar que homens como Lenin e Hitler, que são os dois objetos de estudo da minha tese, sejam seres humanos sem qualquer tipo de psicopatologia.

Olavo: É impossível. Não dá para acreditar.

Bruno: É impossível você analisar também o fenômeno político desconsiderando isso, embora na minha tese eu fosse obrigado a fazê-lo, por ser uma tese de filosofia política. Mas se você investiga a origem primeira da ação daqueles dois indivíduos, esse tipo de reflexão vem à tona e torna possível empreender uma pesquisa muito interessante, ter descobertas muito ricas sob o ponto de vista de explicar posteriormente o comportamento político dessas figuras.

Olavo: O Lobaczewski diria que o primeiro tipo se caracteriza pela mendacidade intrínseca, pela sua total incapacidade de assimilar valores morais ou compromissos morais. E que o segundo, o dos histéricos, é um auto-engano. Quer dizer, o fingimento histérico, quanto mais o nego finge, mais ele acredita naquilo. São tipos realmente diferentes.

Diante disso, surge-me uma pergunta: quando o nosso Lula diz que "nós não sabemos o tipo de socialismo que queremos" --- eu acho que, na história da América Latina, é a frase do século ---, ou seja, estamos fazendo tudo isso, não sabemos para quê. Como você colocaria esse fenômeno, que é tipicamente brasileiro, dentro do quadro geral das utopias? Porque ele não quer formular uma utopia e ao mesmo tempo ele é visto como a encarnação de uma esperança utópica, que seria a utopia sem ideologia utópica. Até hoje não entendi esse fenômeno. Você entendeu alguma coisa?

Bruno: O Lula já declarou várias vezes que só lia revista em quadrinhos, então não dá para esperar que alguém que só leu revista em quadrinhos tenha uma compreensão ideológica, que tenha essa construção ideológica anterior e depois manifestá-la no exercício do poder. Você pode considerar o Lula como um personagem político muito hábil. De uma forma muito rudimentar, ele soube aproveitar aquelas veredas de poder que se apresentava no sistema político brasileiro, e tinha um grupo efetivamente ideológico que o vendeu para a sociedade, que de certa forma o alimentou. Mesmo que ele não tivesse apreendido de forma mais refinada qual era o conteúdo ideológico dessa mensagem, ele estava cercado de muita gente [ideologicamente formada], que foi responsável por esse aparelhamento que se tem hoje na política, na cultura, nas universidades do Brasil.

Eu acho muito difícil tentar explicar o Lula de uma forma racional, ou trazendo elementos da filosofia política, porque acredito que ele está fora disso.

Olavo: Eu acho que ele não pode ser explicado nem pela psicopatologia.

Bruno: É um fenômeno histórico que talvez, nessa área, seja melhor enquadrado do que na área de filosofia política.

Olavo: Acho [1:00] que nenhum cientista social europeu jamais vai conseguir entender este nível de confusão mental brasileiro, porque não há instrumento para isso.

Mas uma coisa que eu queria perguntar é o seguinte: dentro desse estudo --- tem-se uma série de traços comuns, tanto no aspecto de mentalidade revolucionária quanto no propósito utópico, no nazismo e no comunismo ---, como você descreveria a diferença essencial entre os dois?

Bruno: Eu arriscaria dizer, e foi o fruto da minha tese, que não há uma diferença substantiva entre os dois, que a diferença é mais aparente, no exercício do poder. Há mais uma aparência de dessemelhança do que propriamente uma diferença substantiva. Toda aquela proposta de futuro utópico, de redenção do ser humano pela política, de que é preciso um líder ou um grupo de líderes para conduzir a sociedade para a construção de um futuro perfeito, é muito parecida [em ambos].

No nazismo, você tem a proposta de unificação de uma determinada raça que assumiria o poder durante mil anos --- não sei por que mil, e não dois ou cem mil, e acho muito pouco pela ambição desmedida que havia no próprio Adolf Hitler e naquelas pessoas que o cercavam. Na Rússia, essa natureza era muito parecida, substantivamente era igual; na Rússia tem-se um exercício de política que diferia, a proposta política era outra, mas a parte substantiva era exatamente a mesma, de acordo com a [idéia de] utopia política.

Olavo: É curioso que o lado nacionalista da história do nazismo, que poderia ser tomado como um elemento diferencial, você vê no próprio Stalin que apelou a uma ideologia nacionalista durante a Guerra, de maneira que ficaram muito mais parecidos do que seria de se esperar.

Bruno: Exatamente. Essa proposta nacionalista era uma contradição àquilo que o Marx defendia. Aí já se tem uma aplicação corrupta da ideologia marxista primeira, na qual acreditava que uma vez empreendido qualquer tipo de nacionalismo, ele iria corromper a idéia primeira, que consistia na aplicação do marxismo político. E então o Stálin usa isso de uma forma muito hábil --- acho que o Lenin jamais usaria essa idéia nacionalista no poder, embora ele pensasse em resgatar características antigas da Rússia camponesa etc. Esses personagens políticos são muito contraditórios, embora tentem ideologicamente, ou teoricamente, formular uma identidade política sólida e correta. O nacionalismo como foi usado na Alemanha, foi usado na Rússia para construir uma identidade única de povo que não tinha uma identidade única, existiam grupos nacionais dentro de um determinado território. Como é que você constrói isso sem ser pela ideologia? O Stalin, acredito eu, reconheceu muito cedo que só a ideologia não uniria os russos num mesmo caminho, ele tinha de apelar para outra coisa; ele tentou apelar a isso com a idéia da mãe Rússia.

Olavo: Essa duplicidade de línguas e essa mudança --- todos os camaradas mudam de discurso --- a mim parecem um elemento intrínseco da própria mentalidade revolucionária, eles são assim. Não é que eles usam a língua dupla por um artifício ou por tática, eu acho eles são assim mesmo.

Bruno: Dependendo do personagem político, tem uns que usam [a duplicidade de línguas, o paradoxo ideológico] quase como uma reação instintiva no exercício da política, e acho que outros, como Goebbels na Alemanha, racionalizam isso de uma forma mais clara --- "quando isso nos interessa, isso é desse jeito; quando não nos interessa, não é desse jeito" --- e se apropriam das coisas que estavam ali a seu favor, que poderiam ser usadas por um adversário, por exemplo.

