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Curso Online de Filosofia

Olavo de Carvalho

Aula 164

21 de julho de 2012

Boa noite a todos, sejam bem-vindos!

Vocês têm aí online um texto extraído do livro do Pe. Stanislavs Ladusãns, Gnosiologia Pluridimensional, que é uma versão abreviada de uma apostila que ele usava nos seus cursos. Eu até tenho uma versão mais atualizada sob a forma de uma apostila datilografada e mimeografada, mas não consegui achá-la. Então pedi que me mandassem um exemplar deste livro e daí extrai este pedacinho. A parte que nos interessa começa onde está: "A história da gnosiologia..." e vai até o segundo parágrafo da página 13. Vou ler brevemente e depois comentar:

"A história da gnosiologia manifesta que várias falhas graves na reflexão crítica sobre o conhecimento humano resultaram do lamentável descuido fenomenológico. Como conseqüência desastrosa do mencionado descuido, resultou na filosofia moderna e contemporânea o puro subjetivismo, relativista e cético, que eliminou da realidade quer o sujeito cognoscente, quer o objeto cognoscível. O racionalismo exclusivista e o empirismo exclusivista, duas formas radicais daquele subjetivismo, são examinados minuciosamente e rejeitados decididamente por Vladimir Sergeevic Soloviev na sua dissertação doutoral "Krizis zapadnoj filosofii" (1874), obra de grande valor, mas pouco conhecida no Ocidente."

(A primeira tarefa que o Pe. Ladusãns me passou no curso dele foi, justamente, fazer uma análise estrutural desse livro, A crise da filosofia Ocidental. Eu fiz, e da qual, creio, ainda tenha alguns rascunhos aqui. A leitura dessa obra deixou na minha mente um impacto muito profundo e espero voltar ao assunto em outras aulas.)

"Quanto ao puro subjetivismo racionalista da filosofia ocidental, a tese crítica do filósofo russo, grande artífice de ordem e de organização das idéias na história do pensamento filosófico, é expressa no seguinte silogismo: "1. (premissa maior do dogmatismo) --- O que verdadeiramente é, é conhecido aprioristicamente. 2. (premissa menor de Kant) --- Mas no conhecimento apriorístico se conhecem somente as formas do nosso conhecimento. 3. (Conclusão de Hegel) --- Portanto as formas do nosso conhecimento são o que verdadeiramente é". Ou também, como Soloviev mesmo resume silogisticamente a tese do puro subjetivismo racionalista: "1. --- Nós pensamos o que é. 2. --- Mas nós pensamos somente conceitos. 3. --- Portanto o que é, é conceito".

Quanto ao puro subjetivismo empirista, radicalmente exclusivista, formalista e unidimensional, a tese crítica condenatória de Vladimir Sergeevic Soloviev, promotor, como S. Tomás, do universalismo gnosiológico realista, é expressa no seguinte silogismo: "1. (premissa maior de Bacon) --- O que autenticamente é, é conhecido na nossa experiência real. 2. (premissa menor de Locke e outros) --- Mas na nossa experiência real se conhecem somente os diversos estados empíricos da consciência. 3. (conclusão de John Stuart Mill) --- Portanto os diversos estados empíricos da consciência são o que verdadeiramente é".

A denúncia e advertência do grande filósofo russo Vladimir Sergeevic Soloviev constituem um motivo muito sério para perguntar logo, já na presente investigação introdutória: qual é o caminho corretivo?"

Esta obra de Vladimir Soloviev é constituída com base em uma premissa empiricamente verificável de que, pelo menos em certas etapas do pensamento (não podemos tomar isso como regra geral), a sucessão das escolas e das correntes de pensamento forma um encadeamento não só histórico, não só temporal, mas também lógico. É nesse sentido que ele expõe a sucessão de certas filosofias como se fosse um silogismo: premissa maior, premissa menor, conclusão. Isto de fato se verifica. Se estudarmos essas filosofias em seqüência, veremos que a coisa realmente aconteceu assim. Isto não quer dizer que ele esteja aceitando a premissa hegeliana de que toda a história da filosofia é um longo raciocínio, um longo argumento do princípio ao fim. Este é um argumento de Hegel, com base no qual ele construiu não só a sua Fenomenologia do Espírito, mas também as famosas lições sobre a história da filosofia universal. Isto quer dizer que, para Hegel, a história da filosofia era o próprio desenvolvimento interno do conceito que se desdobrava nas suas conseqüências lógicas ao longo do desenvolvimento histórico da humanidade. Soloviev não toma isso como uma premissa metodológica geral, não aceita isto, mas observa que em certos momentos isto de fato acontece, formando então as escolas, a curva de um raciocínio com começo, meio e fim.

Quando chega ao fim, a conclusão que foi longamente elaborada − não no curso dos pensamentos de um filósofo, mas justamente na passagem de uma escola para outra −, se consolida mais ou menos como um consenso coletivo da classe filosófica, embora possa haver consensos opostos como se vê na própria contraposição de racionalismo e empirismo. Contraposição que também não deve ser tomada muito ao pé da letra, porque o desenvolvimento temporal destas duas escolas não coincide. Nós podemos dizer que o racionalismo chega ao cume no século XVIII com Leibniz; e o empirismo, embora tivesse começado contemporaneamente, só chega à sua conclusão, no sentido de Soloviev, com John Stuart Mill, que já é do século XIX. Embora tenham começado ao mesmo tempo, como realidades históricas, estas duas escolas são na verdade sucessivas. Embora sejam sucessivas, Soloviev não vê entre elas o mesmo tipo de desenvolvimento lógico-silogístico que vê dentro de cada uma. Ou seja, a escola racionalista se desenvolve nestas três etapas: a primeira dentro do racionalismo de Spinoza, por exemplo, e depois, através de Kant, chega à conclusão de Hegel de que tudo que existe é conceito. Enquanto o empirismo se desenvolve também em três etapas, ele não vê entre estas duas escolas o mesmo tipo de encaixe lógico que vê dentro do desenvolvimento de cada uma. Eu não sei se ele tentou isto, ou se, simplesmente, não se interessou por este aspecto, mas também não é o que vai interessar para nós. O que vai nos interessar é, sobretudo, mostrar que existem de fato estas duas escolas e que, de algum modo, elas ainda exercem uma influência muito grande hoje em dia e que mesmo a solução realista propugnada por Soloviev -- que seria idealmente subscrita por São Tomás de Aquino --, embora esteja correta, está longe de ser suficiente para resolver este problema que continua em aberto.

Vamos ver como é que se desenvolvem estas duas séries de "silogismos" que fundamentam, por um lado, a escola racionalista e, por outro lado, a escola empirista.

Em Spinoza, existe a declaração explícita de que nada se conhece por experiência, ou seja, o conhecimento por experiência é sempre indutivo e leva somente a conclusões probabilísticas que continuam incertas de algum modo. Embora isto possa ter alguma importância prática, não se pode esperar deste tipo de conhecimento empírico, segundo Spinoza, nenhum grau de certeza suficiente para responder aos grandes problemas do conhecimento [00:10] e da ontologia. Spinoza propõe o método puramente racional-analítico, quer dizer, vai partir de certos conceitos universais e pela análise destes conceitos vai extrair conseqüências que portarão em si o mesmo grau de necessidade e de certeza que estava constituído nas suas premissas. Estas premissas tomam a forma daqueles axiomas ou postulados que Spinoza coloca logo no começo de seu livro denominado, impropriamente, Ética; na verdade é uma metafísica. Com base nesta premissa se desenvolvem as filosofias do grupo racionalista, especialmente, as de Descartes, Malebranche e o próprio Leibniz, todos confiantes no poder do puro raciocínio humano. A idéia era partir de princípios universais auto-evidentes, como, por exemplo, o próprio Descartes vai partir da certeza absoluta que o ego tem de si mesmo e daí vai tirar uma série de conseqüências. Spinoza vai partir da própria definição do Ser Universal e daí vai tirar uma série de consequências, e assim por diante. São filosofias eminentemente, ou até ferozmente, construtivistas, que pretendem tirar do puro mundo do raciocínio a construção de todo um sistema universal de teses inabaláveis.

