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Curso Online de Filosofia

Olavo de Carvalho

Aula Nº 103

23 de abril de 2011

Boa noite a todos, sejam bem-vindos.

Algumas pessoas estranharam que a gente prosseguisse as aulas em pleno Sábado de Aleluia, mas eu queria lembrar que o estudo faz parte da devoção e não tem porque parar nos Dias Santos e Domingos. Então vamos prosseguir impertubavelmente.

Nós vamos começar hoje com alguns comentários a respeito das leituras que nós encomendamos a vocês, a começar pela Apologia de Sócrates. Eu não vou fazer um comentário linear: eu vou apenas destacar alguns pontos que me parecem essenciais para despertar em vocês as perguntas certas com relação ao texto. É claro que quando se entra numa leitura já com um interesse determinado, em busca de algumas respostas, então o conteúdo do texto se destaca: ele se torna mais visível. É certo que as perguntas podem viciar completamente a perspectiva: elas não deixam de ser, de certo modo, um pré-conceito, quer dizer, uma expectativa que você tem.

Mas sem essa expectativa, a leitura meramente passiva, às vezes, não dá os bons resultados que a gente espera. Então a solução disso é fazer várias leituras, ou cruzar várias perguntas diferentes, de modo a que esse seu esforço de sublinhar as partes mais importantes do texto --- não digo sublinhar fisicamente: sublinhar mentalmente --- dê bons resultados, sem que você se arrisque a prejulgar o texto, ou a enquadrá-lo de tal modo numa rede de interesses pessoais que acabe vendo nele só aquilo que você está procurando. Nesse sentido, é claro que o conhecimento extensivo da tradição filosófica ajuda-o a colocar as perguntas certas ou, pelo menos, você sabe quais foram as perguntas que foram sendo colocadas ao longo do tempo: você tem já um leque de interesses que renderam alguma coisa ao longo dos séculos.

No entanto, mesmo um texto que tem 2.400 anos ― como esses diálogos de Platão ― podem se consolidar numa espécie de entendimento viciado ao longo dos tempos e algumas coisas que são extremamente importantes no texto podem permanecer ocultas ou invisíveis durante milênios. Isto eu creio que aconteceu com os textos lógicos de Aristóteles, como eu acredito ter mostrado no livro sobre a Teoria dos Quatro Discursos. Nós vamos observar a mesma coisa em Platão ― nesses textos de Platão que nós vamos ler.

Eu vou apresentar aqui algumas novidades: algumas perspectivas totalmente inéditas para a leitura desses textos. Perspectivas, no entanto, que jamais teriam surgido sem o auxílio de uma longa tradição. Quer dizer: justamente porque eu conheço ― não todas, mas as principais perguntas que se fizeram do platonismo ao longo do tempo ― é que eu pude criar as minhas perguntas e obter as minhas próprias respostas. É exatamente isto o que eu vou sugerir que vocês façam.

Claro que essas perguntas têm de ser feitas de uma maneira muito prudente e muito humilde. Você não pode entrar no texto acreditando que é o primeiro que vai descobrir o verdadeiro sentido daquilo; ao contrário: quando você descobre um aspecto, alguma coisinha nova, já é uma grande realização. Não tenha nenhuma pretensão de apresentar algo como fez o Prof. Giovanni Reale no livro Por uma Nova Interpretação de Platão, mas apenas por uma nova interpretação de alguns aspectos do platonismo; aspectos que, justamente, ao longo do tempo, se consolidaram em visões, por assim dizer, cristalizadas, que parecem muito difíceis de remover.

Em vez de entrar direto nesses aspectos, eu vou apenas comentar o princípio da Apologia de Sócrates, que é um livro que, embora ao longo dos tempos tenha servido mais como um documento histórico sobre a vida de Sócrates, tem, a meu ver, uma importância filosófica extraordinária. Afinal, ali você tem a plena interpretação que Sócrates dá de si mesmo, onde ele explica o que ele está querendo fazer, e expõe as dificuldades da sua tarefa, e situa tudo isso no contexto preciso da sociedade ateniense do seu tempo. Ou seja: você tem ali a visão que o pensador tem de si mesmo, a visão que ele tem da sociedade, e a relação entre as duas coisas. Então, nós podemos dizer que esta autointerpretação, de certo modo, está no centro da vida de Sócrates e, portanto, está também, de certo modo, no centro da obra de Platão, embora não seja considerado um dos grandes textos filosóficos de Platão. Mas acontece que aqueles dados fundamentais que nós vamos destacar aqui, e sem os quais eu acredito que toda a interpretação do platonismo pode sair bastante viciada, só se encontram na Apologia de Sócrates e em mais lugar nenhum. Um pouco também no Fédon, que nós veremos mais tarde.

Sócrates está diante de um tribunal que o acusa de não crer nos deuses da cidade e de perverter os jovens, instilando neles ideias ateísticas. E a primeira coisa que Sócrates faz é explicar como essas acusações vieram a aparecer; e ele começa com um artifício, por assim dizer, muito interessante: ele diz que existem os acusadores presentes --- aqueles que formalmente apresentaram a queixa ao tribunal ---, mas existem, por trás deles, toda uma rede de acusadores mais antigos que vêm espalhando rumores e calúnias contra Sócrates há cerca de 20 ou 30 anos. E ele diz que não pode se defender dos mais recentes sem defender-se dos mais antigos, primeiro.

Ele mostra ali que a credibilidade que as acusações formais têm neste momento resulta de um longo trabalho feito por acusadores multitudinários e anônimos ao longo do tempo. Temos aí um dos princípios fundamentais para a compreensão da ação política: qualquer proposta pública, qualquer afirmação que se pretenda apresentar como verdadeira num determinado momento, ela adquire toda a sua credibilidade de um contexto social e cultural que ela mesma não pode criar. Ou seja: toda e qualquer presunção de verdade na esfera pública se apóia em premissas que já estão dadas na platéia. Este é um dos princípios fundamentais da retórica: você tem de saber no que as pessoas já acreditavam, para saber se elas vão acreditar no que você está dizendo agora, ou se vão acreditar no que está dizendo o seu adversário.

De certo modo, esse preceito da retórica antiga já contém tudo aquilo que no século XX seria chamado a revolução cultural gramsciana. Quando Gramsci diz que antes de você se aventurar a uma ação diretamente política, você precisa primeiro conquistar a hegemonia cultural, é exatamente disso que ele está falando. Para vocês verem como, em filosofia, raramente existe alguma coisa nova debaixo do sol.

E Sócrates diz que defender-se de seus acusadores atuais é uma coisa: é somente pegar as afirmações que eles estão fazendo e discuti-las no plano em que elas se colocam. Porém o sentido dessas acusações emana justamente da rede de premissas que foram espalhadas na cultura ao longo do tempo e que, para defender-se dessas últimas, ele se encontra na posição de quem está discutindo com fantasmas, porque são acusadores ausentes e quase todos anônimos. Esse fenômeno dos rumores, das intrigas que vão se disseminando [10:00] no corpo da sociedade durante muito tempo e que depois, por assim dizer, se cristalizam numa ação mais concreta e mais direta, esse é um dos princípios de interpretação de qualquer ação política no mundo. Nenhuma ação política --- e é claro que a acusação de Sócrates é um ato político --- pode ser compreendida, sem uma sondagem desse fundo de credibilidade que tem de ser preparado durante muitos anos.

Às vezes o efeito de uma ação política ― ou de uma proposta política ― aparece assim de maneira tão rápida e devastadora, justamente porque as próprias razões que fundamentam o seu sucesso estão em ação naquele momento, mas, ao mesmo tempo, foram esquecidas. Então aí você tem uma estrutura que se assemelha muito à definição de neurose, dada pelo meu amigo Juan Alfredo Cesar Müller: uma mentira esquecida na qual você ainda acredita. Então, esta rede de rumores e opiniões que se espalhou na sociedade não é lembrada conscientemente agora, mas ela é a raiz da credibilidade da ação que se desenrola no momento.

Por exemplo: se vocês observarem como foi, aqui, a eleição do Barack Hussein Obama, vocês podem fazer a pergunta: como um sujeito que era totalmente desconhecido; ninguém sabia [quase nada sobre ele]; ele tinha apenas seis meses de experiência no Senado; nunca tinha apresentado nenhuma proposta notável; nunca tinha feito nada que chamasse a atenção do público, e de repente o sujeito aparece como a maior estrela do mundo? E ao mesmo tempo em que se torna o homem mais famoso do universo, ele ainda tem a prerrogativa de conservar secreta quase toda a sua vida: esconder todos os documentos, esconder lances importantíssimos de sua vida e criar no público certo temor de investigar isso. Como foi possível fazer isso?