Olavo: Neste sentido, ele era até ingênuo porque declarava o que estavam fazendo, declarava a sacanagem: "Nós vamos enganos vocês mesmo".

Bruno: Isso na Alemanha era mais claro do que na Rússia, não sei se pelo fato dos nazistas terem percebido muito cedo o poder da comunicação de massa. Na Rússia foi de uma forma mais lenta, a de comunicação massa foi usada com cartazes, com alguns discursos; mas na Alemanha o grau de sofisticação e profissionalismo era muito avançado.

Olavo: E, na Alemanha, havia muito mais a presença física do Hitler em tudo quanto era lugar, ao passo que na Rússia eles falavam do Stalin mais de longe, como uma figura mítica, e o Stalin também não tinha a desenvoltura cênica que o Hitler tinha. Você ouvindo o Stalin falar, parece um professor de ginásio, fala muito modesta. Eu acho que o uso da personalidade dos líderes carismáticos foi completamente diferente por causa das possibilidades cênicas de cada um.

Bruno: Acho que sim. Porém, de todos os momentos dos quais conversamos sobre as diferenças, elas são sempre aparentes, nunca é o núcleo do fenômeno. E na Rússia, tinha-se o Estado e o partido como os grandes agentes políticos. O Stalin era visto como aquela figura política grandiosa, mas, acima do Stalin, o mais importante era o partido e o Estado. No caso da Alemanha, essas coisas se confundiam. Adolf Hitler, o Führer, era o próprio Estado, quase não se tinha o Estado alemão acima de Hitler.

Olavo: Foi Hitler quem inventou o movimento, ao passo que Stalin representava um movimento que já existia há 70 anos, não poderia, assim, aparecer como o criador de tudo.

Bruno: Exatamente.

Olavo: Você tem razão, é uma diferença mais acidental do que substantiva.

Bruno: Enfim, a idéia da tese foi explicar essa forma substantiva do comportamento dos dois. Por isso que eu quis sair dessa dicotomia entre esquerda e direita, seguindo uma dica de um dos textos iniciais seus sobre [o assunto]. Aliás, não foi nem um dos textos iniciais, foi uma entrevista que o senhor me concedeu à revista Atlântico, que está no site, na qual o senhor dizia que, quando começou a investigar o fenômeno, saiu dessa dicotomia entre esquerda e direita para tentar entender o fenômeno. Se se mantivesse nessa linha entre esquerda e direita, essas confusões iriam aparecer e de certa forma encobririam a natureza do fenômeno.

Olavo: Encobrir o ponto que eu queria [estudar], que era a estrutura lógica interna do discurso revolucionário. Mas eu não consegui terminar esse livro até hoje, porque para explicar o problema da mentalidade revolucionária, teria de explicar a paralaxe cognitiva. A paralaxe cognitiva implicava em vários estudos sobre filósofos em particular, como Descartes, Maquiavel, Hegel etc., que estou fazendo até hoje. E agora que estou terminando a explicação sobre Descartes. Acho que esse livro não sairá tão cedo, na verdade ele está se desdobrando em muitos livros mais ou menos independentes.

Mas o material que você tinha na mão era apenas o que saiu em entrevistas, em algumas aulas e em artigos. Eu também tenho muito mais a dizer a respeito, mas este algo mais está sendo desdobrado em vários livros.

Descartes é um caso característico de paralaxe cognitiva: ele está pensando uma coisa, mas está falando de outra completamente diferente, sendo difícil saber até onde há fingimento proposital ou confusão de fato. O Lobaczewski coloca essa mistura do fingimento proposital com a confusão de fato como sintoma histérico, não psicopatia. O psicopata tem consciência de tudo o que está fazendo em todo o seu fingimento, essa é a maneira dele ser. Como é que você analisa, deste ponto de vista, o fenômeno PT? que é um partido que conseguiu uma hegemonia total e, no fim das contas, quase um controle total da vida política. Não se tem mais vida política no Brasil, você só tem administração e, de vez em quando você tem protestos morais, por exemplo, contra aborto, contra isso ou aquilo. Como é que conseguiram isso, sem ter sequer formulado uma ideologia revolucionária capaz de aglutinar as massas? Eu acho este um dos fenômenos mais esquisitos do mundo.

Bruno: Eu acho que o que eles fizeram foi se apropriar daquilo que já tinha sido feito, experiências de outros lugares, e refinar isso de forma que se apresentasse como palatável. Antes de o Lula conseguir se eleger, o discurso era muito violento, era um discurso antigo. O PT consegue se apresentar para sociedade enquanto não-PT, embora tenha feito todo o dever de casa, com aquelas pessoas que o fundaram e com os que se aliaram em algum momento depois, uma vez criado o partido

As pessoas que estavam lutando [1:10], a partir de 64, contra a ditadura dentro das universidades, que eram ligadas a alguma esquerda, achavam que a sua missão --- enquanto acadêmico ou professor, seja um professor universitário, seja um professor de nível fundamental ou médio --- era, na visão gramsciana, formar intelectuais orgânicos; não era dar aula, não era ensinar os alunos ou fornecer-lhes instrumentos básicos para o aprendizado, era formar um determinado tipo de cidadão. Essas pessoas se juntaram a uma proposta de partido, quando o PT foi criado, e o partido teve como capital de experiência todos os erros dos partidos de esquerda do mundo inteiro, se apropriando disso de forma muito eficiente. O PT só conseguiu o que conseguiu porque foi muito eficiente naquilo que fez. Nós podemos criticar o PT de todas as formas que deve ser criticado, mas se pode ser feito um elogio, nefasto que seja ou soturno, ao PT é que eles foram muito eficazes naquilo que fizeram. E foram muito eficazes porque não tiveram nenhum tipo de oposição.

Olavo: Nunca tiveram.

Bruno: Nunca tiveram porque os outros partidos faziam parte de outras esquerdas, então, de certa forma, comungavam de um projeto comum. Não havia uma ideologia política ou uma postura política muito bem definida no Brasil para se contrapor a este projeto de poder. Eu acho que a aliança dessas duas coisas --- aproveitar-se de um capital, de uma experiência mundial e junto com essa falta de oposição --- permitiu com que o PT, enquanto oposição ainda, aparelhasse o Estado. Quem eram os funcionários públicos? Quem eram os professores universitários? Quem eram os professores que estavam nas escolas, ensinando as crianças e os adolescentes?