Essa filosofia chega a uma crise com Kant, quando ele observa que pelo puro método analítico nós nada conhecemos do mundo real: conhecemos apenas o nosso próprio pensamento, ou seja, não existe um salto do mundo interno do pensamento para o mundo da realidade. Por exemplo: o próprio Descartes, quando chega ao cogito ergo sum, fica com essa certeza que o Ego tem de si mesmo; mas como ele poderia fundamentar, com base só nisso, o mundo inteiro das ciências: a física, a química, a geografia etc. Seria absolutamente impossível; então tem de haver um elo entre a certeza que o ego tem de si mesmo e o conhecimento que ele tem do mundo real; e Descartes encontra este elo em Deus. Num ato de fé ele diz: "Bom, Deus não é mau, Ele não ia me enganar desta maneira. Deus não coincide com o gênio mal, então se eu tenho um sentimento de certeza com relação a esses dados do mundo exterior, eles devem ser verdadeiros de algum modo." Isso aí já era, evidentemente, uma fragilidade interna da escola racionalista dada desde o início. Mas Kant, impiedosamente, rejeita esse apelo à fé; ele diz: "Têm coisas que você pode pensar, mas pensar não é a mesma coisa que conhecer. Então todos os seus objetos de fé são pensáveis, mas não quer dizer que eles sejam conhecimentos, ou que eles tragam uma certeza intrínseca." Então, o apelo de Descartes a um deus bondoso fica neutralizado por Kant. Na hora em que neutraliza o que é que sobra do método puramente racional-analítico? Sobra o conhecimento das formas internas do próprio pensamento. Que é o que Kant vai dizer que são as formas a priori, no sentido de que elas são anteriores e fundamentais em relação a todo pensamento que você possa ter, ou até fundamentais e anteriores também até à própria percepção sensível ­­-- quer dizer, a percepção sensível tem certas formas estruturais que determinam as suas possibilidades e seus limites. Em última análise, tudo o que o filósofo racionalista conhece são as formas do seu entendimento e as formas a priori de sua percepção do mundo. Ele se conhece a si mesmo e nada sobre o mundo exterior. O máximo que ele pode obter não é a certeza, mas ele pode falar de uma validade universal destas formas na medida em que elas são idênticas em todos os seres humanos. Note bem: isto não é uma garantia de que o conteúdo do conhecimento é verdadeiro. Há apenas uma garantia de que se nós estamos enganados, estamos todos enganados juntos e uniformemente, de modo que a nossa imagem do mundo não é um retrato objetivo de como as coisas são, mas são a projeção externa das formas a priori do entendimento, as quais, sendo as mesmas em todos os seres humanos, têm não um valor de verdade, mas têm um valor de universalidade. Isto quer dizer que, em última análise, as formas cognitivas da comunidade humana passam a ser o padrão do conhecimento que temos do mundo exterior.

Note que essas filosofias, tão logo elas são publicadas, despertam, evidentemente, muita discussão, e acabam sendo aceitas por uma multidão de pessoas; são filosofias triunfantes de algum modo; elas se impuseram a grandes massas de estudiosos. É por isso mesmo que a sua sucessão acaba funcionando como se fosse um raciocínio, ou seja, tendo uma espécie de força probante interna que vai se afirmando ao longo do tempo, como se fosse realmente o movimento e a conclusão de um silogismo.

A partir do momento em que aceitamos a conclusão kantiana de que tudo o que nós conhecemos são as formas a priori do nosso próprio conhecimento, então o passo seguinte é dado por Hegel que diz: "Ora, essas formas do conhecimento, se são tudo o que nós conhecemos, elas são tudo o que realmente existe; nada existe fora delas." Se tudo o que nós podemos conhecer são conceitos, o que falta para concluir que o conceito é a própria realidade e que nada existe fora dele? Afinal de contas não temos o mais mínimo sinal de que além daquilo que conhecemos, ou daquilo que podemos conhecer, exista outra coisa qualquer. Curiosamente, a crítica que Kant fez à escola racionalista é transmutada, em Hegel, num upgrade do racionalismo: parte-se para um hiper-racionalismo. Spinoza dizia que o conhecimento por experiência nada nos revela, que só podemos conhecer pelo exercício da razão analítica. Hegel vai muito além: ele diz que além daquilo que podemos conhecer pela razão analítica, nada existe para ser conhecido. Isso quer dizer que a análise interna dos conceitos fundamentais coincide com a própria estrutura da realidade. Daí a possibilidade que Hegel tenta realizar ao longo de sua obra, mediante a análise dos conceitos fundamentais: explicar todo o desenvolvimento temporal do cosmos e da história humana como se fosse a progressiva exteriorização de um conceito fundamental, que é, por sua vez, a realidade fundamental. A dialética do conceito no tempo é a própria realidade divina que se manifesta. Chegamos, então, a uma espécie de hiper-racionalismo que vai infinitamente além das pretensões do próprio Spinoza.

Paralelamente se desenvolve a escola empirista que vai por um caminho completamente diferente. Ela começa por afirmar que a única fonte válida do conhecimento é a experiência, ou seja, aquilo que Spinoza colocava como fundamento de todo o conhecimento é colocado, por Bacon, como se não fosse um conhecimento. Quer dizer: aquilo que podemos obter por mera análise de conceitos são apenas relações formais que podem não ter nada a ver com a realidade substantiva. Então, a verdadeira fonte do conhecimento é a experiência, [00:20] mas esta premissa empirista é em seguida submetida a uma operação do mesmo tipo daquela a que Kant submeteu a escola racionalista.

Da pretensão de conhecer os objetos, o empirismo se volta, sobretudo com Pio I, para dentro do sujeito e acaba dizendo: "nós não conhecemos; é verdade que a experiência é a fonte de todo o conhecimento, mas o que é que a experiência nos dá? A experiência só nos dá sensações, pensamentos, desejos, volições etc. Em ultima análise, só conhecemos os estados da nossa própria consciência".

Acontece com o empirismo a mesma coisa que tem acontecido com o racionalismo: eles partem de uma presunção de conhecer o universo − um pela razão analítica e o outro pela experiência − e em seguida ambos se voltam para dentro e dizem: "Opa, afinal de contas só o que nós conhecemos somos nós mesmos".

Eu já dei algumas aulas sobre Hume, tanto aqui como em outros cursos presenciais que dei aqui em Colonial Heigths que muitos de vocês assistiram, e vocês veem que a análise critica a que Hume submete o conceito de experiência é uma coisa verdadeiramente impiedosa. Por exemplo, quando diz: "bom, se tudo nós conhecemos por experiência, de onde tiramos a noção de causa? Nós só vemos sucessões de fatos, nós não vemos causa em parte alguma; causa é uma conclusão da nossa mente e ela não é validada pela experiência; somos nós que conectamos dados de experiência mediante uma noção que criamos chamada causa; não temos prova nenhuma de que exista causa; pior ainda, tudo o que nós percebemos são formas sensíveis; não temos nenhuma prova de que por trás dessas formas sensíveis existam objetos substanciais; nós não alcançamos essa substancia jamais: alcançamos somente as suas formas aparentes; pior ainda, nós não temos sequer prova de que por trás dos meus atos de conhecimento exista um sujeito permanente e estável, porque tudo o que nós temos são estados, sensações, que são todos fugazes".

