Curso Online de Filosofia
Olavo de Carvalho
Aula 171
8 de setembro de 2012
Boa noite a todos. Sejam bem-vindos.
O assunto de hoje é o seguinte: mais dia menos dia vocês terão de entrar num estudo sério do marxismo --- alguns de vocês pelo menos, aqueles que estiverem interessados. Então hoje eu queria indicar algumas linhas pelas quais este estudo pode ser feito de maneira a mais proveitosa possível. Para entrar nisso é necessário saber que o marxismo foi um sério esforço no sentido de aproximar a filosofia do que parecia a Karl Marx ser a realidade concreta da vida humana e da história. Porém, a própria dimensão chamada "história", para mim, é hoje difícil conceber que seja realmente uma realidade concreta. A realidade concreta que você observa na vida humana são comunidades se desenvolvendo separadamente, sem contato nenhum, ao longo de milênios, e se ignorando solenemente e às vezes não tendo sequer a idéia de que pertencem a uma mesma espécie animal.
O número de culturas que se denominavam a si mesmas seres humanos -- subentendendo que os outros eram outra coisa -- é muito grande. Não é possível conceber uma história humana sem uma dimensão de humanidade como uma espécie única, e esta dimensão não é de maneira alguma uma coisa auto-evidente, pelo menos para os próprios personagens envolvidos. O horror que a palavra "racismo" hoje nos inspira freqüentemente nos faz esquecer que o racismo é uma das constantes mais universais das sociedades humanas, é um fenômeno que é observado em toda parte sob formatos diferentes e com pretextos diferentes, mas está presente de certo modo em toda parte.
A idéia de que existe uma história da humanidade é uma idéia que só aos poucos foi se perfilando na mente ocidental principalmente, entre os ocidentais e entre os árabes. Mas, por exemplo, para que essa idéia penetrasse na cultura chinesa foi só sob o viés ocidental e no século XX. Antes o isolamento da China fazia com que ninguém, na China, tivesse o menor interesse pelo que estava se passando em volta. Os chineses são um dos poucos povos que têm registros históricos meticulosos ao longo de cinco mil anos, os outros não se preocuparam com registros históricos até muito recentemente, porém era somente a história do que se passava na China e, sobretudo, o que se passava com as dinastias governantes.
De modo que, quando uma palavra se torna de uso comum e corrente, ela sempre nos dá a impressão de transmitir uma coisa que existe, uma coisa real, objetiva, mas isso é justamente o fetichismo das palavras. Se você ouve falar em história, tem a impressão de que existe essa dimensão em si mesma, que ela é um dado objetivo e que, de certo modo, nós estamos dentro da história. A verdade é a seguinte: nós estamos dentro do tempo e estamos dentro do planeta Terra, estes dois são dados objetivos. Quer dizer, não houve nenhum ser humano jamais que se subtraísse à passagem do tempo e não houve nenhum que vivesse fora do planeta Terra. Esses dois dados se fundem de alguma maneira confusamente na idéia de história. Você estar dentro do tempo não quer dizer que aquilo que você está fazendo e vivendo, tem algo a ver com o que outra pessoa fez e viveu.
O simples repertório das comunidades humanas existentes, que a rigor não está completa até hoje, só começou a ser feito muito recentemente; esses povos se ignoravam totalmente. Quando levaram, pela primeira vez, um índio para a Europa --- um fato que é relatado numa famosa crônica de Michel de Montaigne ---, que eles chamavam de Tupinambô, aquilo causou estranheza, era como se fosse uma peça de museu. E, do mesmo modo, os povos de regiões mais remotas, a primeira vez que viram um europeu, ficaram assustadíssimos. Quer dizer, de repente chegava um homem coberto de ferro que eles nunca tinham visto. Você imagina o que é para um índio que viveu semipelado a vida inteira, de repente chega um camarada com capacete, couraça: evidentemente é um extraterrestre.
Não só a estranheza entre os povos, mas a imensa separação entre os vários processos culturais, supondo-se que esses processos tivessem alguma unidade interna deles, o que também pode ser duvidoso. A idéia de que todos esses povos, vivendo as suas experiências separadas, constituam uma unidade, e que esta unidade possa ter um sentido total, e que este sentido total possa ser conhecido pelo ser humano, é uma idéia muito recente, é uma idéia que só aparece a rigor com Voltaire, com Montesquieu e, finalmente, adquire a sua forma clássica com Hegel, com a Filosofia da História Universal. E desde Hegel, houve várias tentativas de delinear o que seria o perfil de conjunto desse movimento histórico global. Todos esses esforços sempre fracassaram, todos eles, sem dúvida.
Hoje em dia a idéia de um sentido total da história leva o nome de metanarrativa. Quer dizer, além das várias narrativas concretas do que aconteceu aqui ou ali, existiria, então, uma metanarrativa que as abrange a todas e expõe de algum modo o sentido do conjunto. Porém, quando Hegel publica a sua Filosofia da História Universal, aquilo tem um impacto tão grande que, quando você chega no tempo de Karl Marx, duas ou três gerações depois, já é possível, com o próprio Marx, interpretar o movimento de conjunto da história universal em termos materiais. É uma coisa que nem Hegel havia tentado. Ou seja, Hegel acredita que existe uma unidade da história humana, mas essa unidade se dá num nível abstrativo muito alto, que ele chama a história do Espírito, quer dizer o espírito que vai se objetivando através das suas manifestações históricas e, através das suas autocontradições, vai se desenvolvendo. Até hoje não se sabe direito quem é esse tal de Espírito: se é Deus, se é o próprio Hegel, se é o leitor que está lendo. Quer dizer, é um conceito que, com boas razões, o Eric Voegelin diz que é um conceito mágico.
Porém, Karl Marx vai dar a esse conceito mágico o sentido de um desenvolvimento material, concreto, ou seja, é como se ele dissesse que não apenas existe um movimento total da história e esse movimento é identificável, mas este movimento se desenrola no terreno material e ele é determinado pelo conjunto dos esforços que o ser humano faz para se apropriar dos materiais da natureza e transformá-lo segundo as suas conveniências.
A história dos processos de transformação da matéria através da técnica e da indústria é o fio condutor de toda história humana, e essa história pode ser contada numa série de etapas. Essas etapas não são necessariamente simultâneas em todos os lugares do mundo, mas elas serão percorridas de algum modo mais cedo ou mais tarde. De modo que, [0:10] dentro dessa escala de tempo, nós podemos falar de comunidades que estão mais adiantadas no processo ou que estão mais atrasadas, mas todas elas passarão necessariamente pelas mesmas etapas.
Esta idéia da metanarrativa hoje é rejeitada por quase todos os filósofos de todas as correntes, inclusive os marxistas. Por exemplo, o pessoal da Escola de Frankfurt sempre rejeitou a idéia da metanarrativa, eles dizem que de fato não sabem se isto existe.
Outro ponto que é importante é ver o seguinte: a idéia de unidade da espécie humana e a idéia de uma história da espécie humana só é concebível a rigor desde um ponto de vista divino, porque materialmente nós não conhecemos essa unidade da história e muito menos podemos descrevê-la. A tentativa de Marx evidentemente fracassou como nós veremos daqui a pouco. Mas a idéia de que todos os seres humanos pertencem a uma mesma espécie, de que podem de algum modo ser medidos pela mesma escala e de ter um destino comum, e que este destino pode fazer um sentido que é apreensível por nós, essa idéia só é concebível desde um ponto de vista hipoteticamente divino. Quer dizer, um Deus que, desde a esfera da eternidade, observa e conhece o conjunto do que se passou sobre a Terra. Isso é a mesma coisa que dizer se a história faz sentido, só Deus pode conhecê-lo e Ele seria na verdade o criador e a matriz desse sentido da história.
A própria idéia de uma escatologia, de um fim do mundo, pressupõe então algum conhecimento do conjunto do trajeto humano sobre a Terra: nós vamos passar por isso, por isso e por isso, e vai terminar desta maneira. Porém, é claro que o juízo final, ou a culminação, o sentido final da história não é em si mesmo um acontecimento histórico porque, a partir daí, a história humana será interrompida. E, como diz a Bíblia, Deus fará um novo céu e uma nova terra que não são sequer imagináveis por nós. Então haveria nitidamente um fim da história. Quer dizer, sem um fim da história não pode haver um sentido da história. Você conhecer o sentido de uma narrativa pressupõe saber como ela termina, porque se ela não terminou ainda, o sentido não está completo, então ele não é descritível.
Isso deveria ser uma coisa evidente para todo mundo, quer dizer, nós temos dois enfoques possíveis da história humana. Nós temos o enfoque humano que não consegue apreender de maneira alguma a unidade da história e muito menos o seu sentido e tem o enfoque divino que nos oferece, através da revelação, uma idéia do que será o fim da história e, portanto, o seu sentido. O seu sentido último seria então o juízo final com a salvação dos bons e a condenação dos maus. De modo que a história seria eminentemente uma lição moral, uma conclusão moral da história. Essa idéia não é evidentemente concebível senão desde a perspectiva divina. E foi justamente essa perspectiva divina, que vindo com a revelação cristã, permitiu que aos poucos a idéia mesma de unidade da história fosse se tornando mais concebível para as pessoas.
Porém, a partir de um certo momento essa idéia se destaca da sua fonte religiosa e se torna uma idéia autônoma. Ou seja, existe, segundo Giambattista Vico, Voltaire, Montesquieu, Hegel e o próprio Karl Marx, um sentido terrestre da história humana, quer dizer, é uma história cuja finalidade se cumpre não no juízo final e na passagem para a escala da eternidade, mas se cumpre numa meta a ser alcançada no mundo terrestre.
Vocês vejam que, quando essa idéia aparece, ela já tem uma contradição: a idéia de sentido da história pressupõe o conhecimento do fim da história. O conhecimento do fim da história não é possível materialmente, ele não é possível empiricamente, quer dizer, nós não temos a experiência do fim da história, nós podemos no máximo tentar imaginá-lo. Porém este ponto imaginário é o que se torna a chave que articula todo o conjunto, ou seja, o fim que nós supomos é ele que dá a unidade de tudo o que se passou antes. Então nesta simples idéia do sentido da história já está embutido o essencial do que nós viríamos a chamar mentalidade revolucionária, que é a inversão do tempo. Ou seja, um futuro hipotético se torna a chave explicativa de todo o passado conhecido e também do presente.
Que nós podemos conhecer o passado, isto é evidente. Existe algum conhecimento histórico, de algum modo ele sempre existiu, existe a memória humana, existem os registros, existem os documentos, existem os monumentos etc., então algo do passado nós sempre sabemos. O conhecimento do passado é um simples dado empírico, nós sabemos que ele sempre existiu mais completo nuns lugares, menos em outros, mas algum conhecimento do passado sempre existiu. E o futuro tal como nós o concebemos é simplesmente um produto da nossa imaginação, é uma suposição que nós fazemos. Então a parte mais duvidosa da teoria passa a ser justamente a chave da interpretação de todo o conjunto.
Hegel achava que o império germânico era a culminação da história, e este império germânico estava apenas começando. E do mesmo modo que Augusto Comte dirá que um estágio positivo do conhecimento humano será a culminação da história, quando, na verdade, esse estágio positivo estava começando a ser inaugurado pelo próprio Comte. Ele não era, portanto, um fato consumado, mas era ainda um processo em andamento cuja culminação por sua vez ninguém conhecia. E quando Karl Marx diz que o fim da história será o advento do socialismo e o fim da exploração do homem pelo homem, isto também é um projeto de futuro ou uma hipótese.
Em todos esses casos você vê que está implícita na idéia de sentido da história, primeiro, a idéia de um melhoramento, de um progresso, quer dizer estamos caminhando numa direção, esta direção em si é positiva, ela representa uma culminação e uma perfeição dos esforços humanos. E, além da idéia do progresso, está aí subentendido o final, o coroamento da história como uma hipótese que sustenta, que dá o travamento de toda a teoria anterior.