Olavo: A esquerda já tinha a hegemonia dessa gente antes do PT.

Bruno: Já tinha. O que o PT fez de forma muito eficiente, repito, foi se apoderar disso tudo que estava construído. Como é que você se apodera de uma idéia ou daquilo que foi construído, mesmo que tenha de mudar aquilo a seu favor, para a construção de um projeto? Essa é a forma. Eles conseguiram fazer isso. E quando não tem oposição é muito mais fácil.

Olavo: Você concorda com a minha idéia de que os militares demoliram a direita ideológica?

Bruno: Completamente. No Brasil, nunca tivemos uma direita ideológica muito bem construída.

Olavo: Era uma coisa incipiente, começou ali na UDN, o Carlos Lacerda.

Bruno: O que sempre tivemos no Brasil República foram personagens políticos ou personalidades políticas que tinham, individualmente, ideologicamente, uma construção muito segura do que era uma direita, do que era um projeto de direita. Que direita era essa? Era preciso explicar de acordo com o personagem. O Carlos Lacerda é um deles, ou talvez seja o maior deles, a partir da República. Talvez seja o Carlos Lacerda a figura que concentra (era um homem que saiu da esquerda) essas qualidades: era um intelectual, tinha pretensões de ser um ideólogo, só que estava dentro da UDN e depois da Arena, que era um saco de gato danado. Quem você pode tirar de dentro deste partido, que o Lacerda fazia parte, quem era o grande nome, a não ser o Lacerda? Eu não sei. Quanto mais eu leio sobre a Arena, mais eu vejo a Arena como um PMDB de direita na época: grupos que se digladiavam ali dentro pelo poder não era essa coisa refinada de disputa de idéias políticas, não era muito isso. O Lacerda, acho, tinha isso muito claro, mas os outros... Posso estar enganado, mas eu não vejo o partido como unidade ideológica que concentrava o grande pensamento de direita. E se voltarmos para a Monarquia, sim, podemos ter uma discussão no Brasil de um período em que houve efetivamente, embora, obviamente, dentro dos partidos ali, tanto o partido conservador quanto o partido liberal, tinham pessoas que estavam ali em busca de poder e dominação da sua região. Mas você tinha um projeto de partido e um projeto de poder, e políticos filiados a esses partidos que tinham uma idéia clara de que ideologia era essa e qual era o seu papel dentro dessa agremiação política. Depois da República, eu acho que não. E aí, concordando com o que você disse, o regime militar, acho, foi a pá de cal dentro dessa direita política que já estava morta a partir da República.

Olavo: Eu tenho a impressão --- já expliquei isso em artigos, mas não pude pesquisar a coisa a fundo --- que os militares ainda eram de formação positivista e a concepção que eles tinham era do governo tecnocrático. E o governo tecnocrático implica o estrangulamento do debate político. Então não há política, não havia uma ideologia de direita para ser pregada, não: aqui você tem o governo, os militares e os funcionários, e um [1:15:37**]. Então essa é a concepção tecnocrática. E para realizá-la, eles afastaram ou eliminaram as lideranças conservadoras que podiam estar no caminho, como o Carlos Lacerda, por exemplo. Então, quem acabou com a direita no Brasil? Foram os milicos. Quando este pessoal da esquerda voltou, eles já estavam arrombando uma porta aberta, não tinha uma oposição ideológica, ao passo que, durante o regime militar, o pessoal da esquerda teve um intenso debate ideológico e teve espaço livre para conquistar as universidades, a mídia inteira. Isso é a coisa fantástica: em pleno regime militar, a mídia era inteiramente dominada por comunistas. Os militares nunca fizeram nada para atrapalhar isso aí.

Bruno: As principais editoras: a Civilização Brasileira, Paz e Terra [e] Zahar.

Olavo: Brasiliense. É tudo comunista. Algumas eram editoras oficiais do Partido Comunista. Então não era dominação vagamente esquerdista, era dominação do Partido Comunista mesmo. O Ênio Silveira, dono da Civilização Brasileira, pouco antes de morrer, me confessou que a editora dele sobrevivia com a ajuda do governo. Ele disse: "De vez em quando me punham na cadeia por dois dias, daí eu saía de lá ia pedir dinheiro para o Golbery, e ele dava". Isso é coisa característica da época.

Bruno: Coisa fantástica que revela muito de como a política brasileira foi sendo construída --- isso de "você é meu amigo, me arranja uma coisa aí, vamos tocar isso aqui junto", mas sem haver uma contraposição. Para haver debate de idéias é preciso que haja duas idéias diferentes. Se não há duas idéias diferentes, ou duas ideologias diferentes, ou dois projetos políticos diferentes, não há como ter embate, o que você tem é um rearranjo de forças políticas. Qual é a oposição que tem ao PT? Quando o PT ganhou com o apoio do PMDB, alguns analistas políticos diziam que a única oposição que o PT efetivamente teria era a do PMDB. Mas não era uma oposição de idéias, era oposição de "olha, me dá o meu...".

Olavo: Oposição de cargos, exatamente.

Bruno: Era assim, o que é um quadro muito trágico em termos de política formal no Brasil. O que eu lamento é que os projetos que estão aparecendo, do poderia ser uma "nova direita", são uma tentativa de retomada de uma idéia que naufragou, porque já era errada na época. Eu não sei, mas eu insisto nisto: antes até de ter um projeto de um partido político, é preciso que haja uma idéia que seja construída, formulada e desenvolvida, e que esta idéia, de alguma forma, seja capitalizada dentro da sociedade; ela tem de criar uma determinada cultura, mesmo que seja numa parte da sociedade, porque se você não constrói isso, vamos continuar a ter no Brasil uma proposta política que é ditada de cima para baixo. Nunca surge de dentro da sociedade e que constrói um projeto político que seja antagônico a isso. Se você constrói um partido com um grupo que toma o poder, que seja vitorioso, que seja de direita, é este partido depois que irá construir uma sociedade de direita? Isto não entra na minha cabeça.

Olavo: É usar o método revolucionário: a elite iluminada que vai fazer tudo de novo. Cair pela milésima vez no mesmo erro?