Dessa crise do empirismo, os filósofos acabam saindo pelo mesmo método criado por Hegel para sair da crise do racionalismo: declarando que aquele conhecimento -- o pouco de conhecimento que nós temos e que se resume aos nossos próprios estados interiores − longe disso ser uma falha do conhecimento, ao contrário, esses estados interiores são a única realidade que há para conhecer.

Então, existe um racionalismo inicial, existe uma crise e em seguida existe um racionalismo radical com Hegel; e com o empirismo é a mesmíssima coisa: existe um empirismo inicial com Francis Bacon, depois existe uma crise com John Locke, mas, sobretudo, com David Hume − não sei por que o Pe. Ladusãns não citou Hume neste parágrafo − e em seguida existe um empirismo radical com John Stuart Mill e outros que o seguem, alguns até hoje.

A simples exposição dessas duas séries de silogismos − e a simples coexistência deles − mostra que deve haver algo errado neste conjunto; quer dizer: a oposição da escola racionalista à escola empirista e o desenvolvimento paralelo das duas segundo um desenvolvimento ternário idêntico mostra, segundo Soloviov, que nada disto é suficiente, e é exatamente neste ponto que ele fala de uma crise da filosofia ocidental; a filosofia ocidental conduzida por essas duas escolas paralelas e conflitantes havia chegado a um beco sem saída: a contraposição das duas escolas não tinha saída.

A partir daqui o Pe. Ladusãns vai discutir isso desde o ponto de vista de Soloviev -- que ele considerava como um de seus gurus, e de São Tomás de Aquino, que também ele considerava um guru − e vai dar então a solução realista. Porém, a solução realista que ele dá irá usar o método de Russell: ele vai descrever o ato de conhecimento e dessa descrição ele vai tirar os fundamentos da possibilidade do conhecimento do real pelo ser humano -- essa é a estratégia realista.

Mas, agora, observando toda essa discussão como um conjunto − que começa desde Spinoza e Bacon, representantes máximos das escolas adversárias, até chegar ao Vladimir Soloviev e ao livro do Pe. Stanislavs Ladusãns − existe um traço comum entre todas essas análises conflitantes: todas elas examinam somente o ato do conhecimento e o sujeito cognoscente − as operações cognitivas do sujeito cognoscente -- tentando, com base nisso, fundamentar a possibilidade real do conhecimento. Acontece que existem duas premissas faltantes aí: a primeira premissa é a existência do sujeito cognoscente − essa existência, ao longo de todo esse desenvolvimento, simplesmente não é analisada. Descartes havia postulado o "penso logo existo", mas parece ter esquecido a consequência óbvia disso, de que para pensar é preciso existir.

Hoje em dia, pelo menos a mim me parece, não é possível a análise do conhecimento sem a análise da existência do sujeito cognoscente (aliás, a experiência do Século XX, com toda a escola existencialista, Karl Jaspers, a ontologia de Nicolai Hartmann e uma série de outros filósofos demonstrou que de fato não é possível a análise do conhecimento sem a análise da existência do sujeito cognoscente).

Hoje em dia estou seguro de que o problema do conhecimento não tem como ser colocado sem a pergunta preliminar: o que funda e o que permite a minha existência de sujeito cognoscente? Porque a coisa mais obvia é aquilo que dizia Santo Agostinho: "eu sei que existo, mas não sei por que eu existo, e não sei da onde existo, não sei da onde vim, em suma, eu não conheço o fundamento da minha própria existência". Como o conhecimento é somente uma das muitas atividades que o ser humano desempenha no curso da sua existência, então é claro que a análise da existência deve preceder a análise do conhecimento; o que faz com que toda uma tradição nascida com Kant seja automaticamente impugnada − tradição esta que diz que a análise do conhecimento é o primeiro passo da estratégia filosófica, ou seja, o problema crítico do conhecimento é o primeiro problema filosófico. No ponto em que chegamos isso é impossível, eu não posso analisar as minhas faculdades cognitivas antes de saber alguma coisa sobre a minha própria existência de sujeito cognoscente; o que é que permite que eu exista ao menos como sujeito cognoscente.

No mínimo, o filósofo tem de reconhecer que a questão do conhecimento não se colocou para ele desde sempre, mas desde certa data: ou ele pensou nisso sozinho ou o problema foi sugerido por leituras filosóficas. Isso quer dizer que o nascimento da questão crítica do conhecimento na alma do filósofo tem uma data − não é uma coisa permanente; e para que isso tivesse acontecido numa data seria necessário que o filósofo existisse antes.

Por outro lado, a simples colocação desta pergunta torna-se impossível se o filósofo não tiver alguma confiança na sua memória; ou seja: a confiabilidade da memória não é para ser demonstrada ao longo do desenvolvimento da teoria do conhecimento, mas é uma condição prévia de que exista alguma teoria do conhecimento. Essa confiabilidade não tem de ser absoluta, mas se negarmos peremptoriamente toda confiabilidade da memória [00:30] não poderemos sequer continuar raciocinando, porque não teremos nenhuma confiança de que nos recordamos da premissa onde começou o silogismo. Deste modo, alguma confiabilidade na memória e, portanto, alguma aceitação da condição temporal da nossa existência como uma realidade dada que não pode ser questionada dentro da própria teoria do conhecimento, é, então, uma condição prévia da simples possibilidade de uma teoria do conhecimento.

Alguns filósofos da escola existencialista até chegaram a chamar um pouco a atenção para isto, como Karl Jaspers ou Ortega Y Gasset, mas tenho a impressão que a análise da existência humana tomou outros rumos com Heidegger, Sartre, e acabou se perdendo: o trabalho iniciado por Jaspers e Ortega Y Gasset ficou parado no ar.

Nesse sentido, se colocarmos o problema da nossa existência, não abstratamente, não falando de existência humana em geral, mas falando da nossa própria existência de sujeitos concretos que estão no momento se dedicando a problemas de teoria do conhecimento, veremos que há uma série de condições sem as quais eu sequer poderia ter chegado a colocar esta questão. A primeira condição − a primeira e a mais óbvia − é o aprendizado da língua na qual estou raciocinando, escrevendo, falando etc., e sei que esta língua não foi inventada por mim. Para que aprendesse esta língua foi necessário que eu nascesse algum dia − não me lembro do meu nascimento, não fui testemunha ocular do meu nascimento − logo, já tenho de começar confiando no depoimento de terceiros, que são meu pai, minha mãe, minha avó, minha tia e o oficial do registro civil. Desde logo, vamos admitir essa premissa óbvia: toda e qualquer possibilidade de conhecimento se baseia na confiança prévia que tenho em outros seres humanos, pois sem isso eu não poderia ter chegado até aqui e não poderia estar falando de teoria do conhecimento.

A confiabilidade do testemunho humano, embora não seja uma confiabilidade absoluta, é uma premissa da teoria do conhecimento, e a própria teoria do conhecimento pode aprimorar a consciência que temos da validade do testemunho e pode criar uma criteriologia para separar os testemunhos mais confiáveis dos menos confiáveis etc.; ela pode fazer isso, mas não pode questionar universalmente e abstratamente a validade do testemunho.