É claro que isso seria impossível sem 40 ou 50 anos de inculpação do público americano pelo fenômeno do racismo. Racismo do qual somente uma parte ínfima da população foi o sujeito ativo. Se você observar, até mesmo na guerra civil americana, nos estados do Sul apenas 6% dos senhores de terra tinham escravos e, no entanto, até hoje a guerra é apresentada ― popularmente, é claro ― como uma luta contra a escravidão, quando de fato o pretexto da escravidão só surgiu depois. Houve uma série de escaramuças políticas que diziam respeito à autonomia dos estados ou ao predomínio do princípio de unidade ― da conservação da união ― e só tardiamente Lincoln se lembrou de levantar a bandeira da escravidão.

Essa bandeira poderia parecer inverossímil, num primeiro momento, justamente porque a quase totalidade dos políticos do Sul não se sentiam defensores da escravidão. Na própria Constituição da Confederação a escravidão já estava abolida e, sobretudo, o comandante militar supremo das tropas do Sul, que era Robert Lee, jamais tinha tido um escravo, enquanto o comandante das forças do Norte, General Grant, tinha muitos. Ademais, muitos estados do Norte conservaram a escravidão ainda durante a Guerra e nenhuma medida contrária foi imposta a eles. Então desde aquele momento, vê-se que a ideia de inculpar a população inteira pelos atos de meia dúzia se tornou um princípio. Isso foi usado abundantemente na Guerra Civil e se consolidou como um hábito cultural. Isto quer dizer que os culpados da escravidão não foram os senhores de escravos ou os comerciantes de escravos, foi toda a população.

Note bem: quando se lança sobre toda uma população a culpa dos delitos de meia dúzia, isso só faz sentido se a população deu apoio efetivo a essa meia dúzia, como aconteceu, por exemplo, na URSS, ou na Alemanha nazista, onde a população prestava culto entusiástico aos seus líderes criminosos: Stalin e Hitler. Neste caso, há algum sentido em dizer que a população toda, ou pelo menos a maioria da população, teve alguma culpa, embora não a culpa direta dos atos. Mas no caso da escravidão não havia nenhum entusiasmo popular pela escravidão, nem mesmo entre os estados do Sul. Justamente o contrário: a rejeição à escravidão já era geral.

No entanto, no próprio curso da Guerra, e à medida que a hostilidade entre os Estados vai crescendo, aquela ideia da inculpação geral tornou-se tão profunda e adquiriu tal credibilidade que, quando terminou a Guerra, a chamada reconstrução dos estados do Sul foi, na verdade, uma devastação. Foi um desses fenômenos que o nome propagandístico da coisa reflete exatamente o contrário do que foi feito: a ideia do governo central era destruir a sociedade e a cultura do Sul completamente e reformá-la à sua imagem e semelhança. Então, a hora da reforma nunca chegou: o que houve foi apenas a destruição. E isto pareceu legítimo na época justamente porque a ideia da culpa geral estava já disseminada.

Sem décadas de propaganda inculpatória ― mais de um século ―, ninguém se sentiria obrigado a votar em Barack Hussein Obama; em votar em um desconhecido, só porque era preto; seria absolutamente inconcebível. E, no entanto, o fator raça foi usado como uma espécie de salvo-conduto para que o Barack Hussein Obama pudesse se candidatar sem apresentar os documentos devidos, sem apresentar um currículo e sem até explicar quem era; quer dizer: tornou-se proibido investigar quem era o Barack Hussein Obama. Houve uma chantagem emocional, e ela funcionou de maneira brutal; mas não poderia ter funcionado sem toda essa retaguarda cultural de décadas.

A situação em que Sócrates se vê diante do tribunal é exatamente esta: ele não pode se defender dos seus acusadores atuais sem sondar os motivos de credibilidade que sustentam, perante o tribunal, essas acusações. Mas, ao mesmo tempo, esses motivos de credibilidade estão tão disseminados na sociedade ― estão tão diluídos na crença geral ― que é impossível, de certo modo, atacá-los de frente, porque uma das características dessas crenças disseminadas é justamente a de que elas não se definem verbalmente ― elas não se expressam como afirmações formais. Elas são, antes, sentimentos e reações que na verdade não poderiam se expressar verbalmente porque, tão logo o fizessem, elas se demonstrariam falsas no mesmo instante. Por exemplo: você pode induzir a que a população americana, hoje em dia, se sinta culpada da escravidão ― você pode induzir as pessoas a reagir como se fosse assim ―, mas tão logo elas expressem essa crença em palavras, verão que é absurda.

Este tecido de reações emocionais ― que estão ao mesmo tempo espalhadas por toda parte, mas continuam indizíveis ― é contra isto que Sócrates tem de lutar em primeiro lugar e, para isto, ele tem de contar a sua história. A única maneira que ele encontra de dar certa visibilidade, [20:00] certa clareza, a esse conjunto de reações, é contar sua história. Ou seja: ele não consegue pegar esse corpo de crenças e defini-lo, como se fosse num credo --- as pessoas acreditam nisso, mais nisso, mais nisso ---, ele não consegue fazer isso. A coisa é tão indefinida e disseminada que a única maneira que ele tem de explicar o que aconteceu é contar a sua história.

Então ele conta a história de que alguém havia perguntado ao Oráculo de Delfos quem era o homem mais sábio que havia em Atenas, e o Oráculo respondeu que era Sócrates. E Sócrates, então, queria saber no que consiste a sua famosa sabedoria, porque ele não se sentia e nem se considerava sábio de maneira alguma. Então ele se dirigiu a várias pessoas importantes --- políticos, professores, intelectuais --- que tinham fama de sábios, para ver se a sabedoria dele era parecida com a deles. E na verdade ele descobriu que eles não sabiam coisa nenhuma ― e que ele também não sabia, mas tinha consciência de não saber: ele tinha um mapa da sua ignorância. Ou seja: não era uma ignorância disforme e obscura; era uma ignorância perfeitamente delineada: ele sabia o que ele ignorava.

Vejam que em todos os diálogos platônicos onde Sócrates entra, ele começa fazendo uma pergunta. E se ele formula uma pergunta, isto quer dizer que não é uma ignorância vaga, mas uma ignorância muito precisa. Ou seja: eu me coloco uma pergunta e sei que eu não sei a resposta, mas sei algumas das dificuldades que eu teria de vencer para enfrentar a resposta. Então, o que ele tem nas mãos é precisamente aquilo que eu sempre chamei o "mapa da ignorância". Se vocês se lembram de uma antiga apostila minha chamada "Inteligência, Verdade e Certeza", verão que o tema do mapa da ignorância é uma das constantes do meu processo educativo.

Em geral, as pessoas não sabem sequer mapear os seus conhecimentos, quanto mais a sua ignorância. Ou seja: não são capazes de resumir, numa espécie de condensado, quais são as suas ideias fundamentais e de onde tiraram essas ideias. Quando perguntamos a um indivíduo de onde ele tirou determinada ideia, o sujeito emite uma opinião; e você pergunta de onde ele tirou esta ideia, de onde ele adquiriu isto, e as pessoas não sabem responder. Em geral elas convertem a sua pergunta histórica numa pergunta lógica e começam a argumentar em favor da ideia. Ou seja: você está perguntando a origem histórica e elas respondem com um fundamento lógico, real ou pretenso. Isto quer dizer, justamente, que a disposição que elas têm de argumentar em favor da ideia camufla a ignorância que elas têm da origem da ideia: elas não têm ideia das influências que entraram na cabeça delas e as fizeram pensar como elas pensam.

O mapa da ignorância é o único meio que você tem de planejar os seus estudos, daí para adiante, de uma maneira frutífera. É você perguntar: o que me falta saber para entender isto ou aquilo que eu desejo entender? Então a resposta pode tomar a forma de uma lista de perguntas e pode também tomar a forma de uma lista de obras ou fontes de informações que você sabe que são importantes para aquele assunto.

A diferença específica entre Sócrates e os pretensos sábios da cidade era que Sócrates tinha o mapa da ignorância, ou seja, ele sabia o que perguntar. Ao passo que a ignorância deles era tão densa, tão opaca, que eles não tinham ideia do que lhes faltava saber para acreditar naquilo que eles acreditavam. Então, você tem uma espécie de ignorância passiva ― ignorância inconsciente de si mesma ― e, por outro lado, a ignorância que nós diríamos que é normal, porque é dela que nasce o desejo de saber e é dela que nascem as perguntas que vale a pena fazer.