Bruno: E então, para a sociedade que vê um partido que se apresenta como uma oposição àquele que estava no poder e que o derrubou, parece o seguinte: por que vou votar num projeto que me é apresentado como antagônico, mas que está se comportando exatamente igual aquele? Por que eu vou retirar aquele do poder? Porque eu vou querer esse no poder, se são iguais? Vou manter aquele que já conheço. Até a mensagem que se passa para a sociedade é a pior possível.6

Olavo: Então você concorda que, antes de pensarmos em qualquer alternativa política para o Brasil, temos de [1:20] intensificar o debate de idéias, a vida intelectual. Sem isso, não se faz nada. Veja, o falecido Roberto Campos, calculava em 30 anos. Ele dizia: "Entre uma revolução intelectual e uma revolução política passa-se, no mínimo, 30 anos". Concorda com esta estimativa?

Bruno: Concordo. Acho que no caso do Brasil é uma estimativa até bastante otimista, porque o que você precisa construir hoje é a idéia de direita. É preciso, primeiro, que haja essa idéia, que haja pelo menos um projeto, uma idéia inicial, e que essa idéia seja desenvolvida, apresentada, discutida, debatida. E não estou nem falando discutida, debatida, no sentido comunista do termo, que leva uma vida inteira para fazer isso, em que você marca um jantar para decidir qual vai ser o outro jantar, não é essa a idéia.

É preciso que isso seja feito e que tenha valores da sociedade. Não pode ser um simples projeto descarregado na sociedade, de onde isso deve emanar. Porque isto acontece também, projetos políticos que não têm absolutamente nada a ver com aquela sociedade onde estão sendo criados. Para mim é um grande mistério, até hoje, o fato de a Rússia ter aceitado um projeto comunista, se eles eram uma minoria reduzidíssima dentro daquilo7. Uma das explicações é que o regime czarista deixou a Rússia num estado de miséria econômica tal, que se criou as condições econômicas e sociais que permitiram que qualquer projeto que se apresentasse como antagonista àquele, para melhorar a vida das pessoas, fosse vitorioso.

Olavo: O governo do Czar também era centralizador, também era estatista.

Bruno: Essa é a segunda coisa.

Olavo: Eles não tiveram de estatizar nada, já estava tudo estatizado.

Bruno: Esse é um problema sério. Quando você oferece uma alternativa política e, na prática, mantém a antiga política centralizadora é mais fácil para a sociedade assimilar, pois já estava acostumada com um regime opressor.

Por exemplo, o caso da China, um sistema --- o regime do imperador --- que durou tanto tempo é substituído por um regime comunista, como foi que aquilo continuou sendo feito? A relação de poder entre o indivíduo chinês e a autoridade se manteve praticamente a mesma. Mudou a figura do imperador para a figura do partido, mas a figura do partido é identificada com a figura do Mao Tsé-Tung --- foi quase como tirar o imperador e colocar o Mao. Aquela perspectiva de como obedeço à autoridade e a minha relação de autoridade era quase que trocar seis por meia dúzia, afinal a violência havia durante o regime do imperador. Determinadas práticas fazem com que determinadas ideologias sejam aceitas de forma mais fácil porque repetem práticas. Eu não faço a menor idéia de como seria se se tentasse uma coisa de muita liberdade na Rússia ou na China.

Olavo: Também não tenho a menor idéia.

Bruno: Poderia resultar numa civilização muito rápida, fácil, ou qualquer coisa que não sabemos. Quando eu estava estudando em Lisboa, estive na Embaixada da China, a convite de um diplomata chinês, convite esse que se deu durante um almoço no Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa. Estávamos conversando durante o almoço e ele, muito gentil, me convidou para ir à Embaixada da China. Eu fui, conversamos e fui perguntando algumas questões de forma muito franca, uma delas foi: "por que o partido comunista da China é tão centralizador e faz de tudo para manter esta estrutura de poder?" Eu não estava esperando, obviamente, uma resposta muito sincera, mas o que ele pudesse me responder me daria algum sinal. A resposta imediata que ele me deu foi o seguinte: "se o regime, hoje, deixasse de ser forte como é, o país se desfragmentaria e o povo chinês não conseguiria viver da maneira que vive, porque já está acostumado com esse tipo de coisa". Daí eu perguntei qual é o problema de isso acontecesse. "A China deixaria de ser o que é", foi o que ele respondeu. Bom, aí não teve como avançar a conversa, porque a China como é, é a China do jeito que o partido comunista imagina.

Olavo: Na Romênia, eu tive uma experiência interessante. A Roxane, as crianças e eu fomos ao cinema, e não tinha lugar. Embora que eu tivesse comprado o bilhete e ter direito ao lugar. Então fui pedir gentilmente, disseram "não, não pode". Daí eu lembrei a estrutura autoritária do romeno e comecei a gritar. Na hora em que comecei a gritar, resolveu. Por quê? Se alguém grita, os eles já [pensam]: "Opa, esse cara é da Securitate, é do governo, conhece alguém lá em cima. Se ele tem coragem, é porque ele tem as costas quentes". Imediatamente apareceram as cadeiras.

Na Romênia todo mundo é assim, todo mundo de cabeça baixa. Se você grita, eles acham que você tem proteção do governo. Isso se impregna na cabeça [das pessoas] e dura muito tempo.

Bruno: É o mesmo mecanismo do terrorismo. O terrorismo é tão eficaz não porque eventualmente mata uma ou outra pessoa, ou cem pessoas ou mil, é porque o terrorismo faz com a sociedade acredite que ela é vítima sistematicamente de algum tipo de violência. Essa sensação de terror faz com que o terrorismo seja tão eficaz. E nesses países comunistas, ou nazistas, ou qualquer tipo de estrutura ditatorial ou autoritária, o terror de que aconteça algo ao indivíduo ou à sua família faz com ele sequer tenha condições de reagir contra a essa estrutura de poder. Esse é um dos mecanismos que faz com que esses regimes se mantenham.