Segundo, nós sabemos que daí para adiante o que quer que desenvolvamos ao longo do nosso trabalho de teoria do conhecimento ou do nosso trabalho em qualquer ciência que seja, estará para sempre vinculado a esta confiabilidade do testemunho e que, portanto, nenhum ser humano poderá se colocar acima do universo do testemunho humano e julgá-lo como um todo; isso é absolutamente fundamental. Dito de outro modo: não há nenhuma modalidade de conhecimento que possa por si julgar, validar ou invalidar o testemunho humano; o testemunho humano paira acima de tudo isso como condição fundamental da própria existência do investigador, da condição de possibilidade de que ele investigue alguma coisa e assim por diante.

Entre a realidade do testemunho humano − a existência desse fenômeno chamado testemunho humano − e a consciência crítica que temos disso como filósofos, existe a mesma relação que, segundo Aristóteles, existia entre todo conhecimento pré-filosófico e o conhecimento filosófico, não cabendo ao conhecimento filosófico invalidar o conhecimento pré-filosófico; ele só pode aprimorá-lo criticamente, mas não pode negá-lo e não pode criar outro patamar de conhecimento desde o qual o conhecimento pré-filosófico seja invalidado ou reduzido a uma escala inferior. Ao contrário: todo conhecimento é pré-filosófico, inclusive o conhecimento filosófico. Todo conhecimento é baseado no testemunho humano, inclusive a analise crítica que fazemos do testemunho humano para aperfeiçoá-lo e separar os testemunhos melhores dos piores e assim por diante.

Em segundo lugar, nós sabemos que para chegarmos até aqui e podermos colocar essa situação − colocar esses problemas − é necessário que tenhamos permanecido vivos durante esse tempo; que algo tenha nos mantido na existência. Se perguntarmos por que continuei existindo ao longo deste tempo? Vamos ter de reconhecer que houve pelo menos um período em que a manutenção do nosso ser na existência não dependeu de nós mesmos no mais mínimo que fosse, e foi todo o período inicial da nossa existência; se alguém não cuidasse de nós, não nos alimentasse e não nos protegesse contra as doenças etc., não poderíamos ter feito isso por nós mesmos. Frequentemente somos colocados de novo nessa situação quando somos tomados por uma doença muito grave da qual não podemos nos cuidar e somos obrigados a aceitar cuidados de outras pessoas. Isso acontece o tempo todo. Portanto, esse é o segundo item da teoria do conhecimento, da teoria básica do conhecimento ou se quiserem da pré-teoria do conhecimento: é reconhecer que nós somos filhos da solidariedade humana; se ela não existisse e as pessoas nos jogassem no mato, os macacos nos comeriam e não estaríamos aqui.

Se perguntarmos por que as pessoas fizeram isso, por que elas cuidaram de nós, por que permitiram que nós continuássemos existindo quando poderiam facilmente ter nos jogado numa lata de lixo, jogado pela janela, abandonado no chão? Poderíamos criar muitas teorias para explicar isso: podemos dizer, por exemplo, que foi o instinto. Damos, assim, nomes para coisas que desconhecemos. Por exemplo: dizemos que é o instinto de sobrevivência grupal. Eu não acredito que isso seja uma explicação; isso é apenas outro nome que se dá para o fenômeno, reduzindo-o a um dos seus aspectos. Duvido que alguma mãe, no instante em que cuida do seu filho, esteja pensando na sobrevivência da espécie: ela deve estar pensando na sobrevivência do seu filho apenas, e se for preciso até matar os filhos dos outros para isso, às vezes o fará. Portanto, a relação entre os cuidados que uma família dá a um bebê e o "instinto de sobrevivência da espécie" são relações altamente problemáticas e indiretas e, sobretudo, apelar a esses tipos de conceitos é escapar do plano de concretude, onde queremos manter a nossa análise, e partir para recortes abstrativos que separam um aspecto do fenômeno de outros aspectos do fenômeno, e não é isso que queremos. O que queremos é analisar concretamente as condições que me permitiram um dia colocar o problema do conhecimento.

Então, somos filhos da solidariedade humana, mas ela, por si, não bastaria, porque essa solidariedade humana se manifesta através de atos que transformam dados, objetos, entes da natureza em recursos para a sobrevivência da espécie. Por exemplo: os alimentos. Dificilmente um bebê poderia sobreviver diretamente com elementos tirados da natureza em estado bruto; eles requerem alguma transformação. Mesmo se você for consumir o alimento em estado bruto, ele não virá até você. Por exemplo, você pode tomar o leite em estado natural tal como foi extraído da vaca, mas será preciso que alguém o extraia, pois o leite não virá até você e a vaca não virá oferecer a teta gentilmente para o bebê, ou seja, [00:40] é preciso um conjunto de ações humanas enormemente complicadas que permita que esta solidariedade, esse cuidado que as pessoas têm com os bebês, se exerça na realidade e tenha algum efeito prático para a sobrevivência do distinto. Isto supõe a existência de uma meio natural em torno.

Isto quer dizer que, no instante mesmo em que estou colocando o problema do conhecimento, estou afirmando, no mesmo ato, a existência de todo o conjunto de condições que me permitiram existir e continuar existindo até o ponto em que eu coloquei aquela pergunta. Mais ainda, sabemos que a existência de um mundo natural, do mundo material em torno, não cria por si mesmo o conjunto de laços humanos que constituem aquilo que chamamos de solidariedade ou cuidado; é preciso observar que existe uma interação extremamente complexa entre o meio natural e a iniciativa humana de organizar-se em sociedade, de criar elos de solidariedade, de colaboração etc., elos que nem sempre funcionam, que são entrecortados de fatores adversos, como, por exemplo, a existência de pessoas que se voltam contra a solidariedade social e tentam destruí-la − que hoje chamamos de psicopatas − e que sempre existiram, talvez não tanto quanto hoje, mas sempre existiram. Ou seja: o elemento adverso, o inimigo interno, sempre existiu na sociedade humana, mas não em proporção suficiente para impedir que os cuidados básicos que os seres humanos têm uns com os outros fossem suprimidos.

Quando perguntamos por que as pessoas fazem isso, podemos buscar uma explicação cientifica, objetiva, que atribua às ações deles fatores que eles mesmos não conhecem: um instinto de sobrevivência da espécie (é um nome), ou o código genético; evidentemente esses fatores todos podem estar presentes, mas há uma coisa que tem de estar presente: as pessoas fizeram isso porque queriam fazer isso. Vamos dizer: não há "instinto" − note que instinto é uma noção abstrata, é um recorte que nós fazemos sobre o conjunto da experiência −, não há "instinto" que possa passar inteiramente sobre a vontade do individuo e fazer uma coisa que ele não quer, que ele ignora, e que é exatamente o contrário de seu propósito. Em algum momento o instinto vai ter que passar pela filtragem da sua consciência e ele vai ter de concordar ou discordar de fazer aquilo. Isto não quer dizer que a sua concordância seja integral e permanente − o sujeito pode num momento fazer outra coisa que em outro momento ele renega − mas em algum momento vai ter que passar pela vontade e a vontade passar, por sua vez, pela justificação que as pessoas dão de suas ações. Ou seja: causas objetivas é uma coisa, justificação é outra, mas a existência de justificação está entre as causas objetivas. Quando examinamos, ainda que superficialmente, a história humana, vemos que existem sistemas inteiros de justificações -- códigos morais, religiões, costumes, símbolos, instituições etc. Sem tudo isso, não poderíamos estar aqui para nos colocar o problema do conhecimento. É isso a que chamo a análise existencial da possibilidade do problema do conhecimento.