E quando Sócrates começou a testar a sabedoria dessas pessoas e viu que sabiam menos do que ele, todos ficaram muito ofendidos. E olha que Sócrates fez isto durante décadas: praticamente não houve figura importante da cidade que não fosse submetida a esse teste. E como ninguém passava no teste, dali para diante só havia duas alternativas: ou o sujeito se tornava um discípulo de Sócrates ― percebia que Sócrates sabia algo a mais do que ele e que, portanto, o Oráculo havia dito a verdade e, a partir daí, o indivíduo se tornaria um discípulo, para aprender com Sócrates ― ou então iria nascer no coração desse indivíduo um ódio sem fim a Sócrates.

Então, evidentemente, a população se torna dividida entre um pequeno grupo de estudantes que acompanha Sócrates, e o restante da população. Claro, a população em geral não participava dessas discussões, mas eu estou me referindo às pessoas importantes: às chamadas classes falantes. O restante das classes falantes odiavam Sócrates pelo simples fato de que essas pessoas tinham se sentido humilhadas. Ou seja: não por causa de alguma doutrina que Sócrates pregasse e que fosse contrária às convicções deles, porque Sócrates não pregava absolutamente nada.

Pode-se vasculhar a obra socrática e ver-se-á que mesmo a convicção fundamental que ele defende no próprio discurso de defesa ― esta crença na vida após a morte ― mesmo esta ele não afirma em termos dogmáticos e definitivos: ele diz que é apenas uma crença, ou uma esperança. Seria muito difícil, das palavras de Sócrates, construir um ideário, uma espécie de cânon da doutrina socrática: Sócrates acredita nisso, mais nisso, mais nisso, mais nisso, mais nisso. Não existindo as crenças socráticas, pelo menos no sentido formal da coisa, então não pode ter sido uma divergência ideológica que motivou o ódio que as pessoas tinham de Sócrates.

O motivo do ódio era puramente pessoal: era um sentimento de humilhação e de inveja, evidentemente. Mas, não podendo se exprimir como tal, ele se transmutava em afirmativas ideológicas que não tinham nada a ver com a história. E é justamente essa disseminação de intrigas, fofocas, calúnias etc., que foi criando o ambiente cultural propício a que, num determinado momento, tudo isso se condensasse num ato político, que é o de formular uma acusação contra Sócrates, no tribunal, e solicitar a sua condenação à morte.

Veja que esta operação segue a série exata da operação alquímica: a dissolução e a coagulação. Em primeiro lugar, existe um ataque multilateral de tipo dissolvente, onde a imagem real do indivíduo vai sendo apagada, apagada, apagada e, de repente, é possível criar uma outra imagem dele feita somente de palavras. Então esta solve et coagula ― da fórmula dos alquimistas ― também é uma regra universal da política. Em geral as pessoas não têm ideia disso, mas muitas pretensas operações alquímicas não são operações alquímicas: são operações político-sociais expressas em linguagem química, não só para efeitos de camuflagem, mas também porque essas duas realidades --- a realidade político-social e a realidade da natureza química --- de certo modo se superpõem e se simbolizam mutuamente.

Ao longo de toda a Apologia, o que Sócrates está fazendo é tentar descascar um conjunto de falsas impressões criadas através da palavra [30:00] --- mas não só da palavra, mas também de olhares, de gestos, de atitudes etc. etc. ---, tentando descascar isso, furar essa barreira, e mostrar uma realidade, aliás, bem documentada. Digo bem documentada porque os seus discípulos estavam presentes ao julgamento, e somente aqueles que haviam acompanhado o ensino de Sócrates ao longo do tempo podiam testemunhar o que ele ensinava e o que ele não ensinava. Quer dizer: o desejo de atribuir a Sócrates ideias que ele nunca tivera, crenças que ele nunca defendera e atitudes que ele nunca tomara, só era possível na ausência dos testemunhos ― e justamente por pessoas que conheciam pouco Sócrates, ou que só tinham convivido com ele em certos momentos. De suas experiências totalmente subjetivas, é que eles deduziam toda uma mitologia a respeito de Sócrates. Essas pessoas não tinham elementos concretos, elementos probantes, para construir uma doutrina socrática, e condená-la. Só quem conhecia o ensinamento socrático eram os alunos, e eles o conheciam por experiência pessoal e direta repetida ao longo de muitos anos --- eram pessoas que haviam acompanhado Sócrates por 20 ou 30 anos. Então, tem-se aí um confronto entre as impressões, que são criadas pela mera força da palavra, e uma realidade documentada através de testemunhos.

Um dos temas fundamentais do platonismo é justamente esse confronto entre aparência e realidade, entre a opinião (doxa) e o conhecimento, a ciência (episteme). Esse é um dos temas mais repetidos do platonismo. Mas qual é a forma que isso tomou ao longo dos séculos na interpretação geral do platonismo? O platonismo é conhecido, eminentemente, como uma teoria dualista na qual o mundo aparece dividido em dois andares: existe o mundo das aparências sensíveis ― o mundo dos corpos ― e, por trás e por cima dele, existe o mundo dos arquétipos, das formas, que é a verdadeira realidade. Então o trabalho da filosofia consiste, justamente, em varar e furar o mundo das aparências sensíveis para chegar aos arquétipos, às formas.

As formas não são acessíveis aos sentidos: elas só podem ser atingidas ― só podem ser alcançadas ― através da inteligência lógica e da matemática. Quer dizer: as formas se identificam, de algum modo, com os números do pitagorismo a tal ponto que se consolidou historicamente a visão do platonismo como uma espécie de gnose, onde os iniciados eram os indivíduos que conseguiam saltar do mundo das aparências sensíveis para o mundo dos arquétipos, ou das fórmulas eternas expressas geometricamente ou aritmeticamente, mais ou menos como equações ou figuras geométricas. Esta matematização da verdade: a ideia de que a verdade se expressa em fórmulas matemáticas que estão acima do mundo sensível e que constituem a verdadeira realidade ― enquanto o mundo sensível se constitui apenas de aparências ― esta se tornou a interpretação oficial do platonismo.

Veja aqui, um exemplo, no livro do Etienne Couvert ― que ademais é um livro excelente. Um dos primeiros capítulos chama-se "Gnose e Platonismo". Vamos ver aqui o que ele diz:

"Platão coloca, no começo, dois mundos antinômicos: o mundo das ideias incriadas, eternas, e o mundo da matéria. Este último é informe, indeterminado e ininteligível. A matéria não é senão o receptáculo de todas as formas possíveis, capazes de recebê-las, mas não de dá-las a si próprio. A matéria é dita, no entanto, eterna, não gerada e não criada. Ela traz em si mesmo, portanto, um caráter divino, como as ideias."

Então, por um lado, tem-se a matéria informe, eterna, sem qualidades definidas e [por outro lado] têm-se as ideias ou formas eternas que estão na mente divina e que diferenciam essa matéria segundo as formas dos vários entes sensíveis. E, como a matéria não tem qualidades, ela não é propriamente nada: tudo o que existe de qualidade essencial nos seres vem inteiramente das formas. Então, realmente o trabalho da filosofia é varar o mundo das formas sensíveis e encontrar, por trás deles, as ideias, ou as formas eternas. A ideia de que o mundo todo fosse um tecido de aparências ― ou um teatro cuja regra do jogo estava oculta e, portanto, deveria ser descoberta ―, ela se dissemina com muita força a partir da Renascença. Quer dizer: você tem uma efusão de platonismo nessa época.

E a esse platonismo se opunha, com veemência, à doutrina cristã, segundo a qual os entes do mundo sensível não foram criados por Deus como meras aparências, mas como substância efetiva; ou seja: ainda que eles tenham uma forma de existência temporária e fugaz, eles são perfeitamente reais em si mesmos. E, por outro lado, seguindo Aristóteles, a Igreja afirmava que as ideias ou formas eternas não podem existir por si mesmas: elas só podem existir nos entes sensíveis que as manifestam. Daí o famoso quadro de Rafael, A Escola de Atenas, onde Platão aparece apontando para o alto, isto é, as formas eternas, e Aristóteles chama atenção para o mundo sensível, como se dissesse: "As formas eternas não estão lá, mas estão aqui." Ou como mais tarde diria num verso memorável o poeta ―, aliás, comunista ― Paul Eluard: "Há outros mundos, mas estão neste". Ou seja: a unidade da criação se opunha veementemente ao dualismo platônico.