Então é evidente que todas as teorias do sentido da história já vêm com uma espécie de contradição interna que gera uma tensão porque, por um lado, eles pretendem se ater ao conhecimento real dos fatos históricos e, por outro lado, estes fatos só adquirem o seu peso específico em função de um futuro hipotético. Então em todas essas teorias se mescla de maneira inseparável uma explicação do passado e um programa de ação com relação ao futuro. A expectativa desse futuro que será o coroamento da história implica naturalmente a obrigação, por assim dizer, moral de você lutar por esse futuro ou de você caminhar na direção dele. Há então uma mescla da exposição do conhecimento dos fatos e do projeto de ação futura.
Então é o caso de perguntar: você está dizendo que as coisas se passaram assim porque elas se passaram assim ou porque, visto do ponto de vista do objetivo que você pretende alcançar, parece que elas se passaram assim? Se o objetivo fosse diferente, então a narrativa do passado também seria diferente. Aquela mistura, aquela tensão entre a explicação e o programa, entre o relato e o projeto já entra [0:20] em ação desde as primeiras tentativas de sentido da história, mesmo as religiosas.
Quando você lê a Cidade de Deus de Sto. Agostinho, ele vê a culminação do processo histórico no juízo final mas ao mesmo tempo há ali um programa de ação, quer dizer, a finalidade é essa e, portanto, nós devemos conduzir a nossa vida assim ou assado para que obtenhamos a salvação.
A diferença é que na visão de Agostinho a culminação do processo não depende de maneira alguma de que as pessoas façam isto ou aquilo, quer dizer, o fim do processo é determinado por Deus: haverá o juízo final de qualquer maneira, a única coisa que será decidida no curso do processo é se cada um de nós será salvo ou condenado. Ou seja, não é a ação humana que determina a finalidade, esta finalidade não depende de maneira alguma da ação humana. Isto é, o juízo final acontecerá, seja para todos serem salvos, seja para todos serem condenados, seja para uma parte ser condenada e outra parte ser salva. De modo que Agostinho ainda tem muito clara a noção de que o fim da história é uma intervenção divina e não um capítulo da história.
Porém, essa noção se perde completamente a partir do século XVIII, quando começam a surgir as modernas metanarrativas com Voltaire e, depois no século XIX, com Augusto Comte e outros. O fim da história, segundo esses indivíduos, é algo a ser alcançado pela ação humana. Quem criará o estado positivo das ciências? São os seres humanos com a sua atividade científica. Quem criará o socialismo? São os seres humanos, fazendo a revolução socialista, e assim por diante. De modo que o fim da história surge ao mesmo tempo como uma previsão, como um projeto e como um dado objetivo fatal, quer dizer, algo está predeterminado, mas este algo nós temos de fazer com que aconteça.
Note bem que se você aceita que o fim da história é exclusivamente o resultado da ação humana, então pode ser que esse fim seja alcançado, pode ser que não. E se você diz que ele será alcançado necessariamente, então ele não depende da ação humana, ele é, como em Agostinho, uma intervenção externa ou uma fatalidade que não depende dos seres humanos de maneira alguma. E, nas modernas metanarrativas, essas duas coisas vêm juntas: é fatal, vai acontecer de qualquer maneira, mas nós temos de nos esforçar para que aconteça. Então, evidentemente você tem ali, senão uma contradição, pelo menos uma tensão que permanece irresolvida em todas essas metanarrativas.
Esta macrocontradição, por assim dizer, contradição estrutural da concepção inteira, evidentemente requer que no tratamento da própria narrativa, quer dizer, nos detalhes, na exposição do como que se dá a evolução histórica, também se use como método a própria contradição. Como dizia Hegel, a dialética é o espírito de contradição sistematizado. Pelo fato mesmo de que o conjunto da história, o sentido da história, ou pelo menos a sua noção, traz em si essa contradição de que aquilo que é inevitável depende ao mesmo tempo da nossa ação; como a concepção é contraditória em si mesma, então ela só pode ser tratada por algum meio, por algum instrumento cognitivo que leve em conta essas contradições. Por outro lado, é fato que esta experiência contraditória de uma expectativa inevitável que, no entanto, tem de ser fabricada ou tem de ser feita pela ação humana é uma coisa que está presente em toda vida individual humana, quer dizer, todos nós acreditamos que temos um destino, mas ao mesmo tempo nos esforçamos para que este destino se realize, o que subentende que o destino pode ser diferente daquilo que nós concebemos.
Aí entra, por exemplo, todo o problema da predestinação. Quando vem o protestantismo, alguns estão predestinados à salvação e outros à danação. Então por que devemos agir em busca da salvação? Não há uma explicação para isso, quer dizer, se você já está predestinado, o que você faça ou deixe de fazer pouco importa, é apenas a graça divina que vai interferir independentemente das suas ações. Porém, a solução encontrada para isso foi que aqueles que estão salvos devem agir como se já estivessem salvos, então eles devem mostrar isso para os outros. Então eles vão agir corretamente não porque isso vai lhes dar a salvação, mas para dar um exemplo ao mundo de que algumas pessoas estão salvas e para que exista então alguma ordem na sociedade.
Mas, também, é claro que isso não responde à pergunta, porque se você está salvo, que diferença faz mostrar isso aos outros ou não? Essa contradição está dentro do protestantismo, e já estava dentro do protestantismo muito antes que surgissem essas metanarrativas. Então esse é mais um elemento que vai contribuir de algum modo para a formação dessas metanarrativas. Se esse conflito protestante entre a predestinação e a ação, entre a predestinação e a moral por assim dizer, já não estivesse presente na cultura européia havia dois séculos, provavelmente o advento das metanarrativas teria tomado outra figura.
Mas eu estou dizendo isso para vocês para mostrar que o conflito entre um fim predestinado e a necessidade de construí-lo, de alcançá-lo pela ação humana é claro que é uma contradição, mas de certo modo é uma contradição que está presente na vida humana, que constitui parcela da nossa experiência.
Ou seja, nós não conhecemos o futuro, porém nós nada podemos fazer na esfera da ação sem alguma previsão do futuro. Por exemplo, nós não sabemos se vamos estar vivos no próximo minuto, porém vamos continuar agindo como se isso estivesse garantido. Não há uma só ação humana que não se baseie nessa contradição, ou seja, na necessidade de dar por conhecido um futuro que você não conhece de maneira alguma. Como isso faz parte da experiência humana universal ou pelo menos de quem quer que tenha pensado a respeito, que há pessoas que nunca perceberam esse problema, como isso faz parte da experiência humana, então quando surgem essas metanarrativas com a contradição que elas trazem. Esta contradição não parece num primeiro momento ser uma objeção séria contra as metanarrativas, porque elas ecoam algo de uma experiência que é universalmente humana.
É claro que o fato de corresponder estruturalmente a essa experiência humana não as valida de maneira alguma e não impede que de um ponto de vista científico todas elas sejam insustentáveis pelo fato de que dão por conhecido algo que não é conhecido e, além de dá-lo por conhecido, ainda afirmam que ele tem de ser construído pela ação humana. Ora, então isto quer dizer que a incerteza da ação humana, essa mesma incerteza de que você tem de dar por conhecido aquilo que você não conhece, ela coloca no coração mesmo dessas metanarrativas uma espécie de segunda camada de problemas, porque, como eu posso construir esse futuro predeterminado pela ação humana, se a própria ação humana individual ou coletiva também já está viciada ou corroída por essa mesma contradição na base? Aqui o filósofo nos apresenta [0:30] uma meta futura que ele diz que é inevitável, mas que ao mesmo tempo tem de ser alcançada pela ação humana. Ou seja, no plano maior o futuro desconhecido tem de ser dado como conhecido para que você possa torná-lo real, mas a ação humana que vai construir esse futuro, cada uma das ações individuais ou coletivas separadamente, cada um delas também tem em si mesma essa mesma contradição. De modo que o instrumento de construção do futuro ao mesmo tempo inevitável e incerto é também ela inevitável e incerta.
Estão entendendo o nível já de dificuldade que já está na idéia mesma das metanarrativas? A metanarrativa parece verossímil num primeiro momento, porque ela imita estruturalmente um conflito que é inerente à existência humana, que é o conflito de dar por conhecido o futuro desconhecido. Mas, no mesmo instante em que soa verossímil por causa disso, ela já exibe a sua dificuldade porque esse futuro terá de ser realizado mediante uma ação humana que contém dentro de si a mesmíssima contradição. Quer dizer, a contradição que aparece em escala maior já está dentro da escala pequena também. Então é evidente que, desde um primeiro momento, as discussões aí tomam a forma de uma confusão imensa. O fato de que, imediatamente após a publicação dos escritos de Hegel, tenha surgido, por exemplo, um hegelianismo de direita e um hegelianismo de esquerda já mostra que essa filosofia não podia ser interpretada de uma maneira unívoca. Quer dizer, interpretá-la de uma maneira unívoca seria de algum modo contraditório com a proposta mesma, uma vez que esta proposta era em si mesma uma contradição.
A técnica de lidar com as contradições já vinha sendo desenvolvida desde Aristóteles, mas Aristóteles lidou com isso não no plano da interpretação histórica, e sim no plano da técnica lógica ou dialética, que foi criada não para você lidar com as macro contradições da história ou da ação humana, mas com as simples contradições do pensamento. Não para lidar com forças contraditórias no tecido da história e da vida individual, mas para lidar com idéias contraditórias. Aristóteles cria a idéia de tratamento das idéias contraditórias através da doutrina das categorias e dos antepredicamentos -- idéias que parecem contraditórias na sua formulação, mas podem não sê-lo porque estão falando de categorias diferentes ou porque estão em níveis de predicação diferentes, de modo que você pode reduzir a contradição a uma sequência de raciocínios perfeitamente coerentes com alguma técnica, o que supõe, evidentemente, não só o domínio da técnica dialética em si, mas uma compreensão muito fina da linguagem. Por isso mesmo Aristóteles antepôs ao tratado da dialética e mais ainda ao tratado de lógica analítica, os tratados sobre a linguagem como uso da interpretação. É preciso ter uma compreensão muito fina da linguagem e também conhecer as categorias, os ante predicamentos etc., para que você não caia na esparrela de enxergar contradições onde há, apenas, uma contradição verbal aparente. Essa técnica existia, criada por Aristóteles, mas somente para lidar com as idéias. De repente, quando surgem as meta narrativas, as contradições já não aparecem no plano das idéias, mas no plano da existência histórica e da ação concreta humana. Neste plano, a técnica requerida já teria de ser muito mais complexa do que a de Aristóteles. Por quê? Porque as idéias vêm na forma de sentenças ou proposições. Então elas já estão prontas para que você exerça sobre elas a técnica dialética de Aristóteles e remova ou resolva as contradições. Porém, as ações humanas não são afirmações explícitas. Você tem de puxar de dentro delas um sentido, esse sentido você tem de expor sob a forma de uma proposição (mas quem incluiu a proposição foi você).
É o caso de você perguntar o seguinte: tome uma ação histórica qualquer, digamos, a revolta dos camponeses na Alemanha, ou a construção das catedrais góticas, ou o comércio no Mediterrâneo durante certa época e pergunte o seguinte: "Estes acontecimentos estão dizendo o quê?" Enquanto você não extrai de dentro deles um conteúdo de idéia e o verbaliza, não tem como aplicar sobre eles a técnica dialética. A operação agora é em dois níveis -- não é só como em Aristóteles que se lidava apenas com as proposições contraditórias -- primeiro você tem de obter as proposições desde a massa obscura e muda dos fatos. Você verbaliza os fatos. Essa técnica de extrair dos acontecimentos um sentido verbal explícito, Hegel tem. Em vários pontos da sua obra ele demonstra um domínio terrível disto aí. Ele toma um conjunto de fatos e diz: "O que esses fatos estão dizendo é isto.". Após extrair desses fatos várias proposições -- e essas proposições podem continuar sendo contraditórias --, ele vai tentar resolvê-las, ou seja, o tratamento dialético que é dado ao conjunto das proposições contraditórias em Hegel é uma tentativa de resolver não as contradições entre as proposições, mas as contradições entre os fatos que essas proposições idealmente expressam. É fácil ver que a margem de erro nessa operação é enorme porque os fatos históricos realmente não falam por si mesmos, eles não dizem a quê vieram, eles simplesmente acontecem. Mais ainda, nos personagens envolvidos na ação histórica, cada um os explica de uma maneira diferente: cada um tem uma motivação diferente, tem valores diferentes, tem um sentido de vida diferente etc.. É muito difícil você extrair daquilo um sentido de conjunto e expressá-lo. Só que você tem de fazer isso frente a vários acontecimentos históricos diferentes, então você transforma o curso da história num curso de proposições. Mas foi você que obteve as proposições. Os acontecimentos históricos já passaram e não estão mais aí para dizer a você: "Eu quero dizer isso". Por exemplo, uma obra de arte ou um templo. O que esse templo está dizendo? Bom, ele não diz nada, apenas fica parado no lugar, você que fica tentando extrair dali um sentido.