Existe uma segunda linha de análise que também tem de ser feita para que se coloque esse problema. Quando se fala do conhecimento, fala-se de um objeto do conhecimento. Podemos até dizer que os objetos do conhecimento são apenas os conceitos, as formas a priori, as nossas sensações etc., assim como outros dizem que são objetos do mundo exterior. Mas, no fim das contas, o que é esse objeto do conhecimento, independentemente das explicações limitativas que se possa dar?

O que sugere para nós, no objeto, a pergunta pelo conhecimento? Ora, a coisa mais óbvia do mundo é que não colocaríamos nenhuma pergunta pelo conhecimento se o nosso conhecimento fosse universal, abrangente e perfeito. É justamente porque às vezes ele falha que surge o problema. Se fôssemos dotados de certeza universal sobre todas as coisas que conhecemos, e se o conjunto destas coincidisse quantitativamente com o conjunto das coisas que se me apresentam, jamais colocaríamos o problema do conhecimento, pois não o teríamos. São, portanto, limites ao conhecimento atualmente disponível que nos fazem colocar esse problema.

Onde estão esses limites? Se perguntarmos até aonde podemos conhecer -- sem colocar ainda o problema da certeza maior ou menor, da confiabilidade maior ou menor do conhecimento -- ou se ainda que superficialmente examinarmos o repertório das coisas que, não na humanidade em geral, mas na nossa própria sociedade e cultura, são objeto de conhecimento real ou hipotético, vemos que há um conjunto praticamente ilimitado. Temos, por exemplo, conhecimentos de natureza puramente cotidiana e habitual: a casa onde moramos, a vizinhança, as pessoas que nos cercam, os objetos que usamos.

É claro que, para podermos colocar esse problema, tivemos antes de conhecer algo dessas coisas. O repertório dessas coisas já é imenso, e, além disso, existe o mundo do universo físico em torno que sustenta tudo isso. A presunção de que para além do campo que conhecemos existem outras coisas que desconhecemos e que não vemos agora é uma condição para que vejamos algo. Eu já procurei, mas não encontrei nenhum caso de um indivíduo humano que acreditasse, por um instante sequer, que só existe aquilo que ele vê naquele momento. Esta expressão seria autocontraditória, pois as nossas percepções, sabemo-lo por experiência, elas são todas fugazes. Por exemplo: as estimulações visuais não são uma onda contínua; elas são picotadas.

Se nada conhecêssemos além do que vemos num determinado momento, teríamos de perguntar quanto tempo dura esse momento. Dizer que só conhecemos aquilo que vemos seria a mesma coisa que dizer que não conhecemos nada. E se nada conhecêssemos, também não poríamos o problema do conhecimento. Mas o fazemos porque conhecemos alguma coisa e não conhecemos tudo; e também porque conhecemos muitas coisas, mas admitimos que não as conhecemos perfeitamente. O conhecimento, portanto, é limitado qualitativa e quantitativamente -- para isso, porém, é preciso que ele exista.

Sempre existe algo que está para além daquilo que conhecemos em determinado momento. Eu também não sei de nenhum ser humano que acredite que tudo aquilo que está para além do que ele conhece num momento será efetivamente acessível a ele. Por exemplo, todo ser humano sabe que não pode conhecer o passado histórico e até o seu próprio passado como matéria [0:50] de experiência presente. Todo mundo sabe isso. Se não fosse assim, também não me teria sido possível chegar aonde cheguei, colocando o problema do conhecimento.

Portanto, a limitação do conhecimento humano afirma imediatamente a existência de um mundo objetivo para além do conhecimento. Se o nosso conhecimento é limitado, ele o é em relação à extensão do objeto que conhecemos. Só conhecemos uma parte. Estamos limitados espacialmente: a nossa visão alcança até ao horizonte "x"; e temporalmente: só podemos conhecer como matéria de experiência aquilo que acontece durante o período que vivemos; nada podemos conhecer do antes ou do depois.

Essa limitação ao mesmo tempo espacial e temporal automaticamente afirma, pela sua própria formulação, a existência de um "para lá", de um "além" que não padece das nossas limitações temporais ou espaciais. Se existe algo que está para além do que conhecemos, é o nosso conhecimento dele que é limitado, e não ele; se ele não existisse, nada haveria para conhecermos fora do que já conhecemos. Se existe limitação do conhecimento é porque existe algo para lá do que conhecemos, e esse "para lá" não está limitado pelas mesmas limitações que se nos impõem. Dito de outro modo: a existência de um universo está postulada na própria colocação do problema do conhecimento.

A análise que eu fiz não se baseia no exame crítico do ato do conhecimento, como se basearam Bacon, Spinoza, Descartes, Hume, e todas essas duas tradições. Baseei-me em coisas que não são o ato do conhecimento, mas que são condições prévias sem as quais ele não poderia se realizar.

Mais ainda, quando colocamos o problema do objeto do conhecimento, vemos que em princípio ele é ilimitado, pois, se nós lhe colocarmos um limite, estaremos automaticamente determinando que conhecemos esse limite. Mas como poderíamos conhecer os limites últimos de todo conhecimento possível se não possuíssemos já todo esse conhecimento possível? Não dá para fazer isso. A existência do ilimitado, que Anaximandro chamava de ápeiron, já está dada no simples ato de colocarmo-nos o problema do conhecimento.

Nós existimos, e então colocamos o problema do conhecimento dentro de um horizonte existencial que nos precede e nos possibilita. Esse horizonte, por sua vez, está colocado dentro de um horizonte cultural, histórico, social, com todo o tecido das ações humanas necessárias para nos preservar na existência; estas ações, por sua vez, estão colocadas dentro de um ambiente material natural, o qual está colocado dentro do ápeiron. Tudo isso está dado no simples ato de perguntarmos pelo conhecimento.

Não podemos, portanto, no exercício da crítica do conhecimento, puxar o tapete sobre o qual estamos sentados ou de pé, negando a existência de tudo aquilo que possibilita que façamos a própria pergunta. Quanto à modalidade de presença desse universo, nós podemos averiguá-la, pois sabemos que as coisas têm maneiras diferentes de se nos apresentar. É claro que podemos fazer isso. Mas em nenhum momento podemos negar a existência desse conjunto de condições, pois negá-lo também seria negar a possibilidade de colocar a pergunta pelo conhecimento.

Mas também existe outro problema: suponham que cheguemos a uma dessas conclusões, seja aquelas postuladas pela escola racionalista, seja pela escola empirista. Seguindo a escola racionalista, diríamos que tudo o que conhecemos são conceitos; seguindo a escola empirista, que tudo o que conhecemos são as nossas sensações. Só tem um pequeno problema: durante quanto tempo conhecemos isso? Uma vez que tenhamos chegado às conclusões dessas duas escolas, acaso nós as conservamos em nós para sempre como um nosso conhecimento permanente? Isso é absolutamente impossível. Essas conclusões vão e vêm; elas são impressões a que chegamos na medida em que seguimos uma certa linha de raciocínio.

Portanto, quando falamos do conhecimento humano em geral, falamos de algo que não existe, pois, evidentemente, só existe conhecimento em seres humanos concretos, os quais nascem, crescem, evoluem, decaem e morrem. Estamos o tempo todo passando por transformações, e nada, absolutamente nada nos garante que o conhecimento, uma vez adquirido, permanece em nós para sempre. Sabemos que podemos esquecer, podemos deixar de entender o que antes entendíamos, perder informações, perder entendimento, e assim por diante.