E esta visão do platonismo foi assumida por inumeráveis escolas iniciáticas de ordem gnóstica nas quais o trabalho do iniciado consistia, justamente, em passar por uma série de rituais e iniciações nas quais ele se livraria do apego ao mundo sensível e teria, então, acesso às fórmulas matemáticas eternas. Toda a obra de Isaac Newton é precisamente isso --- de Isaac Newton, de Galileu. A quase totalidade dos cientistas que criaram a mentalidade moderna no início da Renascença é fortemente marcada por esta visão do platonismo. Ou seja, tanto os amigos quanto os inimigos de Platão estavam de acordo com essa ideia do dualismo platônico: com esta ideia da falsidade ― ou mera aparência ― dos seres sensíveis, e com a crença de que a verdadeira realidade se constituía de ideias e materiais ― como que fórmulas matemáticas das coisas ― e era para aí que se devia dirigir a atenção do estudioso e do iniciado. Há uma famosa gravura ― que até reproduzi n'O Jardim das Aflições ― em que um indivíduo de joelhos vai caminhando e fura o mundo sensível, onde têm lá árvores, pássaros, montanhas etc., e por trás disso ele enxerga o verdadeiro mundo. O verdadeiro mundo o que é? É uma máquina; é um conjunto de fórmulas.

Esta ideia de que um conjunto de equações ou figuras geométricas seria o verdadeiro mundo e de que o mundo das aparências sensíveis é, em última análise, apenas um engano, ou um teatro, inspirou muitas das investigações e descobertas na Renascença. [0:40] Quando Isaac Newton formula a sua Lei da Gravitação Universal, é exatamente aí que ele pretende chegar. Tanto ele [Galileu] quanto Newton mostram, com certo orgulho, um desprezo pelo mundo sensível. Por exemplo: no instante em que Isaac Newton formula premissas que são fisicamente insustentáveis ― que são incompatíveis com a realidade dos sentidos ― como a ideia do "espaço absoluto" (o espaço sem coisas dentro). O entendimento que Aristóteles e a Igreja tinham do espaço era: o espaço é apenas um conjunto de lugares, e os lugares são justamente definidos pelas coisas que estão lá. Quer dizer: o espaço é a possibilidade da coexistência de coisas, assim como o tempo é a possibilidade da sua sucessão. Mas para Newton, o espaço era concebido realmente como uma coisa vazia, sem nada dentro.

A pergunta seria a seguinte: se não há nada dentro, que sentido faz falar-se de distância? Qual é a distância entre o nada e a coisa nenhuma? Nada! Então, o espaço sem coisa é absolutamente inconcebível. Mas era uma premissa importante para a construção do mundo matemático de Newton. Do mesmo modo que ele também concebe o que ele chama "tempo absoluto": que é o tempo sem acontecimentos; o tempo sem fatos. São duas premissas que violam, da maneira mais flagrante, a experiência comum e corrente do mundo. Do mesmo modo, Galileu. Ele dizia que para alcançar a verdade na ciência é preciso fazer "violência contra os sentidos" --- é expressão dele.

Tudo isso vem de uma inspiração platônica: a negação do mundo sensível e a afirmação da prioridade absoluta de um mundo de formas abstratas universais. Fórmulas que idealmente a mente humana poderia alcançar e expressar matematicamente, de tal modo que o iniciado ou o cientista que chegasse a essas descobertas teria penetrado na mente de Deus e conheceria o segredo da formação e da estrutura de todo o universo. A presunção de Isaac Newton chegava ao ponto de que, nas sociedades secretas a que ele pertencia, o seu codinome era nada menos que Jeová --- então, de certo de modo, se acredita um Deus.

Mais ainda: Isaac Newton tinha a ideia de fundar uma nova religião. E tudo o que ele fez, toda a sua obra científica, não passa de um capítulo dentro de um projeto monumental de reforma da humanidade, onde ele aboliria o Cristianismo, com a doutrina da Santíssima Trindade, e ele produziria o culto da unidade absoluta --- mais ou menos como existe no mundo islâmico: o Corão prega a unidade absoluta. Essa unidade absoluta seria então provada e fundamentada justamente através do conhecimento das leis eternas que presidiram a criação e a estruturação do cosmos, nisto consistindo, portanto, uma espécie de apoteose do platonismo.

E note bem: aqueles que eram contra o Platão, da escola aristotélica, definiam o platonismo exatamente assim. Aristóteles entendeu o platonismo assim e fez várias críticas a esse dualismo. Ele dizia, por exemplo: "Se aqui você tem um homem e no mundo das ideias você tem a forma ou ideia deste homem, então há uma semelhança entre os dois. Mas, para haver uma semelhança, tem de haver também uma forma da semelhança. Então teria um terceiro elemento. E, entre a forma da semelhança e a ideia ― entre a forma da semelhança e o homem concreto ― teria de haver outra, e outra, e outra, e outra". Em suma: mostrou uma série de contradições básicas no dualismo platônico.

Muito mais tarde, o Prof. Giovanni Reale mostraria que essas críticas só eram fundamentadas com relação à versão mais externa e popular do platonismo, mas não eram válidas com relação ao platonismo interno ― por assim dizer exotérico ― que Platão ensinava oralmente aos seus discípulos. Portanto, são críticas das quais Platão estava perfeitamente consciente e com as quais ele concordava. Só que não eram bem críticas, era apenas uma etapa dialética do raciocínio que devia culminar no ensino exotérico, no qual havia, não dois mundos, mas três: havia o mundo dos seres sensíveis, o mundo das formas e, acima dele, o mundo dos princípios.

Mas não é isso que nos interessa aqui.

O que interessa é o seguinte: Sócrates, na Apologia, está confrontando, não o mundo sensível com o mundo das ideias, mas o mundo das ilusões sociais, das ilusões culturais, com o mundo dos fatos historicamente documentados. Ou seja: ele não está indo de um mundo de aparências sensíveis para cima, mas ele está indo, por assim dizer, para baixo. Quer dizer: por baixo dessa rede de ilusões --- mentiras criadas pela pura linguagem ---, existe o mundo dos fatos que foram assistidos e testemunhados diretamente por centenas ou dezenas de pessoas. Ele não está apelando do mundo das aparências sensíveis para o mundo etéreo e abstrato, mas justamente ao contrário. É claro que os mitos e lendas ― a fofocagem toda ― comparada com os fatos, é abstrata, e os fatos são concretos. Ele está indo, não do concreto para o abstrato, mas, ao contrário, do abstrato para o concreto.

A mesmíssima coisa acontece no texto mais famoso de Platão ― que é justamente o Mito da Caverna ― porque o prisioneiro que se liberta da caverna, transita do que a quê? Ele transita do mundo sensível para os arquétipos? É isto o que ele faz? De maneira alguma! Os prisioneiros que estão ali amarrados, o que eles estão vendo? Eles estão vendo sombras ― na verdade as suas próprias sombras projetadas na parede por um fogo que alguém acendeu por trás deles. Então eles estão vivendo uma ilusão. Mas esta ilusão não é o mundo sensível: esta ilusão é uma obra humana, é uma ação humana. Quer dizer: a ação humana dos proprietários de escravos criou um conjunto de aparências fictícias para manter os escravos iludidos. E o prisioneiro afortunado que consegue escapar dali, o que ele vê? Ele tem a visão sensível do sol.

Isto quer dizer que no texto mais famoso de Platão o que se vê não é um trajeto do mundo sensível ao mundo inteligível, mas um trajeto do mundo fictício verbal para o mundo das impressões sensíveis. É verdade que tradicionalmente se interpreta esse sol como representando a inteligência divina e, portanto, o mundo das formas, e a caverna como se fosse o mundo sensível. Mas, o mundo sensível não é criação humana? E mais ainda: quando o prisioneiro liberto enxerga o sol com os seus próprios olhos, isto é evidentemente um ato de percepção sensível. Você pode dar a este ato a interpretação que você quiser: você pode dizer que isso simboliza o mundo das ideias eternas etc. Porém, se a percepção sensível fosse tão falha e tão fatalmente condenada ao erro ― como se diz na interpretação clássica do platonismo ― como poderia uma coisa tão baixa simbolizar uma coisa tão alta? Como poderia uma coisa tão falsa simbolizar a verdade mesma?

Isto quer dizer que a Apologia de Sócrates e o Mito da Caverna têm uma estrutura rigidamente idêntica: [50:00] o trajeto das ilusões culturais para a experiência direta e sensível. Tudo aquilo que os acusadores antigos tinham criado contra Sócrates era apenas um tecido de palavras e imaginações ― era um produto cultural ― ao passo que o testemunho dos seus alunos que estavam ali presentes não era puramente mental: eles tinham realmente ouvido Sócrates; eles tinham acompanhado e percebido sensivelmente Sócrates ao longo do tempo. Do mesmo modo que o prisioneiro liberto da caverna, o que ele traz de volta para os seus companheiros presos não é a narrativa de uma visão mística ou de uma abstração, mas o testemunho dos sentidos: "eu vi o sol".