Olavo: Eu tenho mais duas perguntas para você. A primeira é sobre a história do Brasil e a segunda é sobre a sua posição pessoal. Com relação ao Brasil, por que a história do Brasil dos últimos quarenta anos não foi escrita? Tivemos mudanças sociais, culturais, econômicas --- fantásticas---, e isso não está documentado em parte alguma, de maneira que a nova geração entra no mundo sem ter referência nenhuma do ontem, do que aconteceu. As pessoas não sabem de nada e, pior, elas vêem a sociedade neste caos e acham que sempre foi assim, que isso é natural. O que você acha que aconteceu com os historiadores brasileiros? Eu tenho a impressão de que eles ficaram hipnotizados com o regime militar, pois só escrevem sobre isso. Ou seja, experiência daquele círculo de esquerdistas, que não tinha mais de 10 mil pessoas, virou a história do Brasil e é ensinada no país inteiro. E a história dos outros, dos cento e tantos milhões? Não está em parte alguma, e isso é um problema sério. O que você acha que aconteceu com os historiadores brasileiros? Isto é sacanagem, é incompetência, é medo, é o quê?

Bruno: Eu vou falar do pequeno universo que conheço. Eu não sei o que está sendo feito na área acadêmica, por exemplo, para trabalhar essa historiografia nacional. Os livros que vemos ser lançados estão muito voltados para a questão do regime militar, inclusive no que se refere à literatura, embora seja uma parte menor. A maior parte dos escritores mais novos está preocupada com questões urbanas, sociais etc., com quem fumou o que, quem bebeu quanto; eles estão preocupados com essas coisas. Mas eu acho que ainda é ressaca do período do regime militar. Acho que, na parte da cultura, está tudo no ar e a coisa está sedimentando.

Olavo: Aquele título do livro do Zuenir Ventura ficou profético: 1968, o ano que nunca acabou. Não acabou mesmo, os caras só falam disso. Pessoas que nasceram muito tempo depois do regime militar estão com a cabeça no regime militar, achando que aquilo explica tudo.

Bruno: Pois é. O pior é que havia um regime com determinada ideologia, e então o país se abre. Tinha-se no fim do regime militar, e no início do período democrático, o início vários grupos políticos que se apresentam para a eleição presidencial, no entanto a maioria naufraga. Os projetos de poder desde então não são totalitários, mas ratificam e legitimam uma visão que foi construída dentro das universidades, que formou a cultura. Então quando se tem essa formação cultural que ratifica, ou institucionalizado, aquilo que está sedimentado na política é muito difícil sair disso. É como se construísse um cercadinho e a cultura nacional ficasse dentro desse cercadinho. Eu acho que já existem alguns intelectuais e historiadores que estão ensaiando a construção de uma obra que saia desses grilhões. Mas isso leva tempo.

Olavo: O que hoje se chama história contemporânea do Brasil é a história interna da esquerda, assim como o debate político é o debate interno dela, então não se tem uma visão geral da sociedade. Por exemplo, o pessoal que entra hoje na escola, com 14-15 até 20 anos, [1:30] acredita que na ditadura havia um controle totalitário da sociedade e que depois veio a liberdade, quando é exatamente o contrário. A ditadura não fez o menor esforço para controlar a opinião pública, zero, ela deixou tudo na mão dos esquerdistas. Ela só utilizava-se de censura para proibir esta ou aquela notícia que militarmente ou policialmente pudesse ser prejudicial a eles, mas nunca fizeram o menor esforço para dominar as editoras, para dominar os jornais, para dominar a televisão; nada, deixaram tudo na mão dos esquerdistas. Hoje se tem um controle da opinião pública muito mais severo e muito mais opressivo do que se tinha na época. Por exemplo, se você perguntar quantos esquerdistas estavam nas redações de O Globo ou do Estadão --- eu estava lá, no Estadão, no *Jornal da Tarde ---, "*quantos esquerdistas tinham ali?" Eram quase todos. E direitistas? Tinham uns cinco ou seis. Qual é a diferença hoje? Não tem mais os cinco ou seis direitistas. Não tem e não pode ter.

Saiu um artigo do Luís Garcia, outro dia, dizendo que a ditadura não admitia que ninguém tivesse opinião contrária. Eu pergunto: então como é que você ficou na direção de O Globo, meu filho? Ele e todo mundo. Todos os diretores de jornais eram esquerdistas. Eu os conhecia todos, o Cláudio Abramo, o Mino Carta, o Luis Garcia; todos estavam por cima da carne seca. Mas quantos direitistas têm hoje? Direitista mesmo para valer, cara tipo TFP, não tem nenhum. Tem os liberais, dois ou três que eles admitem um pouquinho. Mas mesmos estes... Ele disse8: "Uma época achamos que tinham muitos esquerdistas na página da opinião de O Globo, então nós contratamos um direitista, que era o Olavo de Carvalho, coisa da qual depois muito nos arrependemos". Ou seja, um para cem para ele é demais, não pode, tem de ser zero para cem.

Hoje você tem um controle totalitário da opinião pública, coisa que não tinha durante a ditadura. E é algo que ninguém sabe, que, se você fala, as pessoas levam um choque, acham que você está louco. Mesmo dizendo que eu estive lá, que era assim, assim e assim. Eles já estão tão preparados para acreditar numa versão mítica e estereotipada da ditadura que acreditam realmente que a ditadura controlava, por exemplo, a mídia.

Eu trabalhava no Jornal da Tarde onde o censor não entrava nem na redação, porque Ruy Mesquita não deixava. O cara ficava na portaria, não podia nem subir a escada, coitado. Ele, de vez em quando, censurava uma notícia ou outra que acabávamos publicando três ou quatro dias depois, quando ele esquecesse daquilo. Esse foi o máximo de controle que teve. O governo jamais tentou, por exemplo, trocar um diretor de redação, nunca. Quem dirigiu a Folha durante todo o regime militar? O Cláudio Abramo. O próprio Jornal da Tarde? O Mino Carta. O pessoal não sabe avaliar. Controle ditatorial da opinião pública existe hoje, a ditadura não fez isso porque não ligava para o lado cultural da coisa, eles só pensavam em termos militares, para combater a guerrilha. Para combater a guerrilha, até eles tentavam lisonjear e seduzir a esquerda pacífica que, enquanto isso, foi tomando a universidade, a mídia e todo o resto. O governo militar fez isso. Eles não agradecem ao governo militar toda a ajuda que receberam.