A técnica de Hegel é monstruosamente mais complexa do que a dialética de Aristóteles. E, com Karl Marx a coisa vai se tornar ainda mais complexa. Marx afirma que todo esse processo tem uma base material em um fator único e constante que é a luta do ser humano para se apropriar dos recursos da natureza. Ou seja, se Hegel tinha de fazer uma conversão dos fatos históricos em proposições, para daí lidar com as proposições e tentar tirar o sentido de conjunto dessas proposições e a partir do sentido de conjunto dessas proposições extrair o sentido de conjunto da história, Marx tem de fazer uma terceira operação.
Cada um desses acontecimentos históricos tem de ser trazido de volta à sua base material no processo de produção. O que quer que aconteça tem de ser interpretado em função de um esforço econômico subjacente. [0:40] A conversão são três. Aristóteles ia das proposições contraditórias para a descoberta da coerência oculta. Hegel não podia fazer isso porque o material com que estava lidando não eram suposições, eram acontecimentos históricos. Ele tinha de extrair a proposição de dentro de cada acontecimento histórico, transformar tudo em proposições. Então, você tem uma série de proposições para, a partir daí, se resolver as contradições entre proposições e chegar à conclusão. O sentido da história é esse.
Em Marx existe uma terceira operação que é a de tomar esses acontecimentos e mostrar como eles expressam "no fundo", não aquilo que os seus personagens acreditavam representar, mas um conflito de interesses materiais acontecido no curso da entrada dos seres humanos num tecido de relações econômicas. Como o essencial da história humana é a luta pela apropriação dos recursos materiais e a sua transformação, de acordo com as conveniências ou necessidades do ser humano, então, todos os processos históricos e sociais incluindo a religião, a arte, a filosofia etc., são, em última análise, expressões de ordem mais profunda desse outro fenômeno que, segundo Marx, está se passando sob a superfície das idéias. Onde há um conflito de idéias, há um conflito de valores etc., no fundo existe o conflito de classes. O que são as classes? São os diferentes papéis que os diferentes grupos humanos assumem no curso da apropriação dos recursos materiais.
A coisa pode ser uma operação em três andares: no andar de cima é a operação aristotélica da resolução das contradições entre proposições. No andar de baixo, é a conversão ou reconversão das proposições nos acontecimentos históricos que elas idealmente expressam. E no terceiro andar é a conversão desses acontecimentos históricos na base que elas idealmente têm no fenômeno da mudança dos processos de produção e, portanto, na luta de classes. Vejam que o processo é enormemente complexo. Não é preciso dizer que a margem de erro é monstruosa. Quer dizer que, a partir desse momento, absolutamente nada do que se especule desse sentido pode ser submetido a nenhum teste científico. É impossível. Ainda que partes dessa filosofia ou afirmações determinadas, talvez possam ser testadas cientificamente, a meta narrativa em si não pode. Principalmente a marxista, porque ela é a mais complexa de todas.
Dentro disto, surge um segundo problema: como a meta narrativa é constituída de um objetivo final que ao mesmo tempo é fatal -- mas você tem de se esforçar para que ele aconteça como se a idéia mesma de fatalidade não implicasse que a coisa vai acontecer independentemente daquilo que você faça --, isso significa que cada idéia ou cada elemento descritivo usado no marxismo, contém dentro de si também a idéia de uma proposta de ação. Isso quer dizer que não existe uma descrição da realidade como tal, uma descrição científica, objetiva e desinteressada. Todas as atividades cognitivas humanas já são ao mesmo tempo interferências no processo. Toda idéia é, implicitamente, um projeto de ação (essa doutrina está mais ou menos ao mesmo tempo ou logo depois também desenvolvida sob o nome de pragmatismo na América, com Charles Pierce, Royce, Willian James: "O sentido de um conceito não é a descrição objetiva do objeto a que ele corresponde, mas a descrição daquilo que pretendemos fazer com esse objeto, isto é, um conceito é um objeto de transformação, um projeto de ação").
Uma idéia mais ou menos similar já estava dentro do marxismo e a confluência de pragmatismo e marxismo aparecerá de maneira muito clara em Antonio Labriola, o filósofo marxista italiano e no seu discípulo Antonio Gramsci. Os dois estavam conscientes de que havia um elemento pragmatista no que eles estavam fazendo. Mas, com pragmatismo ou sem pragmatismo, esta idéia de que a descrição de um projeto objetivo já é um projeto de ação, já está dada em Marx desde o início e não teria como deixar de ser assim, porque se o conjunto da meta narrativa é a descrição de uma meta, de um objetivo que é, ao mesmo tempo, objetivamente fatal, mas também, por outro lado, é subjetivamente obrigatório, ou seja, você tem de lutar para que o inevitável aconteça, como dizia Engels: "A liberdade é o reconhecimento da necessidade". Quer dizer, ter a liberdade é reconhecer que tenho de fazer tal e qual coisa, porque essa "tal e qual coisa" corresponde a uma finalidade inevitável. Se a meta narrativa na sua estrutura de conjunto é assim, isso significa que as ferramentas descritivas de cada pedaço, de cada acontecimento, de cada conceito, são também assim. Estão marcados por essa tensão, por assim dizer, entre o estado de coisas presente e passado e a hipótese de futuro para qual estamos tendendo. A esta fusão indissolúvel da teoria e da prática, Marx denominou a práxis*.* A práxis é uma teoria, sem dúvida, e essa teoria pretende ter um valor objetivo. Mas o valor objetivo dela, não depende da descrição pura e simples dos fatos e sim de que você está desempenhando sobre estes fatos a ação coerente e necessária para levá-lo à sua conclusão inevitável.
Note bem que tudo isso é de uma sutileza admirável de algum modo. Só que aí existe, automaticamente, a exclusão do conhecimento objetivo no sentido aristotélico que é o conhecimento, por assim dizer, puramente contemplativo. Em Aristóteles, o conhecimento objetivo é a descrição da estrutura e do comportamento de um ente independentemente de qualquer interferência que eu faça sobre ele. Quando Aristóteles descreve, por exemplo, a embriologia do gato que até hoje é uma das descrições mais perfeitas que existe na zoologia, ele estava dizendo o seguinte: o processo da embriologia do gato é este, independentemente do fato de ele estar abrindo a barriga da gata agora para saber como é. Muito antes de ele abrir era assim e se ele não abrisse continuaria sendo do mesmo modo. Note que, dos escritos de Aristóteles, 70% são escritos de ciências naturais. Ele era filho de um médico e o treinamento dele foi todo nas ciências naturais e o foco de interesse dele eram as ciências naturais. De certo modo, ele só escreveu seus livros de filosofia para explicar o que estava fazendo nas ciências naturais. Ele não era assim como um Hegel ou um Karl Marx, cujo interesse central é a filosofia das humanidades, e esse longo treino nas ciências naturais o habitua à idéia de que os acontecimentos centrais da natureza são independentes do ser humano. Então, é claro [0:50] que todos os elementos da natureza podem se tornar matérias-primas para o empreendimento humano de transformação, até mesmo os gatos (os seres humanos não criam gatos de raça para vendê-los por uma fortuna? Ou, como no Brasil, matam gatos para fazer cuícas?). Tudo que existe na natureza pode ser objeto de transformação por iniciativa humana, mas, para que eles o fossem, é absolutamente necessário que eles por si mesmos constituíssem algo antes e independentemente da ação humana. Ou seja, eu posso usar as pedras para a construção, porque as pedras são pedras e elas têm certas propriedades objetivas que eu posso utilizar.
Se não existe a possibilidade de um conhecimento objetivo da natureza, muito menos poderá existir a possibilidade da ação humana sobre estes mesmos objetos porque essa ação baseia-se, inteiramente, no aproveitamento humano de propriedades objetivas que esses seres têm e cujas propriedades, por sua vez, não dependem da intervenção humana. Hegel ainda estava consciente disso. Naquela famosa cena em que ele ficou olhando a montanha durante meia hora e disse: "É, de fato é assim.". A montanha é assim, porque é assim, não fui eu quem fez, não foi uma coisa que saiu da minha cabeça. Hegel ainda tinha esse sentido de reconhecimento da realidade material. Karl Marx, embora se declare um materialista, não vemos em parte alguma essa idéia de que, se a natureza existe objetivamente e ela é um dado no qual estamos, um dado do qual precisamos contar, então é absolutamente necessário que ela possa ser descrita objetivamente por meio do conhecimento contemplativo de que falava Aristóteles, ou seja, sem nenhuma intromissão da ação humana. Isso não aparece em Karl Marx em parte alguma, de onde concluo que ele era um materialista da boca para fora. O que ele entende como processo material é o processo histórico, o processo da ação humana, o processo da apropriação humana da natureza.
No capítulo XVI do Jardim das Aflições, eu expliquei isso. Segundo Karl Marx, a única maneira de você conhecer as coisas é no processo de transformação e pelo processo de transformação. Bom, isto, às vezes, é assim. Quer dizer, no curso de você interferir no processo natural se depara com certas resistências, certas reações dele e pode-se chegar a conhecê-lo mais profundamente através da ação que você desempenhou sobre ele. Porém, nem sempre é assim e, às vezes, é ao contrário. A ação contradiz a possibilidade de conhecer o objeto. Ali dou um exemplo: uma coisa é você descrever uma árvore -- como ela nasce, cresce, que frutos dá etc. --, outra coisa é serrar a árvore e transformá-la numa cadeira. A partir da hora que você a transformou numa cadeira você não pode mais conhecê-la como árvore, ou seja, você desistiu da botânica para se dedicar à marcenaria. E não tem volta, você não pode re-transformar aquele objeto. Ou seja, às vezes a intervenção humana esclarece a natureza dos seres, mas às vezes a obscurece por completo e ainda às vezes a substitui. Nada disso parece ter sido levado em conta em Karl Marx, o qual acredita piamente que o processo de transformação é o processo de conhecimento donde, ele acredita, que todas essas ciências, artes etc., nasceram do processo de transformação. Nasceram, em última análise, do processo da produção.
Embora possa acontecer de muitas ciências terem nascido, efetivamente, de técnicas voltadas para a produção ou para a transformação do material natural, o fato é que essa sua origem temporal pouco tem haver com a sua constituição lógica interna. Quando você passa da geometria empírica dos egípcios para a geometria teórica de Euclides, claro que a dos egípcios veio primeiro, mas a de Euclides introduz ali um salto qualitativo, como diria Mao Tsé-Tung, formidável. Ela passa para outra escala e essa geometria de Euclides já não pode mais ser explicada por processos empíricos anteriores, ela tem sua constituição cognitiva própria e essa constituição cognitiva própria do conhecimento teorético que Marx praticamente diz que não existe, que só existe o conhecimento advindo do processo de transformação. Ou seja, a origem do conhecimento é a práxis. O que é a práxis? Práxis é a teoria da prática, a prática da teoria. Vejam como o panorama vai se complicando, complicando, complicando até se tornar indiscernível. Já não dá para se orientar no meio disto. Mas vemos que, no entanto, esta gente tem alguma razão para dizer aquilo que está dizendo. Porque essa confusão da teoria com a prática, da prática com a teoria, do futuro inevitável com a ação presente que vai criar é em grande parte a condição na qual os seres humanos vivem.