No entanto, tudo isso que se passa dentro de nós acontece dentro daquele quadro de condições que possibilita aquela nossa pergunta. Esse quadro de condições, evidentemente, não é alterado pelas alterações que sofremos no decorrer do processo. Toda pergunta pelo conhecimento, portanto, implica o reconhecimento de uma instabilidade individual que se manifesta e que aparece dentro de um quadro de instabilidade maior em torno. E essa instabilidade não pode ser confundida, evidentemente, com a mera durabilidade -- quer dizer: condições que foram criadas, ou no seio da natureza, ou da sociedade em certo momento, e que possam desaparecer; aliás, essas condições, pelo simples fato de poderem aparecer e desaparecer, supõem um horizonte maior e mais estável e permanente do que elas. Todos os processos temporais têm de estar colocados cada um dentro de uma dimensão temporal maior, e este dentro de outra maior, e este outro dentro de outra maior e assim por diante, até ao infinito.

A existência de todos e quaisquer processos temporais pressupõe a existência de uma Eternidade. Vimos que o simples fato de se colocar o problema do conhecimento, quando analisado existencialmente, leva-nos para longe dessas análises microscópicas que aquelas duas escolas fizeram do ato de conhecimento, para o conjunto das condições existenciais que permitem que se coloque a pergunta; e que essas condições estendem-se em círculos espaciais e temporais cada vez maiores, desde o nosso simples nascimento até à Eternidade.

Fica assim esclarecido que nem mesmo a escola realista chegou a vasculhar e examinar todas essas condições. Quando, hoje, entendemos essas coisas, vemos que algo de muito grave aconteceu nos séculos XVI, XVII, XVIII e XIX para que as mentes dos filósofos se concentrassem de tal maneira no aspecto microscópico do ato de conhecimento e se esquecessem de tudo o que acabamos de ver, como se não existisse, e como se, do próprio exame do ato de conhecimento [1:00] − seja ele feito pelo critério racionalista, seja pelo empirista − fosse possível, em seguida, deduzir ou fundamentar a existência de tudo o mais, quando o fato é que a existência desse "tudo o mais" já está dada no próprio ato de perguntarmos pelo conhecimento.

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Aluno: No curso História Essencial da Filosofia, o senhor mencionou que, por conta de um desespero social desencadeado no período helenístico, pairou sobre a sociedade um espírito de integração com a natureza. O exemplo tomado foi Diógenes, que morava dentro de um barril. Existe alguma relação com a tema tratado na aula de hoje?

Olavo: Sim, esses retornos à natureza de fato aparecem ciclicamente, mas eu não sou um grande entusiasta dessas analogias ante coisas passadas em períodos históricos muito distantes. A analogia é a coisa mais fácil: já dizia Susanne Langer que todo e qualquer conhecimento humano começa com uma analogia, isto é, achamos que uma coisa é parecida com a outra. Mas, no caso, o essencial é, sobretudo, a diferença; e a diferença da situação atual é dada por um fator básico que se chama meios de ação.

Para investigarmos coisas que se passaram em períodos históricos diferentes, é preciso que perguntemos quem são os sujeitos da ação, quem estava fazendo o quê, de que meios de ação dispunham? Não podemos esquecer que, remontando ao século X ou XI, um decreto papal, para que chegasse até aos últimos representantes da Igreja nos últimos confins da terra, podia levar um ano, dois anos, dez anos ou vinte anos, ou podia mesmo não chegar nunca. Os meios de ação disponíveis eram muito pobres e dependentes de um horizonte geográfico muito estreito. Ao longo do tempo, esses meios aumentaram: as grandes ditaduras do século XX seriam inconcebíveis sem o rádio, que simultaneamente fazia de todo o país a plateia do orador. Isso quer dizer que as grandes ideologias de massa jamais teriam se tornado realmente "de massa" se não fosse por esse meio.

Quando falo em meios de ação, não me refiro somente aos meios técnicos. É claro que estes são importantes, mas existe a propriedade, a disponibilidade e o controle desses meios técnicos. As ondas de rádio, por exemplo, são relativamente fáceis de controlar desde um centro governamental: basta captar de que lugar a onda é transmitida e ir até lá para destruir o rádio do sujeito. O rádio não só possibilitou que esses grandes demagogos do século XX alcançassem as massas populares, como também que controlassem as emissões de rádio. Então sempre levemos em conta estes dois elementos: o meio material disponível e a possibilidade do controle desses meios.

Nas últimas décadas, os meios eletrônicos de transmissão multiplicaram-se além de tudo aquilo que a humanidade anterior poderia ter imaginado; mas também os meios de controle deles aperfeiçoaram-se. Quando eu digo que nos Estados Unidos toda a grande mídia é propriedade de seis grupos, isso quer dizer que seis pessoas decidem o que vai chegar ao público e o que não vai. Essa possibilidade de ação não existia antes; naturalmente, ela cria possibilidades de ação incalculavelmente poderosas para grupos relativamente pequenos. Portanto, o controle total do fluxo de informações circulante tornou-se possível. Só não é total porque ao mesmo tempo existem outros meios que ainda não estão sob controle, como a internet. Diariamente, porém, estudam-se novos meios de controlar a internet.

A ocultação total de uma notícia inconveniente -- que antes era uma utopia, e nem mesmo na União Soviética se conseguia -- tornou-se uma possibilidade real. O que distingue o fenômeno que eu descrevi é justamente a sua abrangência quase universal, do qual só escapam algumas pessoas muito primitivas, iletradas, sem acesso ao rádio e à televisão, ou seja, pessoas socialmente insignificantes.

O culto à natureza é ideologicamente um fenômeno parecido com o que se deu no período helenístico, mas com um impacto social totalmente diverso, e, sobretudo, controlado. O culto da natureza que aparece na época helenística é um fenômeno mais ou menos espontâneo; é uma moda. Mas não se pode dizer que a ideologia ecologista de hoje é algo espontâneo. É uma obra de engenharia social.

Diante de toda a obra de Kurt Lewin, do que se investigou no Tavistock Institute de Londres e de todos os meios que de passagem mencionei em meu livro O Jardim das Aflições -- e tudo isso já está hoje superado, havendo muita coisa melhor --, veremos que a possibilidade de o cidadão se defender psicologicamente contra tudo isso é quase nula. Estudiosos, eruditos e especialistas ainda podem manter-se a salvo disso, mas cidadão comum não tem defesa. A concentração de poder é um fato presente, e é possível porque existem os meios de obtê-la. O ser humano nunca faz aquilo que ele não tem os meios materiais de fazer. Não temos a possibilidade de ação espiritual à distância e por isso precisamos dos meios materiais. O estudo dos meios materiais é o estudo da potência das ações e, portanto, do seu impacto social.

Aluno: Parece que não apenas o movimento ecológico, mas também toda a tendência de movimento de massa, incluindo os movimentos conservadores, têm muito de incutir nas pessoas um apego à auto-imagem, explicando a vida delas (as pessoas que pertencem a grupos) a partir da participação delas nesses grupos e movimentos, assumindo este, portanto, a função explicadora da origem fundamental do sentido da vida. (...)