Outra coisa, que eu até escrevi também no livro O Exército da História do Brasil, em março de 64 tinha-se um monte de organizações direitistas que estavam se armando para matar comunistas. Então o falecido Ubiratan Borges de Macedo disse: "No porão da organização tal, que era uma organização direitista e católica, está cheia de metralhadora para nós. Os milicos, quando tomaram o poder, tomaram nossas metralhadoras". Então, não houve uma sangueira, não houve uma noite de S. Bartolomeu, porque os milicos não deixaram. A esquerda deve a sua sobrevivência aos milicos, senão não teria sobrado um. São coisas que ninguém sabe. Toda a história desse período não foi realmente contada, e ninguém quer contar.

Por exemplo, você acha possível, remotamente possível, escrever a história da esquerda brasileira daquele período, a história da guerrilha, sem abrir um único documento do arquivo de Moscou? Cada vez que vão lá e abrem descobrem alguma coisa que não presta. Tem aquele mito da Olga Benário que era vítima inocente e tal, o sujeito foi lá, passou três dias dentro do arquivo e descobriu que ela era agente do serviço secreto militar soviético. E os outros, e os outros "inocentes" que foram mortos? É claro que homicídio é homicídio, mas não é a mesma coisa matar um inocente e matar um agente secreto que está a serviço de uma potência genocida. Os caras não querem abrir arquivo, mas é lá que a verdadeira história está documentada, nos arquivos de Moscou. Por que não vão lá? Ah, isso ninguém quer.

Bruno: Eu acho que tem uma parte também que estão nos arquivos militares.

Olavo: Milico esconde aquilo que falaria em defesa dele próprio.

Bruno: Eu acho que há muita coisa ali que vai revelar coisas interessantes.

Olavo: Eu vou contar um episódio que é bom até para os alunos também. Quando assinaram o Vladimir Herzog, eu fui um dos primeiros que denunciaram a coisa, no jornal do sindicato jornalístico, em que eu estava na equipe. Antes que qualquer jornal grande falasse da coisa, fomos nós, do sindicato, que levantamos a gritaria contra o homicídio do Vladimir Herzog. Só que naquela hora o cara me parecia realmente uma vítima inocente por não estar ligado à guerrilha. Mas pensa um pouco: o cara não estava ligado à guerrilha --- ele era da esquerda "pacífica" do Partidão. Ora, os caras do Partidão estavam livres, dominando as redações, por que pegaram este um? Por que ele era esquerdista? Não é possível, porque os outros também eram esquerdistas. Que tinha de especial nele? Só saberemos disso se abrirmos os arquivos de Moscou e averiguarmos se Vladimir Herzog não era de fato um agente da KGB no Brasil. Mas quem quer responder essa pergunta? Ninguém. Nem mesmo os milicos querem porque se for destampar a latrina da KGB... Tinha tanta KGB no Brasil. A KGB grampeou a sala do Presidente da República, do Figueiredo. Para você ver até onde eles conseguiram chegar.

O Ladislav Bittman, que era o chefe da KGB no Brasil, disse que em 64 tinha mais de uma centena de jornalistas brasileiros na folha de pagamento da KGB. Quem quer que esta informação se divulgue? Ninguém quer porque os jornalistas ainda estão aí, eles são gente importante. Então a história do período não pode ser contada. Depois que começaram a abrir os arquivos de Moscou, por exemplo, a história dos EUA mudou tanto, mas tanto. Eu estava até lhe falando do livro da Diana West, no qual ela diz: "A penetração da KGB no serviço secreto americano --- a então USS que depois virou CIA --- foi mais do que uma infiltração, foi uma ocupação". Mas isso eles sabem hoje, depois que abriram os arquivos de Moscou. Então por que não abrir os arquivos com relação à história do Brasil, quando se sabe que lá tem muito mais documentos do que os nossos milicos têm?

Bruno: Se abrisse os dois, haveria um material farto.

Agora, voltando à questão que você me perguntou inicialmente, se o que falta são historiadores ou material. Eu acho que inicialmente o que falta é interesse de pesquisar essas coisas, mas acho que já temos um grupo de pessoas, embora pequeno, que tem condições para fazer isso. Se vai fazer ou não, eu realmente não sei. Se esse grupo pequeno fizer efetivamente alguma coisa, seja na área da historiografia, seja na área do romance, quer dizer, é preciso contar essa história...

Olavo: Claro, claro. O romance é o documento inicial de uma mudança social. Primeiro, tem-se de elaborar imaginativamente, até para facilitar o trabalho dos historiadores depois, então se começa com uma condensação imaginária e só depois é que se vai averiguar os fatos um por um.

Bruno: Mas precisamos também de escritores que contem.

Olavo: Você acha que já tem gente para isso?

Bruno: Eu acho que é um grupo pequeno ainda, eu acho que uma parte dele está se formando, já está fora desse cercadinho.

Olavo: Eu conto com os meus alunos do Seminário de Filosofia para fazer isso. Eu peço para eles não se meterem em discussão política: fiquem quietinhos nos seus cantos estudando, se preparando. Primeiro que não somos políticos, não somos nenhuma organização militante, não estamos militando em favor de coisa nenhuma. Nós estamos aqui querendo formar pessoas, depois vocês decidem o que fazer.

Bruno: Eu acho um ótimo conselho. Ainda mais agora que parece que tem um vírus no Brasil que se manifesta muito em que está nas redes sociais e blogs, que é o vírus para ser polêmico. Hoje em dia todo mundo quer ter opinião sobre tudo e quer ser polêmico. Eu acho que só perdem energia, desgastam-se, porque ficam brigando tanto que não dá para fazer outra coisa.

Olavo: Fica todo mundo ofendido com todo mundo. As pessoas se ofendem por pouca coisa.

Bruno: E é um esforço para brigar que eu também não consigo entender. Há muito mais coisas mais interessantes para se fazer nesse momento.

Olavo: Brasileiro gosta de discutir, de xingar, essa coisa toda. Em 86, quando eu estive aqui a primeira vez, eu conheci um sujeito chamado Whitall Perry, que é um estudioso de religião, um homem eruditíssimo. Ele andou um tempo pelo Brasil e olhava e falava: "It's a very nervous people". Ele tinha razão, é um pessoal muito nervoso. Como você disse, estão gastando energia.

Tem uma segunda pergunta que eu tinha de fazer. Antes de começar, estávamos conversando aqui e você se [1:40] auto definiu como um conservador britânico. Diga, para encerrarmos, qual é a diferença entre o conservadorismo britânico, na sua perspectiva, e o que o pessoal chama de liberalismo ou o que chama de direita, no Brasil.