Quando surgem as ciências teoréticas na Antiguidade, elas surgem com o propósito de isolar parcialmente o ser humano dessa confusão de modo que possa ver mais claro no conjunto. Quando chegamos então os séculos XVIII e XIX com essa nova filosofia da história surgindo, este repouso obtido pelas ciências teoréticas é anulado e voltamos a estar na total mescla de teoria e prática na qual toda tentativa de descrever objetivamente um processo é já uma intervenção nele. Ora, se toda idéia é uma intervenção, isso quer dizer que, por trás de cada idéia, por trás de cada teoria você pode discernir uma intervenção implícita, ainda que essa intervenção não venha a ser realizada e ainda que ela esteja muito longe dos propósitos do indivíduo que concebeu aquela idéia. Isso quer dizer que todas as idéias podem ser interpretadas de acordo com o método da práxis conforme o seu lugar no imenso processo de transformação da natureza. Transformação técnica, industrial da natureza.
Isso, evidentemente, cria para os pensadores marxistas, para os discípulos de Karl Marx alguns problemas horripilantes. Se você quer que a sua idéia seja realizada, você precisa achar o agente social capaz de realizá-la. Karl Marx achava que esse agente era o proletariado. Por que era o proletariado? Não interessa por enquanto. Mas era o proletariado industrial, as pessoas retiradas do campo e que foram trabalhar nas fábricas, que seriam o grande agente da transformação geral e final do mundo, que inauguraria o socialismo e, portanto, decretaria o fim da história. Aí surge o primeiro problema: os inventores da teoria não são proletários. Nem Marx é proletário, nem Engels é proletário. Quer dizer, ele precisa obter algum poder de preensão sobre o proletariado para que o proletariado consinta em ser o agente daquilo a que ele está fatalmente destinado a ser agente, e quando acompanhamos a história da atuação de Marx na primeira internacional socialista, da qual ele emerge finalmente como o chefe, o dominador da coisa, vemos que ele teve de usar toda sorte de expedientes, os mais escusos, para se afirmar como chefe. É evidente que aí você já tem uma montanha de contradições que, de certo modo, vão adensando [1:00] o estado de espírito marxista.
Quando chega no começo do séc. XX e o proletariado europeu se recusa a fazer a revolução internacional e, ao contrário, consente em servir às suas nações, contrariando, portanto, o seu "interesse objetivo". O proletariado não tem pátria. O proletariado é o conjunto das pessoas cuja força de trabalho é explorada na base da mais-valia (daqui a pouco falaremos da mais-valia, nesta aula ou na próxima), então elas não têm ligação com o interesse nacional. O interesse nacional é exclusivo da burguesia. A burguesia é de certo modo a nação. Então se esperava que numa situação de guerra o proletariado se recusasse a lutar em benefício dos seus dominadores nacionais e se articulasse internacionalmente na grande revolução européia; o que não aconteceu, aconteceu justamente o contrário: o entusiasmo belicoso dos proletariados na Primeira Guerra foi um negócio extraordinário. Foi absolutamente chocante para os socialistas, então isso quer dizer que o agente preferencial e predestinado da ação se recusou a cumprir o seu papel. Então, como se já não houvesse contradições bastantes, ainda surge mais essa que foi colocada não pela teoria, mas pela prática.
O curso da ação colocou ali mais uma contradição. Essa contradição é absorvida por vários intelectuais marxistas, quer dizer, eles percebem que a história os traiu de algum modo e eles têm de achar uma explicação e um novo meio de ação. Por que o agente se recusou a praticar a ação que seria inevitável? Isso sugere a necessidade de uma rearticulação total da teoria. Mas como rearticular totalmente uma teoria permanecendo de algum modo fiel a ela? Aí começa a surgir a pluralidade de interpretações diferentes do marxismo. Com o próprio Lênin já havia acontecido alguma coisa semelhante porque Lênin achou que seria possível fazer a revolução antes de aparecer um proletariado industrial em condições de agir, o que de fato na Rússia não havia. Havia na Rússia um proletariado incipiente. Esse proletariado havia surgido, sobretudo, das indústrias estatais. A indústria russa nos últimos cinqüenta anos do séc. XIX era basicamente estatal, mas considerando o tamanho da Rússia, sua população, o proletariado era uma migalha no conjunto.
Segundo Marx, teoricamente a revolução surge do acirramento progressivo da contradição entre proletariado e burguesia. Ou seja, para que a produção aumente no sentido desejado pela burguesia, é necessário que o proletariado cresça. Na medida em que ele cresça, ele se torna naturalmente mais forte política e economicamente, porque quem tem o controle dos instrumentos de transformação da natureza é o proletariado, não a burguesia. A burguesia só tem o controle jurídico administrativo e indireto, mas quem está com a mão na massa são os proletários. A burguesia cria o inimigo que vai destruí-la. E o antagonismo entre essas duas forças se dá pelo fato de que a exploração da mais-valia se torna cada vez mais intensa. A mais-valia é a diferença entre o valor de trabalho, que, segundo Marx, foi colocado numa mercadoria e o preço pelo qual se vende essa mercadoria. Ou seja, se o burguês pagar para o proletário tudo o que ele colocou da sua força de trabalho ali, o burguês não vai ganhar nada. Ele tem de pagar ao proletário menos do que a mercadoria vale em termos de quantidade de trabalho necessário para produzi-la: essa é a mais-valia segundo Karl Marx.
Essa noção é autocontraditória conforme explicado por Böhm-Bawerk, no livro que, aliás, eu reproduzi no meu site. Como o proletariado vai crescendo, então, se os seus salários crescerem proporcionalmente à produção, não haverá lucro. Por isso a exploração da mais-valia tende a se tornar cada vez mais intensa. Quanto mais o proletariado cresce, mais ele é explorado e, portanto, os seus salários vão diminuir necessariamente. Essa foi outra coisa que não aconteceu. Aconteceu exatamente o contrário: quanto mais aumentava a produção, mais subia o salário dos trabalhadores. Isso já estava acontecendo no tempo de Karl Marx e ele sabia que isso estava acontecendo porque ele tinha a documentação disso que ele estudava naqueles relatórios --- na época só quem tinha estatísticas boas era a Inglaterra, que eram publicadas anualmente num relatório do Parlamento, chamado Blue Books --- e Karl Marx tinha lido todos os Blue Books. E nos Blue Books estava claro que a situação do proletariado não estava piorando, mas estava melhorando. No princípio houve realmente uma situação devastadora porque houve toda uma transferência de população do campo para as cidades e naturalmente veio mais gente para as cidades do que havia vagas nas indústrias e aquela massa desesperada toda veio para a cidade abandonando as suas lavouras que já iam se tornando improdutivas para tentar arrumar emprego nas cidades. Evidentemente não havia emprego para todo mundo, os salários eram baixíssimos e a jornada de trabalho chegava a ser de quinze horas por dia --- foi um horror durante uns vinte ou trinta anos. Porém, quando Karl Marx entra em cena, a situação já estava melhorando e daí por diante não parou de melhorar. Os salários dos proletários foram crescendo e crescendo. Esta é uma segunda contradição.
Ou seja, a idéia do sentido de história, tanto em Hegel, quanto em Marx, já é um emaranhado de contradições. Contradições que não são verossímeis quando nós vemos porque elas imitam de certo modo uma contradição e uma confusão que é inerente à própria condição humana. Mas imitar a confusão é uma coisa, e explicá-la é outra coisa completamente diferente. Reproduzir a confusão é uma coisa, e explicá-la é outra. Essas filosofias do sentido da história, de certo modo, reproduzem a confusão e soam, por assim dizer, esteticamente verossímeis. Cientificamente nenhuma delas pode ser conferida jamais. Eu já mostrei para vocês que todo esse processo de conversão, vamos dizer, dos fatos em fatos econômicos, dos fatos econômicos em proposições e das proposições contraditórias numa explicação geral, é tudo é tão complexo que não tem como ser testado cientificamente. A essas contradições internas se somam duas contradições externas trazidas pela própria história: a primeira, o proletariado está ganhando mais e parece estar satisfeito com a sua condição, portanto o proletariado trai o movimento socialista; e a segunda, o proletariado que deveria ser internacionalista, na verdade é nacionalista.
Quando você vê a formação dos partidos fascistas, por exemplo, do Partido Nazista, na Alemanha. Se você estudar a formação econômica do Partido Nazista, verá que o grosso das contribuições que ele recolheu foi no proletariado e na classe média baixa. A idéia mesma de classificar o nazi-fascismo como uma ideologia reacionária de classe média não funciona de maneira alguma. É muito doloroso você dizer: "Mas são os nossos agentes internacionalistas que estão contribuindo para a criação desse partido nacionalista extremado." Isso é ruim demais para ser verdade e eles tiveram de maquiar de algum modo a situação. Mas houve uma pesquisa até recente, esqueci o nome do autor, que mostra exatamente isso: os proletários contribuíram maciçamente para a criação do Partido Nazista, [1:10] que durante algum momento lhes pareceu expressar os seus interesses pelo menos tão bem quanto o Partido Comunista (também havia proletário que contribuía para o outro lado). Aí você já tem uma massa de contradições que é de estourar qualquer cérebro.
Então é justamente a esta altura que começa a se formar nos anos 20 o que viria a se chamar depois de a Escola de Frankfurt: um grupo de intelectuais, quase todos de família rica, e que puderam se agrupar graças ao dinheiro de um sujeito chamado Felix Weil, que era filho de um alemão que havia feito carreira na Argentina exportando cereais para a Europa. A Argentina era um país riquíssimo na época, então o dinheiro argentino financia a criação da Escola de Frankfurt, ou seja, era um bando de filhos de milionários financiados por outro filho de milionário. E desde o início eles têm essa tensão constitutiva: de um lado, como marxistas, eles não querem ficar na pura teoria, eles querem criar um instrumento de ação, de algum modo; mas por outro lado eles entendem que a situação se complicou e que é necessário ter uma visão objetiva da realidade e, portanto, é preciso atender aos critérios de objetividade científica etc. Isso aí nunca chegou a se resolver. A Escola de Frankfurt viveu esse problema até o fim. Eles tinham uma proposta, uma intenção de idoneidade intelectual. Por outro lado eles tinham também uma proposta de fidelidade ao movimento socialista. Dentro disso vai surgir aos poucos a necessidade --- que só se tornará mais clara aos poucos, na década de 60, nos EUA ---, de encontrar outro agente histórico que não o proletariado. Nós podemos tratar disso numa outra aula.
O esforço intelectual dessa gente para resolver essas contradições é um negócio monstruoso e até certo ponto admirável. Porém vocês podem imaginar que com todas estas dificuldades internas e ao mesmo tempo constituindo não apenas um grupo de intelectuais, mas um movimento de massas, o movimento marxista produzia idéia atrás de idéia, livro atrás de livro, proposta atrás de proposta e estava em permanente discussão o tempo todo. E com isso foi criando uma bibliografia tão imensa, tão imensa, que para você se orientar dentro dela você necessita de uma vida inteira. Isso significa que um estudante pode entrar de cabeça dentro desse oceano marxista e nunca mais sair de lá de dentro, porque aquilo vai alimentar a cabeça dele com problemas e com temas e dificuldades pelo resto da vida. E ele ainda tem de assimilar toda uma linguagem imensamente complexa e que vai se tornando cada vez mais rica e complexa à medida que as análises prosseguem.
Então se forma em torno disso o que eu chamei "a cultura marxista". Existem uns artigos que eu fiz do marxismo como cultura e ali você vê que a aquisição dessa cultura é às vezes o trabalho de uma vida. Para mim isso me custou dez anos da minha vida. Quando eu botei minha cabeça para fora disso foi com enorme surpresa que eu descobri que havia outras coisas, porque aquilo em que eu estava metido era tão grande e complexo que a possibilidade de alguém saber o que os marxistas não sabiam era remotíssima. Note bem que se você entra numa faculdade e, sob a inspiração do professor, mete sua cabeça nesse lamaçal marxista, você vai passar sua vida ali dentro, muito provavelmente. Vocês estão tendo uma experiência diferente disso aí, de entrar nisso tudo com uma bóia. Vocês não vão afundar, vão entrar e sair. Entra e sai, entra e sai, até você aprender a entrar e sair sozinho. No começo sou eu que vou puxar você de lá de dentro. É uma espécie diferente de experiência do marxismo.