Isto quer dizer que toda a interpretação clássica do platonismo é um brutal exagero unilateral. Porque, se em alguns textos Platão efetivamente coloca o mundo sensível como se fosse o mundo da ilusão ― que tem de ser varado para se atingir os arquétipos eternos ― em outros ele faz precisamente o contrário: o trajeto não é do concreto sensível para o abstrato ideal e matemático, mas, ao contrário, é um trajeto do mundo da linguagem, das criações culturais, para o mundo da experiência sensível. Isto quer dizer que colocar o platonismo neste sentido que está colocando Etienne Couvert --- o que ele está colocando não é invenção dele, é interpretação corrente que se encontra em praticamente todos os dicionários, mesmo após os atenuantes colocados por Giovanni Reale. Veja que Giovanni Reale não desmente que a superação do mundo sensível e a conquista do mundo das ideias eternas seja o objetivo de Platão. Ele apenas diz que por cima desse mundo das ideias eternas existe o mundo mais elevado, que é o mundo dos princípios, que explica, portanto, a conexão entre as formas eternas e os seres sensíveis. Mas ele não chega a entrar neste ponto que, para mim, é o mais importante.

Isto quer dizer que nós só vamos entender o platonismo se, em vez da visão que se tem do platonismo como uma escada ― uma curva que leva para cima e que vai dos seres sensíveis para as abstrações e formas eternas --- nós acrescentarmos outro trajeto contrário, formando um X: tem uma curva que vai neste sentido, e a outra que vai em sentido contrário. Existe um trajeto do concreto para o abstrato e outro do abstrato para o concreto, e é isto que constitui o platonismo. E é por isto mesmo que nós vemos que a busca da verdade em Platão toma a forma de uma articulação dialética entre dois movimentos contrários. Ou seja: o trajeto que leva dos entes sensíveis às formas eternas não é válido em si e, abstratamente, em separado, ele só é válido se compensado dialeticamente pelo movimento contrário. Ou seja: todas as críticas que Aristóteles pudesse ter feito ao dualismo já estavam de certo modo incorporadas no platonismo. É como se dissesse que Aristóteles estava discutindo apenas o platonismo esotérico ― o platonismo mais aparente e mais visível ― quando, na própria estrutura total do platonismo, já estava dada esta compensação aristotélica, por assim dizer.

Isto quer dizer que aquilo que se entende como doutrina de Platão não é doutrina de maneira alguma. É de Platão, certo, mas não é doutrina: é um símbolo. Tudo o que ele diz a respeito do trajeto da mente humana do sensível para o inteligível não tem um alcance doutrinal: é apenas um símbolo e, como todo símbolo, tem de ser compensado pelo seu símbolo contrário. Então, não se trata de ir do sensível para o inteligível, mas sempre, e sempre, e sempre, ir da ilusão para a realidade. Em alguns casos, o trajeto da ilusão para a realidade é uma ascensão e em outros casos é uma descida.

Vejam que, passado 2.400 anos, o nosso Mário Ferreira dos Santos colocaria precisamente a arte da dialética como o recurso que nós temos para nos livrar dos maus efeitos do abstratismo. Quer dizer: quando você vê uma doutrina como uma dedução lógica que leva a certas conclusões, é preciso em seguida dialetizá-la, ou seja, raciocinar em sentido contrário, para que não fiquemos presos dentro do fetiche da fórmula doutrinal. Isto é, para que a fórmula doutrinal ― as conclusões filosóficas ― não sufoquem em nós a inspiração do próprio movimento filosófico e da busca da verdade, de modo que, nos apegando às conclusões finais, nós percamos a capacidade de sondar a verdade quando ela se apresenta sob outros aspectos.

Esta natureza profundamente dialética e, portanto, simbólica, do platonismo, é que é o caminho da interpretação correta. Quem inventou isso, fui eu? Não fui eu que escrevi o Mito da Caverna e não fui eu que escrevi a Apologia de Sócrates. Eu estou apenas dizendo aquilo que nós lemos na Apologia de Sócrates e que nós lemos no Mito da Caverna, e que não pode ser negado. Se, no Mito da Caverna, o indivíduo vai desde uma ilusão cultural feita de imagens e impressões para uma impressão sensível, isto quer dizer que Platão está valorizando a impressão sensível como símbolo da verdade; do mesmo modo que as formas eternas são também símbolos da verdade, mas não são a verdade. O que é a verdade? A verdade é algo que o ser humano, o filósofo, entrevê por trás de tudo isso; entrevê, mas não consegue formular de uma maneira doutrinal definitiva.

Então, a obra de Platão é essencialmente a obra de um artista que constrói símbolos. E o que é o símbolo? Já dizia Susanne Langer: é uma matriz de intelecções. Ela não é o resultado doutrinal de uma intelecção, mas é a matriz que vai gerar intelecções. Então, a função da filosofia, segundo Platão, não é nos dizer a verdade ― a verdade de certo modo é indizível e, por outro lado, ela é sabida, porque tudo aquilo que Platão diz ecoa na nossa mente e no nosso coração, e nós sabemos que ele está no caminho da verdade de algum modo. Mas tão logo cristalizamos essa verdade em conclusões doutrinais, nós traímos o espírito do platonismo, que é um espírito dialético no qual, quando a verdade é vista por um lado, sempre é preciso convocar o outro lado: se, por um lado, existe a ascensão do sensível ao inteligível, por outro lado, existe a descida do inteligível ao sensível.

Anos atrás eu li, no Julián Marías, a ideia de que Platão tinha, por assim dizer, subido até às ideias, mas tinha se esquecido de voltar. Claro, o Julián Marías escreveu isto quando ele era muito jovem, num livro, aliás, brilhante, que é a História da Filosofia. Veja que cometer erros, todos nós cometemos. Todos os livros de filosofia estão repletos de erros. Mas o que interessa nunca são os erros: é o seu poder vivificante ― o seu poder inspirador ― que nos recoloca de novo, e de novo, e de novo, na busca de uma verdade que nós entrevemos. Nós entrevemos, por quê? Porque ela mesma nos constitui ― ela está também em nós ― então não temos, de certo modo, como escapar dela completamente.

Eis aí, não digo uma nova interpretação do platonismo ― que não é esta a minha intenção. A minha intenção é apenas chamar a atenção para algo que, com toda a evidência, está lá, e que nem todas as interpretações do mundo podem ocultar jamais. Esses dois apelos de Platão às evidências sensíveis são de uma eloqüência tremenda. E eles seriam impossíveis se Platão tivesse essa visão, por assim dizer, quase hinduísta do mundo sensível, como mera ilusão. [1:00]

[Intervalo]

Resumindo um pouco a primeira parte da aula, eu acho que o sentido de tudo isso que eu andei dizendo sobre o platonismo é o seguinte: a filosofia é essencialmente um movimento em direção ao conhecimento e, conforme o próprio Platão já dizia, filosofia e educação são a mesma coisa. A finalidade da educação não é criar uma doutrina, uma teoria e, muito menos, uma teoria universalmente explicativa. A finalidade da educação é criar pessoas, é desenvolver a alma, a inteligência, o caráter etc.

Nenhum de nós vai jamais alcançar uma formulação correta da verdade final. Já expliquei, na aula anterior, por que a visão da verdade não pode tomar a forma de uma doutrina; isso é impossível. É claro que todas e quaisquer especulações, sobretudo conclusões doutrinais, têm um sentido sugestivo e simbólico: elas não visam a nos fechar dentro de uma visão do mundo perfeita e acabada, mas a nos inspirar para que nós não percamos este pressentimento, ou esta pré-ciência, que nós temos da revelação da verdade. Todo mundo tem isso ― todo mundo nasce com isso no coração ― e, ao mesmo tempo, todas as tentativas de formular isso sempre fracassaram; e se fracassaram, é porque essa formulação não é necessária de maneira alguma.

De que serviria uma verdade definitiva, total e absoluta na boca de um ente que vai durar 70, 80, 90 anos e depois desaparecer? E mais: um ente que não será capaz sequer de manter a consciência contínua dessa mesma verdade que ele mesmo descobriu. Vocês acham que, por exemplo, Isaac Newton estava permanentemente consciente das suas teorias? Não! Como todo mundo, ele esquecia: ele disse uma coisa ontem, amanhã já esqueceu. Todos nós somos assim. Esta fugacidade da consciência humana, que está sempre aparecendo e desaparecendo, já mostra que há sempre um impedimento, quase que definitivo, a uma formulação total e acabada da verdade.