Bruno: Hoje os liberais brasileiros nem gostam de se enquadrar como sendo de direita, nem gostam de usar essa clivagem ideológica. No meu caso, o conservadorismo britânico não é uma categoria política, qualquer conservador britânico que não esteja envolvido na política formal vê o conservadorismo como um espírito ou como uma disposição, para usar o termo de Michael Oakeshott, uma disposição conservadora. E esta disposição conservadora é um equilíbrio entre os vários princípios e valores, idéias que eventualmente se tem, que ficam num plano horizontal e não é num plano hierárquico, por exemplo. Então você não coloca a liberdade ou a ordem como se fosse uma escadinha, isso tudo tem de estar num mesmo plano. Então ordem, liberdade e livre mercado, isso tudo tem de estar num mesmo plano porque, se houver um desses princípios ou valores acima, vai perturbar ou desorganizar essa ordem que é tão cara aos conservadores. E a perturbação dessa ordem pode causar qualquer coisa, em termos de aplicação política ou em termos de criação de uma ideologia política, que vai fazer com que tudo seja menos conservadorismo.

A história que eu estava contando, que está no livro do Roger Scruton, The Meaning of Conservatism, lançado em 1981, que é uma grande crítica que ele faz, um grande ataque à postura do Partido Conservador britânico naquela época. Porque ele achava que o Partido Conservador, a partir da ascensão do grupo do qual fazia parte a Margaret Thatcher, estava colocando a liberdade de mercado acima de todos os outros princípios, valores e defesas pontuais.

Olavo: Seria mais um liberalismo, no sentido brasileiro da palavra?

Bruno: O liberalismo clássico, você tem uma idéia de que as liberdades são o grande componente da vida humana ou da vida individual. Então você tem liberdade individual, liberdade de mercado.

Olavo: Isso que estávamos falando do brasileiro ser muito nervoso, todo mundo se sentir ofendido com tudo. Um dia, eu escrevi um artigo dizendo que, como conceito descritivo, a ordem prevalece sobre a liberdade porque a liberdade é um elemento da ordem, e não a ordem um elemento da liberdade. Ou seja, existem ordens que têm mais liberdade e ordens que tem menos. Mas, de qualquer modo, você descrever uma sociedade é descrever uma ordem, e não descrever uma liberdade. Imediatamente todo mundo achou que eu estava a favor da ordem e contra a liberdade. Eles não capazes de distinguir um conceito descritivo de uma proposta política.

Bruno: Primeiro tem um problema de falta de formação até daquilo que sejam liberais ou conservadores ou libertários. Eu estou falando de uma parte deles, esses que reagem de forma muito agressiva e confundem valores e princípios e defesas de idéias ou de projetos políticos. Mas essa coisa da ordem é uma coisa muito complica ainda para o brasileiro porque temos uma herança positivista muito forte e ordem está na bandeira. Então quando você fala publicamente, no Facebook, por exemplo, de ordem, ninguém vai imaginar que você está tratando de uma ordem voegeliana, por exemplo. Ninguém sabe qual é o capital intelectual que você tem na hora que você trata de ordem. Nessa confusão, qual é a ordem, é a ordem que eu acho que é. E nesta que eu acho que é, pode ser a ordem positivista, pode ser a ordem qualquer que seja. Eu acho que muitas brigas que se dão nas redes sociais, qualquer que seja, pelos blogs, é uma falta de entendimento sobre o que o outro quer dizer.

Olavo: Você tem razão. Na hora que eu falei esse negócio da ordem, eu não lembrei que estava na bandeira, nem lembrei o seguinte: tinha o grupo católico conservador que tinha uma revista chamada A Ordem, o que eles iam dizer? É a ordem divina do mundo que desce de Deus, passa por nós e chega em vocês. Eu não estava falando de ordem nesse sentido.

Bruno: O outro exemplo que eu ia dar é no caso dos religiosos, que há uma concepção de ordem que é diferente da ordem conservadora, por exemplo, a qual eu me alinho. E se você pega grupos religiosos hoje, católicos que se consideram conservadores --- conservadores à moda brasileira --- vão entender a ordem como sendo a ordem divina, a ordem de S. Tomás ou Sto. Agostinho. Há uma concepção de ordem. Se você falar "ordem", sem explicar exatamente qual é aquela ordem, quando você fala com um par seu, que já sabe de antemão qual é o instrumental teórico que você tem e sobre o qual você se manifesta, é fácil, porque você está falando com um par, com um igual. Quando você fala de ordem num Facebook ou num Twitter, você tem um monte de gente, dentre os quais um monte de maluco, que sequer sabem o conceito de ordem no dicionário --- eu não estou falando de nenhuma coisa mais refinada.

Olavo: Não sabe nem a ordem de matemática.

Bruno: Aí, matemática, é querer demais. Mas é isso, eu acho que muitas dessas confusões se dão por falta de entendimento sobre o que o outro quer dizer. E aí há dois problemas: há o problema daquele que escreve, que por uma razão ou outra não explica qual é o conceito que ele está trabalhando, que acha que as pessoas que estão lendo vão entender; e há, do outro lado, aquelas pessoas que sequer parar para pensar: "Mas que ordem é essa que ele está falando? O senhor poderia me explicar qual é a ordem que o senhor está tratando?" Quer dizer, é uma coisa de aprendizado. Eu vou falar por mim, mas eu gostaria que todas as pessoas fossem assim: toda vez que eu não sei uma coisa, a primeira reação que tenho é ou perguntar diretamente à pessoa que está falando sobre aquilo ou procurar os autores que ele leu. Eu quero aprender, aquilo me interessa. Se eu fosse perder todo o meu tempo do meu dia, as horas que eu tenho, para ficar batendo boca no Facebook, no Twitter ou qualquer que seja, por aquilo que eu não sei o que é, eu não vou fazer nada. Essa coisa de você se recolher para poder aprender, se manifestar pontualmente sobre aquilo que você sabe parcialmente. Eu tenho 37 anos, o meu conhecimento hoje não é igual ao que tinha aos 20 e não vai ser igual quando tiver 60 anos, se lá chegar --- espero que chegue aos 82 anos, pelo menos. Então a minha concepção de ordem hoje é uma concepção limitada, dado o que quero aprender até os 80. Essa coisa da humildade intelectual, que muita gente fala e pouca gente pratica, eu acho que deve ser mais exercida.