O pessoal não marxista, que vem de outra formação completamente diferente, tem outra experiência. Em geral são pessoas de formação científica: ou estudaram economia, ou matemática, ou coisa assim e entram ali, dão uma lambida no processo e vêem que cientificamente isso não faz o menor sentido, dão as costas e vão embora. Isso quer dizer que dificilmente você encontrará um liberal ou conservador com conhecimentos profundos de marxismo. E isto é um problema porque o marxismo chegou a ocupar um terço da superfície terrestre e ocupa praticamente todas as universidades do Ocidente. O desprezo intelectual que você tem por aquela escola o impede de penetrar nas complexidades internas e, portanto, o impede de penetrar na experiência humana que é vivenciada por esses milhões de marxistas no mundo inteiro. O julgamento científico que você faz...
Eric Voegelin diz isso: "Eu li O Capital e durante três meses eu fui marxista, daí no ano seguinte eu fiz um curso de economia política e vi que aquilo tudo era uma besteira e me desinteressei daquilo." Bom, anos depois ele é obrigado a se interessar de novo, sob outra perspectiva, evidentemente. Mas desse pessoal liberal ou conservador eu nunca conheci um que tivesse vivenciado profundamente o drama intelectual marxista. Isso quer dizer que os marxistas não conhecem o pensamento dos outros e os outros não conhecem o pensamento dos marxistas. O que já é uma situação de uma anormalidade fora do comum. Aqueles que conhecem, em geral, são pessoas que estiveram mergulhadas no marxismo durante muito tempo e que quando começam a tirar a cabeça fora já é muito tarde e, do imenso universo de idéias que existem fora do marxismo, só adquirem um pedacinho.
Foi o caso do José Guilherme Merquior que teve uma formação marxista e viveu nesse meio até os quase quarenta anos e de repente descobriu que existe a economia liberal. Bom, o pensamento liberal já é algo fora do marxismo, sem dúvida, mas isso é uma migalha. Se você pensar: "Vamos agora examinar o marxismo do ponto de vista da filosofia hindu." Você sabe o tamanho da filosofia hindu? São milênios de um pensamento de uma profundidade muito maior do que um marxista pode conceber. E se você entrar já na filosofia islâmica? Na filosofia islâmica, só o Irã tem mais e maiores filósofos que a Europa inteira, praticamente. Bom, vamos examinar o marxismo do ponto de vista dessas filosofias. Foi o que eu fiz e, que eu saiba, só eu fiz, ninguém mais teve essa idéia. O pessoal saiu do marxismo, descobriu a filosofia liberal e achou que estava resolvido o problema. Muito bem, isso lhe permite rejeitar o marxismo, mas não lhe permite vencê-lo intelectualmente, porque como dizia Nietzsche, só se vence o que se substitui. Se você não colocar outra coisa no lugar do marxismo, não tem jeito.
E, além disso, as filosofias do sentido da história só têm como ser superadas desde uma visão escatológica real. Ou seja, você precisa entrar de cabeça nas revelações e ter toda uma filosofia do tempo e da eternidade, do juízo final, da escatologia etc., para, daí, você dentro disso, entender o marxismo de novo. Eric Voegelin foi um dos poucos que fizeram isso, mas eu acho que o conhecimento que ele tinha da filosofia islâmica era muito limitado. Ele mal chegou a dar uma lambida nesse negócio. E foi uma pena porque ele teria chegado a conclusões extraordinárias. Eu tive a sorte de ter [1:20] não só o conhecimento disso, mas a experiência direta do esoterismo islâmico através do Frithjof Schuon. Isso aí é uma coisa que aconteceu a pouquíssimas pessoas, o que me deu um posto de observação privilegiado, de algum modo. Veja a elasticidade mental que você precisa para você, partindo de uma formação marxista, ler depois o Reino da Quantidade e Os Sinais dos Tempos, do Guénon, e você conseguir entender uma coisa à luz da outra e a outra à luz da uma, é uma distância enorme. E se você ler isto no sentido em que Leibniz dizia, de concordar com tudo com o que lê, quando está lendo marxismo, você é marxista, se você lê Guénon, você é guenoniano. E assim vai articulando as coisas do modo que você puder.
Eu acho que essa seria a experiência intelectual fundamental para os séculos XX e XXI: percorrer toda esta gama --- isso não quer dizer só você conhecer e ler, você pode conhecer muita coisa e não vivenciar as contradições, não vivenciar o drama --- e se deixar efetivamente influenciar e enriquecer por essa multidão de perspectivas, eu acho que essa seria a tarefa fundamental. Veja a distância em que vocês estão ainda desta experiência; vocês não estão nela ainda. Eu estou preparando vocês para que entrem. Isso é para dez anos, vinte anos, sei lá. E hoje em dia você ainda tem outros elementos que no tempo do José Guilherme Merquior não existiam: o trans-humanismo, toda a situação de dominação globalista, toda a ideologia eurasiana, você tem uma série de elementos novos que não existiam naquela época e que o seu objetivo deve ser o de compreender tudo isso humanamente no sentido de Pico della Mirandola: "Nada do que é humano me é indiferente." E não há motivo para você dizer: "Ah, mas isso é muita areia para o meu caminhãozinho", porque não é. Quem fez tudo isso foi gente, não foram deuses. E mesmo o que Deus fez, Ele o fez à altura do seu entendimento.
Se você tomar só a Escola de Frankfurt, a bibliografia dela é tão imensa e os problemas internos são tão difíceis e sutis, que você pode passar anos ali dentro sem ler nenhum autor que seja de fora da Escola de Frankfurt. Essa experiência foi feita por Martin Jay, em um livro excelente, The Dialectics of Imagination. Ele não é nenhum discípulo, nem nenhum inimigo da Escola de Frankfurt. Ele simplesmente decidiu fazer um estudo altamente compreensivo, sem nenhuma rejeição, sem preconceito, porém sem evitar o senso crítico. Só que a crítica que ele faz é, por assim dizer, interna. Ele tem uma atitude de isenção em relação à Escola de Frankfurt, mas ele não tem um quadro de referência maior que a Escola de Frankfurt. Eu (vi) que ninguém examinou a Escola de Frankfurt de uma perspectiva maior do que a dela, ou pelo menos maior do que o marxismo.
Ninguém fez isso até agora e isso é absolutamente necessário. Os esboços de interpretação feitos por conservadores, com o nome de marxismo cultural estão muito no começo, muito rudimentares, e expressam antes uma reação de repulsa do que uma compreensão efetiva. E eles estão interessados não no pensamento da Escola de Frankfurt, mas no efeito que ela teve nas universidades e na política americanas. Não que esse interesse seja ilegítimo, ele é perfeitamente legítimo, mas ele está longe de resolver o problema. De modo que, por assim dizer, o problema está em nossas mãos. Eu não acredito que haja mais pessoas colocando esse problema do jeito que eu o estou colocando para vocês.
Não deixa de ser uma ironia que esses problemas surjam precisamente no Brasil, que é um país periférico e intelectualmente irrelevante, mas isso também não quer dizer que vocês tenham de viver dentro da irrelevância brasileira. Eu sinceramente espero que vocês evoluam, que se tornem intelectuais de alto gabarito, totalmente desajustados na sociedade brasileira, porque se estiverem ajustados, meus filhos, vocês vão ser imbecis como os outros. Vocês têm de estar desajustados, mas não revoltados, não sofrendo. Vocês têm de achar engraçado e se divertir. As pessoas se queixam que seus amigos não as compreendem. Ótimo! Se eles te compreendessem, isso significaria que você sabe apenas o que eles sabem. Saber mais é saber o que os outros não sabem. E saber o que os outros não sabem é saber que quando você abrir a boca eles vão achar esquisitíssimo e com aquela incredulidade do caipira vão dizer que você é louco. No começo você pode ficar um pouco assustado e deprimido com isso, mas ao longo do tempo você começa a se divertir com o negócio, principalmente se você tiver outras pessoas com as quais você pode conversar e que o entendem perfeitamente.
O Brasil é o único país do mundo em que as pessoas querem ser intelectuais highbrow e, ao mesmo tempo, querem ser compreendidas pela população em geral. Meu Deus! Em qualquer lugar do mundo você sabe que os intelectuais só conversam com os intelectuais, que os estudiosos só conversam com estudiosos. Ele não vai chegar para o frentista do posto de gasolina e querer explicar física quântica para outro entender em cinco minutos. Só no Brasil as pessoas esperam isso e quando essas expectativas não se cumprem elas ficam tristes. Como não existe no Brasil uma intelectualidade de alto nível capaz de criar o seu próprio meio social e ter o seu intercâmbio, então as pessoas querem conviver e ser compreendidas por todo mundo, até por seu pai e sua mãe: "Ah, minha mãe não me compreende!" Que injustiça você querer que sua mãe te compreenda. Sua mãe ficou lá lavando suas fraldas, esquentando sua mamadeira para que você pudesse estudar e saber mais do que ela. Agora você sabe que é você que tem de compreendê-la, não ela que tem de compreender você. Isso também quer dizer que a evolução na vida intelectual é impossível sem uma grande dose de generosidade, de piedade, bondade, de amor pelo ser humano, de compreensão pelos imbecis.
É claro que você não deve ceder, não deve se deixar se humilhar pelos imbecis, dar uns bons tabefes, mas nunca ficar com raiva deles. É normal. Às vezes dou um chacoalhão nos caras e as pessoas pensam que eu estou com raiva. Essa é uma interpretação imbecil. Por que eu vou ter raiva de um sujeito só porque ele é burro? Isso não faz o menor sentido. Mas você tem de dar umas boas palmadas no cara para ele aprender, para ele tomar jeito. Às vezes eles até tomam. O número de pessoas que me escrevem: "Eu odiava você. Agora eu estou estudando com você." Um monte de gente. Com o tempo você leva uma porrada, duas, três, quatro e você acorda. São porradas pedagógicas apenas. Eu não posso dizer que eu não me divirto com isso. Eu me divirto enormemente de ter tido um impulso sádico: é uma delícia. Você ver um sujeito burro e ignorante chegar para você com aquela certeza e você dá uma rasteira no cara: é uma maravilha. Eu confesso que eu gosto. Mas eu não fico ofendido nem triste que essas pessoas reajam assim.
E note bem, quando eu tinha a sua idade eu não tinha ninguém nem com quem conversar. Durante trinta anos meus amigos ou tinham trinta anos a mais ou trinta anos a menos. Ou seja, não eram propriamente amigos: eram alunos por um lado, ou conselheiros por outro. Eram o Meira Penna, o Roberto Campos, o Paulo Mercadante. Eram os velhinhos ilustres que ainda entendiam alguma coisa. E do outro lado tinha a massa dos estudantes que estavam chegando e não estavam entendendo coisa nenhuma. Ficou assim durante trinta anos. E pior: eu só percebi depois. Como é que eu agüentei essa solidão intelectual terrível? Eu só percebi depois. Se eu tivesse percebido na hora eu teria ficado aterrorizado. Mas eu comecei a notar isso foi justamente quando apareceu o Bruno Tolentino e eu tive umas conversas com ele que eu não podia ter com mais ninguém. O Bruno Tolentino era um sujeito da minha idade e tinha mais ou menos o mesmo nível de conhecimento. Ele e o Zé Mário Pereira. Foi aí que eu percebi: "Eu só tenho dois caras da minha geração para conversar." E daí que eu fui perceber que o meu nome tinha sido uma profecia: quer dizer sobrevivente. Morreu todo mundo e sobrei eu. Foi minha avó quem escolheu o meu nome. Velhinha iluminada. Então isso aconteceu para mim, não está acontecendo para vocês. Vocês têm um diálogo interno maravilhoso e isso certamente dá um suporte [1:30] social, humano e psicológico.