Olavo: Isso acontece mesmo. A identificação mais próxima ou longínqua com um grupo ideológico ou um grupo de militantes é um elemento fundamental da auto-imagem. As pessoas justamente apegam-se a certas idéias, crenças, símbolos, slogans etc., não porque acreditam nessas coisas efetivamente, mas porque essas coisas são elas; são a única personalidade que elas têm. Elas não têm nada além disso.

Aluno: (...) Nesse sentido poderemos dizer que esses movimentos só conseguem ter sucesso socialmente na medida mesma em que as pessoas já perderam o senso completo da realidade visível e invisível, sendo justamente o eu substâncial de que o senhor falava, e daí por tabela o fundamento existêncial desse eu que é o próprio Deus. Com o abandono da busca por conhecer a realidade objetivamente as pessoas acabam desistindo de se conhecer substâncialmente, mas como o vácuo existêncial permanece, daí que ocorre a adesão a movimentos que lhes prometem solucionar os problemas existênciais.

Olavo: Sim. Na verdade, eu não acredito que ninguém espere a solução do que quer que seja desses movimentos. O que importa é apenas a identificação no sentido de pertinência e o reforço de uma auto-imagem periclitante. O indivíduo se reconhece naquele movimento porque ele crê que ele personifica esses valores. Portanto, se esses mesmos valores proclamados não chegam a ser realizados ou adquirir vigência na sociedade, pouco importa: a identidade ainda continua. Se você estudar a história do movimento comunista ao longo do século XX, você verá que ela foi uma série de desilusões que começaram já na década de 1930. Experiências como aquela que Arthur Koestler narra em O Zero e o Infinito, teria se passado entre as décadas de 20 e 30, mais ou menos, e nem por isso os camaradas deixaram de ser comunistas. Quando houve o famoso discurso de Khrushchev em 1936, denunciando o Stalinismo, algumas pessoas ficaram chocadas e abandonaram o movimento comunista, mas muitos prosseguiram no movimento imperturbavelmente: não quiseram mudar sua identidade. [1:10] A crença objetiva nas potencialidades de transformação social prometidas pelo movimento não tem nada a ver com a história. Outro dia descobriram no túmulo de Lênin uma mensagem lá colocada nos anos 1930, 1940 falando da promessa de um futuro brilhante para a juventude comunista. O indivíduo não precisa acreditar objetivamente nisso, basta que esta esperança seja um dos fundamentos de sua vida. Quando virá o comunismo? Poderá ser amanhã, depois ou daqui a dois mil anos. Isso não interessa porque não se trata de uma escala de tempo real, mas de uma identidade presente com o movimento comunista. Isto não se coloca na esfera das crenças, mas na esfera dos símbolos articuladores da própria personalidade.

Aluno: Nesse sentido, o retorno ao simbolismo natural parece um santo remédio quando ele restabelece a posição do homem na realidade. O senhor poderia explicar a principal diferença entre simbolismo natural e o panteísmo?

Olavo: Uma coisa tem nada a ver com a outra. O simbolismo natural não é uma doutrina filosófica, mas simplesmente um fato experimental que pode ser estudado desde várias posições filosóficas possíveis. Não há necessidade de se subscrever nenhuma doutrina. Basta admitir-se a existência do simbolismo natural tal como eu expliquei na apostila sobre a questão da tripla intuição. Nessa apostila você verá que a própria estrutura do ambiente cósmico no qual nós vivemos nos diz algumas coisas e imprime em nós impressões profundas que vão estruturar todo o nosso mundo interior. O problema das direções do espaço, por exemplo: ninguém pode viver sem isso. Quem inventou as direções do espaço? É um código? Um constructo cultural? Não! É uma realidade física que impõe a nós o nosso senso de temporalidade. Elas dependem de determinantes cósmicas e biológicas que nós não determinamos de maneira alguma. Isso é como se fosse uma gramática: princípios de uma sintaxe que são impostos a nós pelo próprio ambiente físico no qual nós vivemos. Isso é um simples fato experimental, embora os profetas, místicos e poetas tenham percebido esse fenômeno muito antes de qualquer cientista. Por exemplo, um dado que é estudado pela Mary Douglas, num livro que se chama Símbolos Naturais, são as regras de pudor que proíbem ou reprimem a exibição direta das funções fisiológicas. Isto é um dado universal − às vezes algumas funções a mais ou a menos. Se vivessemos em um mundo de exibição perpétua de nossas funções fisiológicas como os animais, jamais teríamos a concentração para criar qualquer ideia ou qualquer conhecimento. É necessário isolar uma parte para que você possa pensar em outra: isolar o apelo físico imediato para que você possa penetrar num mundo de relações mais sutis que são só acessíveis ou pelo pensamento abstrato, ou por algum outro meio. A possibilidade do pensamento abstrato repousa na recusa de atenção a certos elementos da fisiologia. É interessante ter levantado isso porque com o movimento gayzista a chamada identidade heterossexual é um simples traslado da forma anatômica com que as pessoas nasceram, tendo o homem a identidade masculina e a mulher a feminina. A expressão do desejo sexual é socialmente reprovada, com exceção de certos ambientes depravados e se a pessoa fica demonstrando desejo sexual a todo o momento numa firma, ela será demitida. No entanto, a identidade homossexual não tem um fundamento anatômico: um homossexual não se difere anatômicamente de um heterossexual. Isso quer dizer que aquela identidade sexual que no heterossexual pode permanecer implícita e discreta, por ser óbvio e não ter nada a ver com o desejo sexual propriamente dito, no caso do homossexual só pode ser expressa mediante a exibição do desejo. A partir do momento em que se entende o homossexualismo, não como uma conduta que o indivíduo pode entrar e sair dela quando quiser, mas como uma identidade permanente e, mais ainda, que esta identidade é portadora de direitos, então o direito à permanente exibição do desejo sexual é reconhecido diante de toda uma comunidade. Naturalmente, o restante da população vai se sentir discriminada − afinal, por que somente os homossexuais podem exibir constantemente o seu desejo sexual e os heterossexuais não podem? Então, a ascensão do movimento gayzista traz, inevitavelmente, a abolição de alguns códigos de pudor que existiam na sociedade. Mas, acontece que esses códigos são absolutamente necessários para o desenvolvimento da inteligência humana. Note bem que a questão de que falo não é a homossexualidade em si, mas a identidade homossexual. Porém, mais tarde vamos analisar isto aqui.

Aluno: Todo esse assunto sobre o qual o senhor andou discutindo nas aulas 160 e 161 tem sido para mim de enorme ajuda. Também sofro de um conflito interno que embora não seja o conflito da homossexualidade, me gera sofrimento e me oferece como alívio uma repressão da consciência moral que seria, como no outro caso, recompensado com mil e um apoios sociais. Como enveredar por esse caminho? Seria entregar de bandeja o sonho da minha vida? Não posso me tornar um grande escritor fugindo da minha própria consciência? Prefiro seguir por outro caminho que, acredito, vai de encontro tanto com todo o meu conflito quanto com o meu sonho. Gostaria de estudar e entregar como trabalho de conclusão de curso o seguinte tema: "Como os dramas interiores podem servir de instrumento para favorecer a autenticidade literária?" Uso a expressão autenticidade literária tal como aparece no livro de Johannes Pfeiffer sobre a poesia. O senhor acha uma boa ideia?

Olavo: Eu acho uma ideia maravilhosa. É isso mesmo que você tem de fazer. É a partir desses conflitos que nasce toda a autenticidade literária. Trabalhe nisso aí que vai ser útil não só para você, mas para muita gente.

Aluno: O senhor acrescentaria algo sobre a resposta que Schelling deu a esses problemas da aula de hoje e que você demonstrou na sua História Essencial da Filosofia?