Quer dizer: a ideia de chegar aos princípios últimos da realidade, que é uma ideia que ainda muitos físicos carregam na cabeça, é de uma estupidez monumental. E todas as fórmulas que eles encontrarem serão, em seguida, desmentidas. Será sempre assim. Quando Santo Agostinho disse que "a verdade está no coração do homem", ele não disse que está na sua boca e nem no seu cérebro. Quer dizer: todos nós carregamos a verdade pelo simples fato de que nós existimos e que a nossa forma concreta de existência é ter consciência de nós mesmos --- isto é que é ser um ser humano.

Então, de novo, e de novo, e de novo, ao longo das gerações, os filósofos fracassaram na sua tentativa de expressar verdades finais e são, em seguida, devolvidos ao exame de si mesmo; ao exame de consciência; porque é justamente nesse exame de consciência que você encontra a insinuação ― a pré-ciência da verdade ― entrevista como por trás de uma rede. E isto para o ser humano é mais do que suficiente e é o máximo que nós podemos alcançar.

Vamos responder aqui algumas perguntas.

Aluna: Eu dou aula de sociologia e filosofia, no estado do Rio de Janeiro, tanto para o ensino médio e regular, quanto para educação de jovens e adultos, e confesso que tenho uma enorme dificuldade de encontrar material isento de ideologias. Tento, ao máximo, evitar a doutrinação. Até hoje não consegui montar uma apostila decente para as aulas, uma vez que sou obrigada a conciliar o currículo mínimo com posturas não doutrinárias.

Olavo: Ela pede algumas sugestões. Eu vou lhe dar duas sugestões que eu acho que resolvem o problema. A primeira é você procurar um livro já editado ― acho que há trinta ou quarenta anos atrás ― no Brasil, mas que você ainda encontra em sebos. O livro chama-se Teorias Sociológicas. O autor chama-se Nicolas Timasheff. Ali você tem um apanhado muito bom de todas as teorias principais, sobretudo aquelas que hoje em dia, no Brasil, estão completamente esquecidas. E, por outro lado, eu recomendaria todas as obras do sociólogo russo-americano Pitirim Sorokin.

Sorokin foi um membro do governo democrático russo: o governo que se instituiu logo após a Primeira Revolução ― o governo do Kerenski. E depois, quando veio a Revolução Comunista, fugiu para os EUA e se tornou aqui um sociólogo eminente, presidente da Associação Sociológica Americana, e publicou uma série de livros, entre os quais vários que se dedicam a uma revisão das teorias sociológicas existentes ― revisão às vezes severamente crítica. Tem um livro dele chamado Novas Teorias Sociológicas. E independentemente de você aceitar ou não as obras teóricas do próprio Sorokin, as obras que ele fez de exame das sociologias alheias são uma verdadeira maravilha, um verdadeiro dicionário da sociologia.

O livro Novas Teorias Sociológicas, eu sei que foi publicado no Brasil pela antiga Editora Globo ― antes que a Editora Globo fosse vendida à TV Globo eles publicavam muita coisa interessante, e tinha este livro Novas Teorias Sociológicas. É um dos muitos. Mas eu acho que ele escreveu uns quinze livros só de revisão histórica da sociologia e de atualização das sociologias. Então, você tem um dicionário de todas as ideias sociológicas existentes, examinadas por um dos maiores cérebros sociológicos de todos os tempos. E ali você pode então fazer a sua seleção. Isso vai lhe dar mais indicações bibliográficas. Mas como acontece em todos os ramos do conhecimento, a parcela que você vai encontrar publicada em português é mínima. Em espanhol você já encontra mais. Existem várias obras do Sorokin publicadas em espanhol. Mas você vai achar tudo isso em sebos. Procure pelo site www.estantevirtual.com.br/ que você acha. Praticamente tudo o que existe no Brasil você encontra lá.

O autor chama-se Pitirim Sorokin. O Sorokin era um dicionário de sociologia ambulante. E, naturalmente, como ele tinha uma visão muito crítica do marxismo, acabou sendo enterrado, embora continue sendo mencionado nos dicionários e enciclopédias como um dos grandes sociólogos do século XX.

Eu não posso lhe dar uma lista inteira de livros, mas esses dois vão lhe dar precisamente isso. Tudo o que interessa em sociologia está aí nesses dois livros. Livros deste tipo, que dão um panorama das teorias existentes, são extremamente importantes para nós, justamente para fazer o quê? O mapa da nossa ignorância. Porque quando você lê, por exemplo, Sorokin apresentando a sociologia de Vilfredo Pareto, ele vai fazer isso em quinze ou vinte páginas e nada mais. Isso não quer dizer que você vai conhecer a doutrina de Vilfredo Pareto a partir daquilo ali, mas você sabe o que está lá e que você vai precisar saber.

Eu dei esse exemplo principalmente porque eu li sobre Vilfredo Pareto no Timasheff e no Sorokin, quarenta ou cinquenta anos atrás, e nunca mais li o Vilfredo Pareto. Quer dizer: a minha ignorância neste ponto continua atuante. Está lá no meu mapa da ignorância: tem este e este problema levantado por Vilfredo Pareto, e eu quero saber como ele desenvolve aquilo. Mas não tive chance de me atualizar com isso até hoje. E assim muitos outros autores. É mais importante você ter esse mapeamento das coisas que você precisa saber do que você ter o conhecimento substantivo. Porque esse mapeamento é que vai dar a estrutura, vai dar a ordem interna, vai dar o senso de hierarquia e de importância relativa das coisas. E é justamente ter esse senso da importância relativa o que diferencia uma pessoa culta de uma pessoa inculta. O sujeito inculto pode saber um monte de coisa, mas ele não sabe onde elas estão; ele não sabe o peso relativo; ele não tem a capacidade de julgar importância; ele não tem o senso da prioridade.

Eu tive essa sorte de que, logo no começo da vida, os livros que me caíram nas mãos [1:10] eram todos livros que tentavam dar uma articulação geral da importância das coisas, como, por exemplo, o livro do Mortimer Adler com a ideia dos Great Books; o livro do Timasheff; o livro do Sorokin sobre as teorias sociológicas; a História da Literatura Ocidental do Carpeaux: era uma série de livros que mapeavam outros livros. De certo modo, a partir dali, eu fiz a lista de tudo o que eu ia ler pelo resto de minha vida, e não acabei de ler até hoje. Fui constituindo uma biblioteca pessoal com a ideia de ter todos os livros básicos, em todas as áreas que me interessavam; aqueles livros que serviram de ponto de articulação para todos os estudiosos da área. Hoje eu posso dizer ― decorridos 47 anos (eu estou com 64 anos; comecei essa coisa com 17 anos) ― que, mais ou menos, o projeto está realizado. O que não quer dizer que eu li todos os livros da minha biblioteca: metade ainda está para ser lida.

A biblioteca de um estudioso tem de ter entre sete mil e oito mil livros, para começar, dos quais ele precisa ter lido pelo menos metade. Mas, mesmo aqueles que você não leu, você sabe onde eles estão ― não lugar na estante; o lugar na estante eu jamais sei ― mas eu sei o lugar onde eles estão na ordem da história das questões: eu sei por que aqueles livros estão ali, o que eles estão fazendo... Só não sei muito bem o que está dentro deles. Mas a posição deles a gente sabe. E isto é a base da formação cultural.

No começo do curso eu disse que é mais importante conseguir organizar a bibliografia de certa área de conhecimento, do que conhecê-la inteira. O conhecimento inteiro de uma área ninguém tem. Por exemplo, o conhecimento da sociologia: mesmo que você leia livros de sociologia o dia inteiro, como Sorokin lia, alguma coisa sempre vai escapar. Mas, mesmo as coisas que escapam, você pode saber onde elas estão. É como um caçador: dar um tiro no bicho é só a etapa final: o principal é saber onde ele está. Você imagina o problema que isso pode ser. Outro dia nós estávamos conversando sobre caçada de urso. Caçada de urso você pode ir, mas vai ter de arrumar um guia e pagar US$ 5.000 para ele lhe mostrar onde está o urso, porque senão você ficará andando o estado do Missouri, o Kentucky inteirinho, e você só vai ver o urso no zoológico.