Porém -- quanto à Escola de Frankfurt -- notem o número de intelectuais brasileiros que viveram dentro da atmosfera desta escola e depois acompanharam novos desenvolvimentos que surgiram dentro do pensamento marxista, esquerdista em geral: desconstrucionismo, pós-modernismo etc. Quais são as relações entre este pós-modernismo e a Escola de Frankfurt? Continuação ou oposição? Não é possível saber, pois sobre certos aspectos alguns concordam, outros discordam, uns acham que é continuidade, ao passo que outros oposição. Só em relação a este problema: relações entre a Escola de Frankfurt e o pós-modernismo, é possível estudar vinte anos e tornar-se doutor pela USP, e no final você ainda não saberá nada, apenas as encrencas entre duas ou três pessoas. Isto é o máximo que você vai saber no mundo. No Brasil você já recebe um doutorado por isto e torna-se até um catedrático.
Uma coisa notável deste pessoal da Escola de Frankfurt é, por um lado, a acuidade em certas análises psicológicas e interpretações de obras de arte, e a absoluta incapacidade de entender aquilo que mais lhes interessa: o curso político das coisas. Quando se vêem as análises e previsões que faziam, eles nunca acertavam uma. Se você entregasse um quadro para o Theodor Adorno, ele lhe dava uma aula maravilhosa, porém, quando se pedia para analisar a situação política, ele errava cem por cento, sempre. Se perguntássemos se ele estava interessado na arte ele responderia que estava interessado no socialismo. Devido a isto, não espanta que o final da vida de muitos deles tenha sido totalmente decepcionante -- eu até mencionei no programa Trueoutspeak -- o final da vida de Theodor Adorno, quando as alunas dele, que tinham absorvido o ensinamento da Escola de Frankfurt e transformado em militância política, o desrespeitaram e humilharam completamente ao tirarem a roupa e esfregarem os peitos nele enquanto ele alegava que elas não o haviam entendido, morrendo em seguida. Walter Benjamin terminou assassinado pela KGB, ou Max Horkheimer, que foi o presidente da Escola de Frankfurt durante muito tempo e o mais inteligente entre eles, estava voltando ao judaísmo no fim de sua vida. Todos eles começaram com o judaísmo, o próprio Georg Lukács no início teve muito interesse pelo judaísmo. Então fizeram uma curva inteira e no fim Max Horkheimer quando morreu estava quase se reconvertendo ao judaísmo, sendo tudo isso muito melancólico.
Em matéria de previsões eu darei dois exemplos que o Martin Jay dá no livro (A Imaginação Dialética) -- as quais são sobre coisas importantíssimas e que eram do máximo interesse da escola -- e vejam como eles foram parar longe da realidade. Eu estou aqui com a carta (reproduzida na segunda edição do livro) que o Horkheimer, já idoso, mandou para o Martin Jay para agradecer pelo livro, dizendo assim (a carta foi escrita em dezembro de 1971):
"Já pelo fim dos anos vinte, certamente no começo dos anos 30, estávamos convencidos da probabilidade de uma vitória nacional socialista, assim como do fato de que ela só poderia ser enfrentada por meio de ações revolucionárias."
Ou seja, eles estavam conscientes de que o nazismo estava crescendo, iria dominá-los, e só uma ação revolucionária iria pará-los. Isto é o que eles achavam no começo dos 30. Porém foi justamente a ação revolucionária que facilitou a ascensão do nazismo. Se o pessoal da esquerda tivesse se aliado com o governo -- que era social democrata, uns tucanos -- teriam esmagado o nazismo. Mas como na teoria o governo social democrata era burguês, os nazistas o atacavam por um lado, os comunistas por outro, o governo caiu e, como os nazistas estavam mais bem organizados, conquistaram o poder. A previsão, portanto, foi exatamente o contrário do que aconteceu. Nesta esta altura nós teríamos que nos abster de ações revolucionárias e apoiar esses malditos tucanos, senão os nazistas irão nos comer vivos, como de fato fizeram.
Outra previsão, agora nos anos 60, de Friedrich Pollock, durante seu exílio nos EUA:
"A esta distância, o que está acontecendo nos EUA parece realmente patético, todos estes sintomas de desintegração da grande sociedade (...)."
A grande sociedade era um projeto do Lyndon Johnson, do estado previdenciário, o qual nunca parou de crescer desde então, já que nós estamos vivendo dentro da Great Society realizada; agora está todo mundo com o Social Security. Ontem mesmo estava lendo que há 88 milhões de americanos fora da força de trabalho, os quais não fazem nada e não estão procurando emprego, vivendo ou de suas famílias ou do Social Security. Aliás, isto é até um motivo para a taxa de desemprego ter diminuído um pouco mês passado: menos gente está procurando emprego porque não precisam.
"(...) apontam que não há nenhuma alternativa senão a perda das liberdades remanescentes e o governo de uma classe média rudemente materialista sob o comando de um Führer."
A respeito deste temor de a direita criar um governo fascista (um golpe militar de direita), existem centenas ou até milhares de filmes sobre isto, como Cinco Dias de Maio e outros tantos filmes. Era este o estado de espírito. De onde surgiu isto? Da Escola de Frankfurt, porque aqui você tem a família americana e a sua estrutura tem uma personalidade autoritária -- escreveram até um livro coletivo de quase mil páginas sobre a personalidade autoritária da família americana -- e esta classe média requer um regime de tipo fascista, e, portanto, irá ocorrer um golpe que acabará com a esquerda. Mas isso ocorreu nos anos 60, e é exatamente o contrário do que aconteceu, pois hoje quem está fazendo um governo fascista são eles. Estas são apenas duas previsões feitas por pessoas da Escola de Frankfurt.
O entendimento que este pessoal tinha das artes ou até das filosofias antigas era maravilhoso. Se eles quisessem ser puros intelectuais acadêmicos seriam um sucesso, mas estavam interessados em encontrar um novo agente da revolução. Quando encontraram estes novos agentes -- os estudantes, as prostitutas, os bandidos etc. -- estes se voltaram contra eles e os humilharam, adotando logo em seguida todas as táticas fascistas que estão atualmente em pleno uso generalizado. Houve um erro, portanto, naquilo que mais lhes interessava e no resto eles acertaram. Isto é uma tragédia intelectual monstruosa que não pode ser ignorada, e muito da vida brasileira é um eco remotíssimo da tragédia vivida por essas pessoas. Eu duvido que haja algum desses marxistas brasileiros que consiga compreender mais ou menos a Escola de Frankfurt como um todo -- eu acredito que exista uma tradução brasileira do livro A Imaginação Dialética -- eu duvido mesmo que consigam entender tudo que o Martin Jay está explicando aqui, pois isto exige muito mais cultura -- o nível que Theodor Adorno tinha -- e eles não possuem isso. Isto significa que a vida cultural universitária brasileira é o eco de uma sombra, de um sintoma, de um sinal, de uma coceira da Escola de Frankfurt; sem contar o que veio depois.
Eu imagino o que pode fazer um cérebro universitário brasileiro com este conflito de amor e ódio que existe entre os pós-modernistas e a Escola de Frankfurt: o sujeito pode dedicar a vida inteira dele a isso e produzir inumeráveis teses universitárias. Porém, de que maneira isto vai ajudá-lo a compreender o processo político e histórico real? [1:40] Em nada, pois para isso ele precisaria enxergar desde outras perspectivas muito remotas. Agora, por exemplo, está se falando do eurasianismo -- eu estou falando dele há vinte anos e eu li esta coisa toda. Pior ainda, eu conheço a retaguarda do pensamento russo que inspirou o Duguin -- não todo, evidentemente, pois eu não leio a língua russa -- mas, do que eu pude ler em tradução inglesa, francesa, italiana e alemã, eu li e aprendi muitas coisas. Sobretudo no meu curso com o Pe. Ladusãns que foi feito inteirinho na base de um trabalho que ele estava fazendo sobre o Vladimir Soloviev, que é um desses grandes nacionalistas russos e inspirador remoto da idéia eurasiana. Mas esse pessoal nunca leu uma linha de Soloviev, porque ele é um filósofo cristão da ortodoxia russa e isto não causa interesse na USP. Mais ainda, o Duguin leu toda a obra de René Guénon e Julius Evola, e você tente imaginar um marxista da USP lendo Julius Evola! Ele está falando sobre alquimia, magia etc. É um mundo estranho, pois em toda a USP eu só conheci dois camaradas que sabiam disso: um era o Ricardo Mário Gonçalves, o qual era monge budista e dirigiu o Instituto de Estudos Orientais na USP, e outro foi Ignácio da Silva Telles que era um tipo totalmente extravagante e isolado dentro da faculdade e ninguém entendia uma palavra do que ele dizia.
Aliás, aconteceu um fenômeno extraordinário com Ignácio da Silva Telles, pois ele foi fã do Julius Evola e quando ele foi para a Itália quis conhecer a casa do Julius Evola, que agora era um museu -- ele tinha morrido uns cinco ou seis anos antes -- e foi o próprio Ignácio que me contou esta história. Enquanto contava ele arregalava os olhos exibindo seu medo, comprovando que a coisa tinha acontecido mesmo. Ele então telefonou para o museu, perguntou quem era e o conde Julius Evola respondeu que era ele próprio. O Ignácio disse que gostaria de conhecê-lo. O Julius Evola falou para ele ir e ele foi. Chegando, estava o Julius Evola sentado em sua cadeira de roda -- pois ele havia perdido as pernas durante a guerra -- e o Ignácio conversou com Julius Evola durante várias horas, cinco anos depois de o homem ter sido enterrado e voltou para casa sem nunca ter entendido o que tinha acontecido. Eu também não entendi, evidentemente. Pode ser que o Julius Evola enganou todo mundo dizendo que havia morrido apenas para ninguém mais lhe encher o saco, pode ser que fosse o fantasma dele, pode ter sido uma alucinação, porém, o Ignácio era louco, mas não rasgava dinheiro; aliás, era um dos homens mais cultos e brilhantes que eu conheci no Brasil. Apenas essas duas pessoas sabiam disso.
Quando o Jacob Pinheiro Goldberg organizou um simpósio sobre as religiões orientais na USP havia um monte uspianos e uma ignorância geral em vista disto, e isto ocorreu ainda nos anos 80. Na época eu estava escrevendo algo sobre René Guénon e dei uma conferência no Instituto de Biociências da USP sobre o que era o conceito de ciências tradicionais, e todas as pessoas na platéia estavam espantadas, pois não sabiam do que eu estava falando. Eles não entenderam nem o suficiente para contestar. O despreparo para lidar com essas coisas é algo monstruoso no Brasil.
Por isso mesmo, a Escola de Frankfurt, para essas cabeças -- sem contar os problemas entre a Escola de Frankfurt e os pós-modernistas -- pode ser tema de uma vida inteira para professores da USP, os quais nunca vão sair daí.
Eu espero que vocês façam melhor, mas não agora, pois isso dará muito trabalho. Também não sugiro que mergulhem de cabeça no marxismo amanhã. Não façam nada na área antes de ler o livro inteiro do Kolakowski: Main Currents of Marxism (As Correntes Principais do Marxismo, eu acredito que exista uma tradução brasileira), sendo este o livro número um. O livro tem aproximadamente mil páginas, e depois de lerem o Kolakowski talvez estejam prontos para estudar o assunto, sabendo de antemão que não irão conseguir algum resultado antes de dez a vinte anos. Vamos fazer uma pausa e depois voltamos.
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Aluno: Há alguma diferença no argumento ontológico de Santo Anselmo e no de Leibniz? Em Leibniz a existência de Deus parte da idéia do pensamento, isso seria o mesmo que o argumento ontológico?
Olavo: Em substância sim, há mais uma ênfase de interpretação determinada por alguma influência cartesiana em Leibniz, mas em substância é o mesmo argumento.