Olavo: Eu acho que isso é deve ser a conquista fundamental para esta geração no Brasil. Se eles aprenderem o que é humildade intelectual, o que é honestidade, o que é honradez intelectual, a modéstia intelectual, já será um grande avanço. Se aprender só isso, já está bom.

Bruno: Mas é preciso ter um amor pelo conhecimento.

Olavo: O pessoal arrisca interpretações. Eles lêem uma palavras sua, a palavra cria uma evocação na cabeça deles, eles já criam toda uma constelação interpretativa, já colocam você lá dentro. Você veja, no verbete da Wikipédia está lá Olavo de Carvalho: "Olavo de Carvalho introduziu no Brasil as obras de René Guénon e Julius Evola". Eu? Quando eu cheguei aí, os caras já estavam fazia quarenta anos, tem tradução dos caras no Brasil, já tinha círculo guenoniano, já tinha um bando de gente e eu fui o último a entrar na história. "Introduziu o Julius Evola"? O Julius Evola, para mim, era um maluco de gênio: era um gênio, mas era completamente doido. E não recomendo nem que leiam os livros dele. Eu falo: primeiro você chega aos 65 anos, adquira uma boa formação, daí leia o Julius Evola porque você vai conseguir separar alhos de bugalhos, que nem ele sabia. Então aparecem essas coisas.

O cara é conservador? então... E suposições com base em "Olavo é conservador, então ele deve ser um pater familias autoritatis". Daí fizeram aquele vídeo (muito engraçado, aliás) em que um personagem, que seria eu, chega em casa e descobre que a filha está grávida, e daí descobre que o sujeito que a engravidou é um pé-rapado, trabalha num posto de gasolina, não tem dinheiro nem para comprar cigarro, e daí o cara dá uma explosão. E os caras acreditam: "Olavo deve ser mais ou menos assim". Eles não têm a menor idéia. Então inventa não somente a sua filosofia completa, mas concebe a sua pessoa, o seu personagem, e acredita naquilo piamente. Claro, quando eu vi o vídeo, morri de dar risada, aquilo está muito engraçado, mas não tem absolutamente nada a ver comigo. Eu imagino: eu dando bronca na minha filhinha porque ela apareceu grávida? Mas o que é isso?! Impossível. Mas os caras inventam.

Bruno: E essa facilidade que você tem para publicar opinião --- e não estou aqui dizendo que sou contra essa liberdade nem essa facilidade, apenas estou apresentando o quadro ---, a facilidade que hoje qualquer um tem de expressar aquilo que sente faz com que as pessoas expressem aquilo que sentem, não aquilo que sabem ou aquilo que podem saber. Há uma diferença muito grande entre reagir de forma apaixonada e [1:50] escrever de forma racional sobre qualquer assunto. E o que mais se vê nessas redes sociais é uma defesa apaixonada sobre alguma coisa.

Olavo: As pessoas dizem: "Você tem de pôr para fora". Eu digo: isso é a concepção flatulencial do pensamento. Pôr para fora? Pôr para fora é fácil.

Eu acho que, a não ser que você queira dar mais alguma mensagem, podemos encerrar por aqui. Se vocês tiverem perguntas para o Bruno, sábado que vem ele estará aqui, porque será o encerramento da nossa conversação, a qual será transmita para vocês neste horário. Só que vai estar também o Ângelo Monteiro, Paulo Briguet e os outros. Mas se tiverem perguntas para ele, vocês guardem para semana que vem, porque hoje já está tarde.

Eu agradeço demais a presença, é uma grande alegria ter você aqui. Espero que volte outras vezes.

Bruno: Eu que agradeço o convite, foi ótimo falar. E quem quiser saber um pouco mais o que é conservadorismo britânico e sobre o que eu entendo é só visitar o meu blog http://www.brunogarschagen.com. E estou sempre publicando textos de conservadores britânicos, não de Pindamonhangaba. Não tenho nada contra Pindamonhangaba. Obrigado!

Olavo: Até a semana que vem. Muito obrigado a todos.

Transcrição: Jussara Reis de Abreu.

Revisão: Francisco Costa.

Footnotes

  1. Quando o prof. Olavo diz: "O problema que até hoje se discute sobre mente e corpo, mostra que não é fácil distinguir o que é o sujeito", ele está falando de um ente concreto, real, existente; como em "somos o sujeito do conhecimento e que elas são o objeto", do parágrafo seguinte. Por isso omiti o artigo da frase "A simples dificuldade de fazer essa análise mostra que sujeito e objeto não existem como substâncias", em que, acredito, ele está se referindo a conceitos abstratos, como em "a distinção de sujeito e objeto é algo que se dá dentro do ser", também do parágrafo seguinte. (N. do Revisor)

  2. Na aula, o prof. Olavo da uma entonação de pergunta, mas aqui optei em usar uma afirmação, pois ele está representando a tese idealista, expressando como se ele acreditasse nela; até que em seguida afirma ser um equívoco, assumindo seu ponto de vista contrário ao do idealismo. (N. do Revisor)

  3. "Nenhum deles" é referente ao Catolicismo, protestantismo e gnosticismo (N. do Revisor).

  4. Cf. O 1º parágrafo da página 5. O estudo em questão foi publicado com o título Visões de Descartes, pela Vide Editorial (N. do Revisor).

  5. Com "mesmo que já não seja mais uma utopia política", o Bruno que dizer que a utopia se realiza com a tomada do poder, com a concentração do poder tal como o grupo revolucionário havia planejado. Porém, a idéia de mudar a natureza permanece utópica. A aparente contradição é explicada pelo prof. Olavo no parágrafo seguinte. (N. do Revisor)

  6. O tempo verbal dos fatos deste parágrafo teve de ser totalmente reformulado, para que o sentido ficasse claro, sem que o sentido do raciocínio do B. G. fosse prejudicado (N. do Revisor)

  7. O B. G. está falando do proletariado, a quem a ideologia socialista/comunista promete libertar da exploração capitalista. A Rússia czarista era predominantemente rural (N. do Revisor.)

  8. Aqui o prof. Olavo muda de assunto e cita em tom irônico o que, segundo ele, seu antigo editor em O Globo disse certa vez (N. do Revisor).