Quando os antigos retóricos criaram a arte da memória e a articularam sob a forma de um mapa, eles sabiam o que estavam fazendo. Quer dizer: as imagens espaciais têm uma grande força para nós. Por isso mesmo eu usei a expressão "mapa" da ignorância: é você criar uma área espacial onde os vários conhecimentos estão distribuídos. Quando você organiza a sua biblioteca, você pode fazer exatamente isto: distribuir os livros, por exemplo, não segundo uma classificação decimal, uma classificação formal, mas conforme as suas áreas de interesse, ou conforme aquilo que você está estudando, de modo que a própria distribuição física dos livros tenha um efeito mnemônico sobre você. Então o simples fato de você saber em que estante está o livro já lhe dá uma ideia da articulação dele com os outros livros.

Aluno: Na aula 99 o senhor fez uma breve menção à frase de John Adams de que a Constituição americana somente poderia funcionar numa sociedade moral e religiosa. Pergunto: a presença dessa relação entre cultura, moral e religião e as instituições jurídicas e econômicas da sociedade não é algo recorrente na história?

Olavo: Certamente que é. Mas Adams não está se referindo à relação em geral, à relação das instituições em geral com a religião e cultura em geral, mas à relação de um corpo de instituições em especial e uma cultura em especial. Isto quer dizer que uma constituição diferente ― uma ordem política diferente ― poderia servir para um povo completamente diferente, numa circunstância social diferente. Se analisarmos o caso da Rússia: a Rússia não teve ordem democrática por um único dia, porque o único regime democrático que eles tiveram estava em plena revolução e o regime logo foi derrubado. Então, eles não têm experiência disso. Quer dizer: a ordem autocrática retorna, e retorna, e retorna na Rússia, independentemente do que se faça.

Esta semana eu assisti a um documentário que se chama "The Putin System": o sistema que o Vladimir Putin está criando na Rússia. Está criando um sistema meio stalinista e meio tzarista. Eu estou esperando a hora em que o Putin vai se declarar o tzar. E conforme eu observei no debate com o prof. Duguin, a necessidade do tzar é inerente à própria religião ortodoxa, cuja cabeça é o tzar. Então, se não existe um tzar, o governante que exista vai acabar sendo, de algum modo, o chefe da religião, porque não há outro chefe. Quer dizer: a religião estatal culmina na pessoa do líder, seja ele o tzar, ou Stalin, ou Vladimir Putin. Isto quer dizer que aquele corpo de instituições autocráticas que o Putin está criando serve para os russos. Os russos estão aprovando. Eles gostam daquilo.

Nós, vendo de fora, achamos que é altamente prejudicial, porque tem um monte de gente na cadeia por delito de opinião, porque não se tem liberdade de expressão etc. etc. Mas o que significa liberdade de expressão para quem jamais a teve? Para quem se acostumou a que as ideias pessoais autênticas têm de ser sussurradas, em vez de publicadas? Os escritores russos já sabem que, terminou de escrever o livro, tem de copiar em inglês e mandar publicar em Nova Iorque. Todos eles já estão acostumados com isso. Sempre foi assim. Eu não digo que isso seja bom, mas eu não seria capaz de propor outra ordem para a Rússia. A única coisa que eu posso fazer é dar graças a Deus de estar aqui e não na Rússia. Aquilo não convém para mim, mas para os russos parece combinar.

Se se procurar as instituições religiosas dominantes, ver-se-á que são as instituições religiosas que geram os sentimentos dominantes. Os sentimentos, os sonhos, as expectativas, a tal ponto que se chega naquela etapa que Northrop Frye mostra que toda a ficção ocidental sai de dentro da Bíblia. Veja a força de inspiração da mensagem religiosa: ela molda o imaginário das pessoas durante séculos e séculos, inclusive daqueles que estão fora da religião. Se o sujeito é um ateu ― eu sempre disse isso: o ateísmo do sujeito depende de qual é sua religião de origem. Aquele que nega a religião está negando aquela religião na qual ele foi formado. Então existe o ateísmo cristão, o ateísmo judaico, o ateísmo mulçumano e assim por diante. Ninguém pode escapar disso aí. Você pode criar outras ideias, mas o seu imaginário de base é criado pela cultura. E cultura é religião; não é nada mais do que religião.

Veja, por exemplo, a ideia que atualmente está muito disseminada de se criar uma suprarreligião universal. Esta ideia aparece com Hugo Grotius, famoso teórico do Direito, onde ele diz que se nós estudássemos todas as instituições mundiais e chegássemos a uma compreensão profunda delas, nós poderíamos, por abstração, deduzir uma série de princípios que são universalmente aceitos, e com isso se criaria um código moral universal. Ele só se esqueceu de dizer que isso é o contrário da matemática: é uma espécie de mínimo divisor comum. Quer dizer: as várias religiões vão coincidir em pontos que não são substanciais, porque são de uma obviedade tremenda. É o negócio da "unidade transcendente das religiões".

A "unidade transcendente das religiões" consiste numa série de princípios metafísicos que são os mesmos em todas as religiões. Mas, como é que de um princípio metafísico vai-se deduzir valores, símbolos, códigos de conduta, organização da sociedade etc.? Não pode. Realmente não pode deduzir. Por quê? Justamente porque se esses princípios são comuns a todas as religiões do mundo, [1:20] isto quer dizer que se pode tirar delas uma religião como pode tirar outra. Então, quer dizer que todas as diferenças substantivas são aí escamoteadas. E a "unidade transcendente das religiões", como é uma doutrina metafísica, pode criar uma religião para seres metafísicos, mas não para seres historicamente existentes. Por um lado, a teoria da "unidade transcendente das religiões" é a obviedade das obviedades: eu acho que ela está inteiramente certa em tudo o que ela diz, só que, qual é o significado religioso dela? Nenhum! Apenas, a tese consiste em dizer que a estrutura básica da realidade ― a estrutura mais geral e abrangente da realidade, tal como aparece nas várias religiões ― é a mesma. Como, aliás, é a mesma nas grandes filosofias.

Só que se trata de princípios tão gerais e tão abrangentes que eles não significam nada, na prática. É a mesma coisa que dizer que dois mais dois são quatro: o mundo inteiro está de acordo que dois mais dois são quatro. O que nós podemos deduzir daí para a prática diária? Santo Tomás de Aquino já dizia que o grande problema é este: conhecer os princípios é fácil, mas como é que se vai saber qual é a relação entre o princípio e a situação concreta que se está vivendo? O que as religiões fazem é dar uma orientação quanto à situação concreta e quanto à conduta na vida, de modo que se alcancem tais ou quais resultados espirituais. E como do mesmo corpo de princípios se podem deduzir várias doutrinas religiosas opostas e antagônicas entre si, então, ante a teoria da "unidade transcendente das religiões", nós temos de dizer aquilo que dizia Erza Pound quando mostravam um poema para ele: "Molto bello ma non funziona".

Aluno: Logo no início do curso, o senhor nos indicou três leituras para auxiliar no entendimento de quão importante é sempre estarmos atentos à realidade concreta que nos rodeia. Entre essas leituras estava O Feijão e o Sonho de Orígenes Lessa. Por gostar muito do livro, continuei a ler este autor. Preciso confessar que não gostei tanto dos outros romances (...)

Olavo: Eu tive a mesma impressão. A única coisa dele que eu realmente gostei foi esse livro O Feijão e o Sonho.

Aluno: (...) Em um dos seus livros, numa breve biografia que traz, encontrei uma referência ao escritor Coelho Neto como sendo o príncipe dos escritores brasileiros da época. Fiquei curioso e, investigando, vi que de tudo o que ele escreveu ― e parece ser muita coisa ― quase nada é encontrado hoje em dia, parecendo inclusive que houve certo esforço para apagá-lo da memória literária brasileira. Acredito ser este mais um exemplo do tipo de emburrecimento brasileiro: agarrar-se ao modernismo como se só ele existisse, escondendo os grandes autores como, por exemplo, ao que parece, o autor do maior livro de ficção cientifica brasileira, Esfinge, e que apelidou a cidade do Rio de Janeiro como Cidade Maravilhosa. O senhor já leu Coelho Neto? O que poderia nos dizer a respeito?

Olavo: Eu li um único romance do Coelho Neto que se chama Turbilhão, que eu acho uma verdadeira maravilha. E houve o projeto de lançamento da obra completa dele pela Editora Aguilar ― naquelas edições de mil e duzentas páginas ― Mas saiu só o primeiro volume; o resto não saiu. Este primeiro volume, no entanto, tem material suficiente para você perceber que é um grande escritor e que foi boicotado pelo Modernismo por um único motivo: ele sabia português e eles não. Era um sujeito que tinha um vocabulário semelhante ao que tem Dickens: vocabulário riquíssimo. Eu leio muita coisa em inglês: é mais fácil ler Shakespeare em inglês do que ler Dickens, tão rico é o vocabulário dele. Nunca ninguém reclamou de Dickens por causa do vocabulário.