Aluno: Ao estudar a obra Górgias de Platão pareceu-me haver ali três tipos representativos de três situações possíveis aos intelectuais: (a) o cinismo ainda envergonhado representado por Górgias; (b) o cinismo descarado e rude manifesto na figura grosseira de Polo e (c) o cinismo declarado e com pretensa justificação filosófica, exercido por Cálicles, o qual, conforme percebe a natureza, deduz de seu funcionamento, a justificação da idéia de ser justiça o direito do mais forte, e, vez que estou com um olho no que se passa na Atenas desse diálogo e com outro no que ocorre em nossos dias, pediria que o senhor indicasse situações em nosso mundo moderno as quais possam ser compreendidas com o auxílio da imagem dessas situações que aparecem no Górgias e que, de retorno, ajuda a esclarecer o diálogo.
Olavo: Isso é muito interessante, mas eu não estou preparado para responder esta questão agora. Eu posso dar uma aula sobre isso depois se você quiser e acredito mesmo ser esse tema bastante interessante. Praticamente tudo que acontece no debate intelectual hoje já está prefigurado, de algum modo, nos diálogos de Platão. Sempre há ali o modelo, mas neste caso eu precisaria pensar um pouco, para colher estes exemplos e dar uma aula. Prometo fazer isso.
Aluno: Consigo perceber as forças que oprimem o meu ser, porém, não entendo que pessoas possam ser manipuladoras a ponto de dominar pensamentos fracos ou sem aporte. Hoje, dentro do seminário, podemos encontrar vários tipos de mentes boas e más, e nesse ínterim há certas pessoas que dominam o fórum, discussões e outras mídias, pois aparentemente estão mais avançadas e aí reside o problema. O senhor já usou a metáfora da academia de luta, no entanto o dispor desses alunos mais antigos às vezes se torna impenetrável. Como podemos integrar os alunos mais novos e mostrar as diretrizes norteadoras desse curso de maneira mais abarcável? Eu sei que não fraquejaremos, mas somos todos tentados pelo demônio. Eu sei que o senhor já fez isso, porém é necessário que possamos reunir todos em algum lugar do Brasil para saber quem são essas pessoas fisicamente e trocarmos network*.*
Olavo: Muito antigamente nós fizemos, quando isto se chamava Instituto Brasileiro de Humanidades, nós fizemos um congresso em Vassouras onde oito alunos apresentaram partes do curso que eles haviam assistido, pois eu havia dado cursos com temas diversos a diferentes grupos e ninguém tinha o conjunto. Hoje este conjunto seria muito maior, ele teria muito mais elementos, e mesmo na época nós não conseguimos reunir todos, acho que havia noventa pessoas no congresso de Vassouras numa época em que eu tinha uns quinhentos alunos. Atualmente eu possuo muito mais alunos e não sei como seria possível reunir essas pessoas, nós precisaríamos de um grande investimento para fazer isso. De qualquer modo, o Euclides Oliveira tinha oferecido uma fazenda que ele tem no interior de São Paulo para essas reuniões. Eu irei conversar com ele e verificar se é possível, apesar de eu não saber se ele teria condições de alojar tanta gente assim, pois temos aí um grande problema logístico. Se algum de vocês tiver experiência na organização deste tipo de encontro, eu agradeceria a colaboração, pois eu não estarei aí. O congresso de Vassouras foi realmente muito bom, bastante produtivo, mas vejam que até hoje nós não conseguimos publicar todos os trabalhos que foram apresentados. Mesmo porque eu não possuo a cópia escrita da maioria e as gravações estão com o Sr. Edson de Oliveira da É Realizações, o qual sentou [1:50] em cima delas. Ele não se recusa a dar, mas também não dá.
Aluno: Em primeiro lugar quero agradecer pelo seu trabalho, o qual tem sido uma grande bênção em minha vida. Sou aluno do COF e ainda estou na aula 9, porém, na aula 7, o senhor falou que devemos aprender a escrever imitando os escritores, sugerindo inclusive vários autores da língua portuguesa. Decidi começar por Graciliano Ramos, mas agora que chegou a hora de pôr a mão na massa estou sem saber o que fazer. Eu não sei o que escrever, então pego alguns trechos interessantes e os copio literalmente. Isto também funciona?
Olavo: Funciona. Você está tendo o mesmo problema que eu tive. Quando eu tinha quinze anos de idade eu estava louco para ser um escritor, e então rabiscava uns negócios. Porém, em certo ponto, eu percebi que não sabia coisa nenhuma, não possuía experiência, não tinha visto nada, e assim não tinha sobre o que escrever. Por isso resolvi ficar quieto e só publiquei meu primeiro livro com 48 anos de idade depois de ter adquirido alguma experiência. Eu decidi obter experiência da vida e me meti em tudo que me parecia interessante onde eu poderia aprender alguma coisa. Eu entrei para o partido comunista, fiz oito psicanálises, participei de nova era, ordem rosa-cruz, UFOs, astrologia, macumbas variadas, esoterismo islâmico, todo o submundo do século XX eu quis conhecer. "Experimentai tudo e ficai com o que é bom", dizia São Paulo, e eu de fato fiz isso. Em alguns desses casos eu quase paguei com a minha saúde mental, em outros com a minha vida e certamente em todos paguei com meu dinheiro. Eu perdi muito dinheiro com essas experiências, porém acho que valeu a pena, pois eu vejo que existem algumas experiências que foram insubstituíveis e as quais eu jamais aprenderia num livro e nem numa faculdade. Eu noto, por exemplo, o esoterismo islâmico e a sua enorme influência na direção de muitas coisas no mundo, que me permitiu entender certas coisas com vinte anos de antecedência; coisas que iriam acontecer necessariamente -- que para mim estavam claras -- pois eu estava como testemunha ocular da história, eu estava vendo acontecer. As conversas que eu tive com o Seyyed Hossein Nasr, e tudo que ele me contou que estava se passando no Irã na época. O meu entendimento foi muito além do que poderia obter em qualquer faculdade e muito menos na mídia.
De repente, porém, começou a me ocorrer o problema contrário: eu tinha visto e sabia de mais coisas as quais eu jamais poderia escrever. Eu estou dando este curso justamente porque eu não consigo escrever tudo. A transcrição de cada uma dessas aulas, por exemplo, resultam no mínimo trinta ou quarenta laudas, que levam de três a quatro dias para serem escritas, trabalhando em tempo integral. Eu decidi, por isso, ser um falador no lugar de um escritor. Aquilo que eu escrevo é mínimo em relação ao que estou transmitindo para vocês. Sinceramente eu não conseguiria escrever tudo isso e por isso que eu peço que me ajudem fazendo transcrições. Em filosofia isso é muito comum, há muitas obras de filósofos que são meras transcrições de aulas como as famosas Lições sobre Filosofia da História Universal de Hegel, Experiência e Juízo de Edmund Husserl, e muitas outras foram feitas assim por pura impossibilidade. Edmund Husserl ainda tinha o truque da taquigrafia -- que eu lamento enormemente não ter aprendido quando jovem, pois como toda habilidade mecânica, perde-se a capacidade com o tempo --, mas mesmo com taquigrafia seria ainda muito difícil. Eu até pensei em aprender a falar o português de Portugal, onde é falado o que é chamado de taquifonia, na qual só se falam as consoantes e pulam-se as vogais, saindo o som muito mais rapidamente. Um português falando em uma hora fala o que nós conseguiríamos em duas. Poderíamos desta maneira, enriquecer as aulas se eu aprendesse a falar como o Mário Chainho.
Eu não sei como resolver esse problema. Se você não tem o que dizer, não diga. Você também pode experimentar a simples paráfrase, que consiste, por exemplo, em você escolher um artigo de jornal que está mal escrito e reescrevê-lo de maneira correta imitando seus escritores prediletos. O que Graciliano Ramos faria -- e note que ele era copy desk de jornal --, o que é sem dúvida uma prática extraordinária, que para mim foi excelente, já que eu mesmo fui copy desk por muitos anos. Na época quando eu não tinha o que dizer eu simplesmente pegava as matérias dos outros e passava para língua de gente. Aqueles repórteres que se consideravam um Camões, ficavam ofendidos quando corrigíamos as matérias deles, mas era uma necessidade, pois eles de fato escreviam mal. Naquela época cada jornal tinha um corpo de copy desk que era notável e eu aprendi muito com isso. Quando você não tiver o que dizer, reescreva o que os outros disseram; acredito ser esse um bom exercício. Se você não puder fazer isso profissionalmente como eu fiz, faça na sua própria casa.
Temos aqui uma carta de um aluno que relata algo que ele está fazendo com alunos do curso de medicina. Ele está passando uma versão concentrada do COF aplicado a assuntos da área médica. Eu não poderei ler tudo aqui, mas está bastante interessante e parabéns por este trabalho. Sobretudo ele aplica os quatro discursos nas humanidades médicas.
Aluno: Motivado pelo seu incentivo à apreciação das artes no recém-lançado roteiro de leituras e estudo, especialmente a interpretação de Hans Holbein na aula 52, gostaria de lhe apresentar em primeira mão uma abordagem extensiva das obras de Vermeer feita por Maria Vilma Veras, minha mãe, uma dedicada estudiosa da idade média e da renascença que ultimamente vem se especializando neste ilustre pintor.
Olavo: Eu certamente vou ler, porém não tenho condições de comentar isso agora. Muito obrigado por ter me enviado, mas eu estou pedindo para vocês não me enviarem trabalhos por enquanto, pois a partir, mais ou menos da metade do ano que vem, nós vamos ter um upgrade no curso e cada aula será em função do trabalho de um aluno. Para isso eu precisarei de pelo menos uma semana para ler e analisar cada um. Uma coisa é você ler um livro que você está usando para se informar, há livros que eu leio em um dia e outros que eu leio em três anos, como aconteceu com A Fenomenologia do Espírito de Hegel. Eu levei três anos com este e ao mesmo tempo estava lendo outras coisas. As obras do André Marc, um filósofo escolástico fabuloso, por exemplo, merecem cada livro um ano de leitura, enquanto isso leia outras coisas. Esta é a famosa distinção do Pe. Sertillanges entre as leituras formativas e informativas. Mas um trabalho desse não é nem um nem outro, é preciso fazer uma leitura crítica em profundidade e em menos de uma semana não é possível fazer isso. Por isso cada semana será sobre um trabalho, e eu peço que os outros assistam também e não apenas o autor do trabalho, ou seja, todos devem se interessar pelo trabalho de todos e isto será muito bom para cada um. Mas, como já disse, eu só irei fazer isso a partir da metade do ano que vem, portanto, não me sobrecarreguem com leituras, pois eu já estou sobrecarregado. Para vocês terem uma idéia, só com a bibliografia a respeito da mentalidade revolucionária eu tenho duas estantes cheias das quais eu não li nem a metade ainda. Não é que eu não terminei o livro, eu não terminei nem a pesquisa, pois quanto mais eu cavo eu vou [2:00] descobrindo mais coisas.
Celso Vieira Costa diz que foi excluído do meu perfil no Facebook. Foi acidente, Celso, não foi nada do que você está pensando aqui, foi simplesmente acidente: alguém clicou o "x" errado. Não precisa interpretar. Não faz nenhum sentido o que aconteceu, você vai ser restaurado lá. Uma sugestão é você me acrescentar como grupo e não como amigo, porque amigo não está cabendo mais. Mas eu não entendo esse negócio de Facebook, até hoje não sei lidar com aquilo, tenho de pedir socorro para o Maurício de vez em quando. Para botar lá o Zé do Caixão foi um osso.
Aluno: (Ele passa um arquivo anexo.) A Fundação Ford gastou mais de U$ 200 milhões para divulgar a idéia de que a única função da empresa é o lucro e que não deve ser feita nenhuma consideração de ordem moral relacionada a isso.