Olavo: Sim, Schelling ainda permanece dentro da abordagem racionalista até certo ponto, embora abra certas portas para sair dela. Eu tenho a impressão que ninguém tinha pensado, antes do século XX, em uma análise como esta que nós fizemos a partir de hoje. Essa análise começa realmente com a escola existencialista, sobretudo Karl Jaspers, Gabriel Marcel, Ortega y Gasset e outros, e nós devemos a eles esta dica.

Aluno: Na aula 04 da História Essencial da Filosofia, o senhor conta que o Padre Stanislav Ladusãns estava tentando fazer algo aqui no Brasil que refletia algo do pensamento do Papa João Paulo II, como a restauração do ensino filosófico. No texto da aula de hoje, lemos a citação da Encíclica Aeterni Patris do Papa Leão XIII, enaltecendo Santo Tomás de Aquino como figura de restauração filosófica. Antes do Concílio Vaticano II, a Igreja atacava ferozmente os erros da modernidade abandonando tal postura em favor de um aggiornamento, que na prática se reflete também nas reticências da Santa Sé em condenar erros e grupos de pessoas de grande dissidência e da tradição da doutrina católica. O pontificado de Bento XVI parecia andar no caminho da integração do Vaticano II na tradição eclesiástica, condenando a chamada hermenêutica da ruptura e promovendo a hermenêutica da continuidade. Contudo, depois da elevação de Dom Gerhard Ludwig Müller para prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, sinto-me bastante confuso e pergunto: a Igreja Católica Apostólica Romana ainda pode exercer um papel de Mãe e Mestra no ensino e na prática da filosofia? [1:20] Ou ela antes precisa de uma restauração?

Olavo: A Igreja sobreviveu a uma infinidade de Papas traidores, criminosos etc. Bento XVI não é nada disso, ele apenas deu uma rateada ao eleger este Gerhard Müller para prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé. Espero que isso, no fim das contas, não afete a orientação geral que ele estava dando para o seu Pontificado. Nós não sabemos ainda o que vai acontecer, mas eu acho que nós não podemos demitir a Igreja Católica; ela pode nos demitir, mas nós não podemos demiti-la. Além disso, nós não temos, absolutamente, nada a ver com o que faz o pessoal do Vaticano. Nós temos que fazer aquilo que a Igreja sempre ensinou. As discussões entre eles não nos interessa; como diziam os escravos no século XVIII: ''eles são brancos, eles que se entendam, nós estamos aqui embaixo quietinhos, e devemos continuar fazendo o nosso serviço''. Há esse pessoal sedevaticantista que perguntam se o mandato do Papa é válido. Eu respondo que não tenho autoridade nenhuma neste caso porque se a Igreja fosse depender de mim para decidir isso estava ferrada.

Aluno: O senhor afirmou que não se pode ir além da confiabilidade do testemunho humano. Por outro lado, invalidou a autoridade do testemunho do cogito ergo sum com a sua própria experiência solipsista (...)

Olavo: Eu invalidei porque eu achava que a narrativa não correspondia à experiência real. Foi isso que eu reclamei, mas não invalidando o testemunho. Foi de certo modo um falso testemunho porque ele vivenciou uma coisa e disse outra completamente diferente que não poderia ter acontecido. Eu invalidar um testemunho em particular não é invalidar o testemunho humano em geral.

Aluno: (...) Fez isso baseado na premissa da validade universal da estrutura mental partindo do fato de que o testemunho de Descartes não é reproduzido na sua própria mente. (...)

Olavo: Não. Eu reparei ali uma impossibilidade intrínseca da experiência e não uma impossibilidade minha de a reproduzir. Eu creio que isso foi bastante demonstrado nas aulas sobre René Descartes. Não é que há uma dificuldade subjetiva de reproduzir a experiência: ela mesma é autocontraditória e o autocontraditório é impossível. Não é que eu não possa realizá-la: ninguém pode. Não depende da universalidade da mente humana. A premissa não é a universalidade da mente humana, mas é simplesmente uma das regras da lógica elementar: o princípio de identidade.

Aluno: (...) Nesse caso, os testemunhos humanos estão em conflito com o seu e o de Descartes.

Olavo: Não. Eu não estou dando um testemunho, mas fazendo uma análise lógica. Claro que reforcei com meu testemunho ao dizer que eu tentei e não consegui. Mas minha crítica não parou por aí porque eu examinei a) se era uma impossibilidade minha; b) uma diferença entre a minha mente e a de Descartes; ou c) uma impossibilidade intrínseca. Portanto, cheguei à impossibilidade intrínseca. Portanto, ela é universal porque não depende absolutamente da estrutura da minha mente.

Aluno: O senhor pretende voltar ao tema da astrocaracterelogia?

Olavo: Pretendo, mas não neste curso, evidentemente. Eu pretendo colocar à disposição do público todo o material que foi acumulado nas três versões do curso de astrocaracterelogia, eventualmente com alguns comentários. Só que temos que advertir desde já que a astrocaracterelogia é uma pesquisa destinada a esclarecer problemas surgidos durante o debate astrológico do século XX. A maior parte das pessoas não conhece sequer esse debate; não sabem quais foram os argumentos que andaram circulando, em geral na base do pró e do contra, mas alguns indo além disso. A conclusão a que cheguei foi a de que não existe nenhum meio de se tirar isto a limpo se não tiver um método extra-astrológico ou não-astrológico de estudar os mesmos fenômenos. Primeiro seria preciso distinguir duas coisas que todo mundo confundia: a) existe ou não o fenômeno astrológico ou fato astrológico e se há alguma relação ou influência astral; b) a astrologia, tal como se pratica, funciona, ou tem algum poder analítico, corretivo? São duas questões totalmente independentes, e eu comecei por afastar esta segunda porque não estava interessado na astrologia, mas interessado em saber se o fenômeno astrológico existe ou não e se ele é passível de estudo científico. Para isso era preciso desenvolver outro método radicalmente diferente da astrologia para investigar os mesmos fenômenos. Por isso eu inventei a Astrocaracterologia que é, sobretudo, um método de investigação. É importante notar que tudo o que eu fiz na astrocaracterelogia é só a construção de uma hipótese e a criação de alguns métodos de investigação para tirar essa hipótese a limpo. A astrocaracterelogia não é de maneira alguma um instrumento clínico, tão pouco um método para ler mapas astrológicos, e quem estiver usando o método nestes sentidos o faz por sua própria conta e risco sem nenhuma responsabilidade minha e até com a minha franca desaprovação. É evidente, se o sujeito é um astrólogo profissional ou um psicólogo interessado, dificilmente ele vai resistir à tentação de fazer a análise astrocaracterelógica das pessoas, mas é preciso entender que essas análises são puramente experimentais e não devem jamais ser usadas no sentido de diagnóstico clínico. Há muitas pessoas que estão lendo mapa astrológico na base da astrocaracterelogia, porém eu recomendo que não se faça isso porque o método é para fins de pesquisa e não para fins diagnósticos e clínicos. Eu acho que a única maneira de colocar isso a limpo é divulgar o material original onde esta mesma advertência que acabei de fazer é repetida várias vezes ao longo do curso.

Por hoje é só. Até semana que vem. Muito obrigado.

Transcrição: Rafael Augusto Salvi, Guilherme Santos Zomkowski, Ieda Kramer e Evandro Santos de Albuquerque.

Revisão: Eduardo Garcia de Queiroz