Olavo: Sim, ao mesmo tempo em que a Fundação Ford faz isso, ela também promove gayzismo, cotas raciais, essa coisa toda. Daí ele pergunta: "Qual é agenda da Fundação Ford nessa iniciativa?". Eu digo: essa agenda é muito simples. Você espalhar as idéias da economia liberal, transformar numa espécie de ideologia de Ayn Rand, faz parte da agenda, quer dizer, você oferecer essa espécie de economicismo puro que, baseado na Ayn Rand, faz todo sentido do mundo e, portanto, você esvaziar a ideologia conservadora de todos os seus valores é tão essencial quanto você divulgar os valores opostos. E tem muito camarada liberal, por exemplo, no tempo do Fórum da Liberdade, quantos discípulos da Ayn Rand eu não conheci que estavam lá, achando "Não, nós vamos combater o comunismo, vamos pregar a utilidade do egoísmo e vamos atrás do lucro" etc. Eu digo: ora, vocês não sabem o que estão fazendo, vocês estão esvaziando a coisa de valores civilizacionais de dois mil anos em troca de uma maluquice inventada por uma senhora que não sabe sequer que egoísmo e altruísmo não são conceitos filosóficos, e sim apenas expedientes psicológicos.
Uma boa parte desse ideário liberal, quando vem nesses termos, está muito bem encaixada dentro do sistema globalista porque, você veja, a livre empresa é absolutamente necessária para o funcionamento da economia. Todo mundo sabe disso, o sujeito mais comunista que tem no mundo sabe disso, então não tem jeito de você se livrar da livre empresa, então precisamos de algum modo fomentá-la também. Só que a empresa se dedica exclusivamente a lucro, ela não dá palpite na esfera moral e as religiões também não dão palpite na esfera moral, a esfera moral é estatal. Entenderam qual é o truque? A função do empresário é a seguinte: você faz dinheiro e paga imposto e não enche o saco, que é o que os caras estão fazendo hoje, achando que com isso... Esses empresários acham que a vitória econômica do capitalismo os preserva do comunismo. Quanta gente não achou isso? Eu digo: meu Deus do céu, o seu capitalismo já está inserido dentro do esquema socialista global, você está trabalhando para eles. Eu não sei se ficou claro o que eu estou explicando aqui. Acho que ficou um pouco grosseira a explicação, mas é mais ou menos isso.
Aluno: Uma das primeiras coisas do marxismo que me chamaram a atenção foi o fato de que a obra fundamental se dedica basicamente a ver os defeitos do inimigo, nada foi escrito do que seria o tal mundo socialista de fato.
Olavo: O silêncio, a omissão de Marx e da maior parte dos autores do que seria o socialismo é absolutamente fundamental. Faz parte da natureza dos movimentos revolucionários não terem uma meta determinada, porque se tiverem uma meta determinada, terminou o processo, você pode ser julgado a partir daí. Então as propostas utópicas são como o horizonte: você diz "Vou viajar até o horizonte", você vai indo e o horizonte vai indo para frente, para frente, para frente, e você nunca alcança. Isto é absolutamente necessário.
Essa é outra ilusão, aliás, que esses liberais botaram na cabeça: como a economia comunista é impossível, então, pronto, o comunismo está derrotado. Não, meu filho, como a economia comunista é impossível, você jamais vai chegar ao controle estatal completo da produção, você pode se aproximar dele indefinidamente. Enquanto isso, você vai construindo o sistema de poder político cada vez mais indestrutível. Quer dizer, a falta de objetividade ou de fundamento econômico do socialismo não é uma objeção contra o socialismo, ao contrário: se o socialismo fosse realizável, eu digo, está realizado, agora vamos julgá-lo, vamos ver se funcionou ou não funcionou. Mas acontece que o socialismo não pode ser julgado. Por quê? Porque não há nada ali definido. Como disse o Lula: "Nós não sabemos o tipo de socialismo que queremos". Ora, e quem é que soube? Nunca ninguém abriu a boca para dizer como será o socialismo. Você tem uma definição muito geral, oca. Geralmente uma definição adjetiva que não diz materialmente como será, mas [diz]: será uma sociedade mais justa, mais irmã, mais igualitária, mais isso, mais aquilo. É tudo lindo, mas eu digo: sim, têm todas essas qualidades, mas o que é? O quid est. Eles não respondem na categoria da substância, mas na categoria da qualidade, e com isso vai empurrando com a barriga. E à medida que você vai se aproximando disso como numa assíntota --- aquela curva que vai chegando, chegando, mas nunca chega ---, o trajeto corresponde ao aumento formidável do poder da elite socialista na educação, na cultura, na religião etc.
Você vê que atualmente nós vivemos uma situação em que o controle estatal de uma conduta religiosa já é uma coisa aceita pelas multidões, sem perceber o que estão fazendo. Quer dizer, o próprio tipo de resistência que as religiões oferecem às vezes é desse tipo também. Sempre que você para se defender desse avanço avassalador do poder dessas pessoas, você alega os seus direitos, você está ferrado. Por exemplo, as pessoas que querem... Uma vez a Companhia Souza Cruz me chamou: "Você não quer escrever um negócio sobre os direitos dos fumantes?", eu falei: "Não". Você abriu a boca para defender os seus direitos, você já está derrotado, você já é oprimido. O que você tem de fazer é desmascarar o adversário, mostrar que ele é fraudulento, você tem de ir em cima dele de pau, processá-lo por fraude. Agora, "Ah, meus direitos", pronto. Era até um rapaz, um político bem intencionado, falava "Os direitos dos fumantes". Eu falo: você não tem de falar dos direitos dos fumantes, você tem de impor a sua presença.
Por exemplo, o negócio do flash mob que eu falei, esta é uma medida essencial: você junta cem fumantes, entra num restaurante, todo mundo acende o seu cigarro e não sai antes da última baforada. O que eles vão fazer? Para prender cem pessoas, precisa da tropa de choque da PM, não dá tempo de ela chegar antes de acabar o cigarro. Na semana seguinte, você volta. Faça isso uma dezena de vezes e pronto, o antitabagismo está desmoralizado. Não é alegando os seus direitos e transferindo para uma discussão teórica de direitos que você vai vencer. Nunca ninguém venceu assim. Nós vencemos com atos e vencemos quebrando as pernas do adversário, e não choramingando que os seus direitos foram aviltados. Eu nunca fiz isso, eu já entrei num monte dessas brigas e, em geral, ganhei. Quando não ganhei, deu empate. Perder, não perdi nenhuma, nem mesmo contra o governo federal, nem mesmo contra o pessoal do PC do B, por quê? Porque eu não fico choramingando, "Ah, meus direitos, estou sendo perseguido". Perseguido eu? Nada, vocês acham que estão me perseguindo. Então quando você assume essa posição ativa e realmente combativa, você quebra a autoridade deles.
Outra coisa: não é só questão de combater. Se você vai combater a coisa com raiva, você também está por baixo, você tem de combater com autoridade. Você não tem de protestar, quem protesta é o perdedor, você tem de entender isto. Um vencedor não protesta, um vencedor manda. Ontem eu estava conversando aqui, até com um aluno que está aqui visitando, falando para ele que, no Brasil, você não tem líderes conservadores, nunca teve, na verdade. Agora, você tem pessoas que vão lá e reclamam um pouquinho e expõem lá suas idéias, mas que não falam com autoridade. Primeiro, não querem o poder e não encarnam um poder. Por menos vocação política que você tenha, quando você fala em público, você tem de encarnar uma autoridade e um poder, que nem eu fiz quando eu mandei a platéia de sem-terra calar a boca. Eu não falei com raiva, [2:10] eu falei que nem um professor fala com alunos rebeldes: é assim que se faz. Mas você não encontra esse tipo de mentalidade no Brasil. É sempre assim: os meus direitos, eu estou sendo perseguido etc. Ora, você não pode se queixar de ser perseguido. A partir da hora que você se queixa e alega os seus direitos... Quem alega os direitos, qual é a posição em que você fica? Você fica como um réu que está pleiteando na justiça alguma coisa: os meus direitos foram espezinhados, então você vai ao juiz. Na hora em que você faz isso, está reconhecendo a autoridade superior do juiz, então por isso que você apela a ele. Ora, se não há juiz, só você e o adversário, se você defender os seus direitos, você está se tornando o adversário do seu juiz, está aumentando a autoridade dele. É uma coisa tão óbvia. Nós não protestamos, nós não reclamamos, nós damos ordem. Se os caras não obedeceram, problema deles.
Mas liderança é autoridade, mesmo na esfera cultural. Na esfera cultural, você impõe a sua autoridade pelo conhecimento, pela argumentação etc. Numa esfera mais pública, não basta só isso, você tem de impor pela sua postura também. Aí é mais um negócio psicológico do que intelectual, é uma coisa que você sente quase fisicamente, você tem de crescer diante da platéia. No Brasil, não há ninguém capacitado a fazer isso. Eu vi as pessoas fazerem isso nos anos 50-60. Eu vi o Carlos Lacerda tapar a boca do Teatro Municipal inteiro, cheio de estudante, todo mundo vaiando, ele mandou calar a boca e todo mundo [calou]. Antigamente os políticos sabiam fazer isso. Não tem mais político no Brasil. Este pessoal do PT, ali você tem alguns... A grande especialidade deles é a publicidade, eles são muito bons em propaganda e tal, nisso aí eles são muito bons. Verdadeiros estrategistas eles não têm e não precisam ter, porque para combater o nada, basta o nada, mas verdadeiros líderes eles não têm nenhum. O Lula não é um verdadeiro líder. Ele não tem aquela autoridade que emana da pessoa, que, por exemplo, um Stálin ou um Hitler tinha. Nem Che Guevara tinha isso, ele virou autoridade póstuma, depois que morreu, criaram uma imagem dele, mas o Fidel Castro tinha. Então é uma força da personalidade. Às vezes você pode estar com a razão, pode ser inclusive um grande conhecedor da matéria, pode ser o maior conhecedor da matéria, você tem autoridade intelectual, mas você não tem este tipo de autoridade de postura humana. Então se é este o caso, meu filho, não vá enfrentar uma platéia hostil.
Por exemplo, Dom Bertrand, eu o acho o homem brasileiro mais patriota de todos os tempos. Ele se interessa por tudo que é Brasil, ele estuda, conhece tudo e, intelectualmente, ninguém pode com ele. Mas, ele não é uma pessoa de se impor nesse sentido, não é um comandante, apesar de ser um príncipe. É um príncipe, mas não teve esse treinamento. Na política brasileira, o que precisa é esse tipo de pessoas, e não de gente que vai lá protestar, reclamar. O pessoal às vezes menciona um ou outro político, "Esse aqui tem coragem", mas não é questão só de coragem. Uma coisa é a coragem da minoria que apanha, outra coisa é a coragem de impor uma liderança, isto é uma coisa completamente diferente.
O Bruno Braga manda aqui uma pergunta sobre o Schopenhauer, mas eu não vou poder resolver isso agora. É muito comprida a sua pergunta. Exercícios de escrita: coloque a sua pergunta em cinco linhas --- excelente discurso literário. Você veja, durante anos em que eu trabalhei em redação de jornal, tudo tem tamanho predeterminado, não pode passar uma linha e uma palavra. Aliás, até hoje, os meus artigos no Diário do Comércio são 5.500 toques, entre 5.500 e 5.599, não pode passar daí. Pode contar letras e espaços, está sempre... Eu aproveito até o último pedacinho. Eu posso fazer um de 2.000 se eu quiser, mas eu falo, eu não vou fazer essa concessão. Se eles me dão esse espaço, eu vou ocupar até o fim. Então isso é um exercício de escrita excelente. Então faça isto aqui: não farei perguntas de mais de cinco linhas. Poder ser a coisa mais complicada do universo: eu quero saber as relações entre Aristóteles, Leibniz, a física quântica, a teologia cristã e os extraterrestres. Eu digo: comprima em cinco linhas. Eu trabalhei para um americano uma vez, e ele disse: "O que quer que você tenha a dizer, se você não conseguir dizer em um minuto, é porque não tem importância". É terrível, mas você tinha um minuto contado no relógio. Eu não vou lhes impor um minuto, mas tentem comprimir as suas perguntas, por favor.
Então até a semana que vem. Muito obrigado.
Transcrição: Jussara Reis, Paulo Ricardo Costa Pinto, Eduardo A. Aguiar e Aramis José Pereira.
Revisão: Antonia Javiera Cabrera Muñoz