Agora, no Brasil, reclamam do Coelho Neto porque ele tinha um vocabulário extenso. É culpa dele que você não conheça as palavras que ele está escrevendo? A sua ignorância é culpa dele? "_Ah, eu tenho de ler com o dicionário." Precisamente! Se for para ler só o que você já sabe, para que você vai ler? Aqui nos EUA, por exemplo, existe um programa ― que eu até comprei para aprimorar o meu inglês, logo que eu cheguei ― que se chama Verbal Advantage, que é formação de vocabulário. E, por incrível que pareça, as palavras todas que havia lá eu já conhecia quase todas porque eram as palavras de origem latina, que a população não conhece e que para eles representa a linguagem cultíssima. Então, você que vem de um país latino, já trás consigo essa verbal advantage. Quer dizer: você conhece as palavras eruditas. O que você não sabe é dizer feijão, arroz, sanduiche, essas coisas todas, mas os termos filosóficos e jurídicos você já conhece.

O Coelho Neto escrevia maravilhosamente bem, tinha uma imaginação romanesca das mais sensíveis e foi realmente boicotado por esse bando de analfabetos do Modernismo. O que sobrou do Modernismo? Como é que você vai reclamar, por exemplo, do vocabulário do Coelho Neto, se você não consegue ler Macunaíma pelas mesmas razões? Então, é apenas a escolha por certo tipo de vocabulário: o Coelho Neto usava todo o vocabulário da língua portuguesa e o Mário de Andrade decidiu usar só uma parte.

De qualquer modo, tente ler Turbilhão, por exemplo. É muito mais legível, apesar da riqueza vocabular. Porque o escritor que sabe usar as palavras, quando ele coloca uma palavra desconhecida, na maior parte das vezes você entende. Se você tiver treino naquela língua, você entende o sentido da palavra porque o contexto já sugere. Ou seja: lendo aquele autor, você aumenta o seu vocabulário sem precisar consultar o dicionário. Você pode consultar só para verificar. Leia e verifique se não é muito mais interessante você ler o Turbilhão do que você ler Macunaíma, ou ler aquelas porcarias do Oswald de Andrade.

Aqui tem uma longa mensagem de um aluno, dizendo que ele conhece um excelente instrutor de artes marciais que enxerga todas as artes marciais orientais dentro de uma metafísica e de uma antropologia cristã. E ele sugere a realização de um retiro para treinamento com artes márcias entremeado com conferências da minha parte em algum hotel-fazenda durante três dias. Eu acho a ideia muito boa. Porém, não é necessário hotel-fazenda nenhum, porque nós temos aquela maravilhosa oferta do Euclides Oliveira, que oferece a sua fazenda para receber lá os alunos do Seminário. Então eu sugeriria, Guilherme, que você entrasse em contato com o Euclides. Você, por favor, mande um e-mail para olavo@olavodecarvalho.org me cobrando isso, e eu colocarei você em contato com o Euclides. O Euclides fez aquela oferta que até hoje eu não sabia como operacionalizar, e esta aí uma oportunidade. Não sei se vai dar certo, mas espero que sim. Muito obrigado pela sugestão.

Aluno: Comecei o curso há pouco tempo e assisti até a aula 25. Devo agradecer a Deus pela oportunidade de participar. Obrigada também, professor, pelas aulas que têm despertado novos conhecimentos. No curso, o professor tem insistindo na necessidade de desenvolver uma carreira intelectual independente da academia brasileira, da universidade pública, de modo a não estar submetido a pressões de aprovação grupal, a necessidades de submissão etc. Pergunto: e no caso das pessoas que já estão inseridas na academia, pessoas que já estão fazendo doutorado ou que são ou estão prestes a ser professor universitário? Que conselhos você daria a essas pessoas, de modo que possam realizar uma atividade intelectual mais independente? No meu caso, eu sou de uma área que é oficialmente considerada como parte das ciências humanas na burocracia universitária, mas que está muito longe do estereótipo das ciências sociais da faculdade de filosofia, ciências e letras das Marilenas Chauís, Marcos Bagnos e companhia. Trabalho especificamente com lingüística formal, que tem uma relação maior com a matemática, a lógica e até com a biologia. Nessa área, o que percebo é uma rejeição muda das pessoas às visões relativistas, desconstrucionistas, marxistas etc. sobre a linguagem e a realidade. E uma rejeição também à falta de rigor que impera nesses tipos de trabalho. No entanto, é uma rejeição muda no sentido de que é apenas uma falta de simpatia que se expressa pelo desinteresse por essas questões, ao invés de um questionamento, e por interesse por questões mais técnicas sobre estrutura lingüística.

Olavo: Isso é muito comum na universidade brasileira: que as mentalidades melhores, as mentes melhores, mais capacitadas, fiquem enojadas com esse besteirol que está aí; então elas se concentram nas partes mais puramente técnicas para não ter de entrar num confronto direto com essas coisas. Às vezes, não por medo do confronto, mas por preguiça de ler essas coisas. Afinal de contas, a bibliografia desconstrucionista, marxista etc., brasileira, é praticamente infinita: eles publicam livros todos os dias. [1:30] E você, para discutir com os caras, tem de acompanhar o que eles estão fazendo. E você percebe que isso é uma imensa perda de tempo; então você se recolhe. Mas isso faz parte da espiral do silêncio. Quer dizer: falar o tempo todo, de modo, ou a manter o outro ocupado seguindo você o tempo todo, ou então fazer com que o sujeito se desinteresse e fique quieto. Não se pode cair nesse engodo. O exame crítico da produção universitária é absolutamente necessário.

Eu só sugeri que meus alunos se mantivessem afastados disso durante algum tempo ― o tempo da sua formação ― para quando voltassem a pegar essas coisas, estivessem mais preparados e já imunizados contra o besteirol. Mas, manter-se à margem e não se interessar é uma espécie de falsa superioridade: você vai deixar que eles ocupem o espaço todo, pelo simples fato de que você se sente aviltado ou ludibriado quando entra no meio deles. Pode ter certeza de que eles calcularam isso. Quando se observa os recursos usuais de propaganda usados por esse pessoal no meio intelectual, vê-se que a baixeza das propostas e ideias deles, às vezes, é premeditada. É já com o propósito de afastar as pessoas: você entra, vê que está fedendo, você vai embora. É como quando você entra num quarto de hotel: você vê que está fedendo, e você fala: "Isso aqui não é meu mesmo; eu só vou ficar um dia, amanhã eu vou embora", então deixa como está: você nunca limpa. Isto é um dos mecanismos fundamentais da espiral do silêncio.

Aliás, eu escrevi um artigo sobre isso. Se você quer atacar uma pessoa, você vai dizer a ela as coisas que são propositadamente mentirosas e propositadamente absurdas. Porque o sujeito vai ler aquilo e dizer: como é que eu vou me defender desse besteirol, dessa besteira, dessa estupidez? Vai me dar um trabalho maluco só para eu provar uma coisa que quem me conhece já sabe. É a mesma situação de Sócrates. Os alunos dele, os estudantes dele, sabiam da verdade, mas o resto não sabia. Então, a mentira acaba vigorando por ser majoritária e por sair de muitas bocas ao mesmo tempo.

Eu não tenho uma fórmula infalível para lidar com essas coisas, mas acredito que a relação que se estabelece aí é mais ou menos como a relação entre um leão e um monte de hienas: as hienas vêm em bando e fazem um barulho desgraçado e eu acho que mesmo o mais vigoroso dos leões tem a tentação de ir embora: "Para que eu vou ficar matando esses bichos um por um, se eles não servem nem para comer? Eu vou perder o meu tempo. Quer saber? Eu vou dar no pé. Eu prefiro passar por covarde a ficar enfrentando essas coisas uma a uma". Uma vez eu vi um documentário em que havia duas leoas e um bando infinito de hienas. Era só hiena que voava para tudo quanto é lado! Chegava uma hora que as leoas falavam: "Não aguento mais, vamos embora, vamos dar no pé, vamos sair dessa coisa aqui".

Imagina você ser atacado por um bando de sujeitos fracos, mas que não tomam banho há três anos. Cada vez que você dá uma pancada num, você fica enojado com você mesmo. Então você acaba dizendo que é melhor fugir. Não por covardia, não por medo, mas por uma questão de não perder o seu precioso tempo; não querer se sujar com essa coisa. Porém, isso não funciona. O que você tem é de atacar essas pessoas com uma violência tamanha que elas fujam. Você tem de demonstrar que não tem medo nenhum! Você tem de mostrar a sua superioridade logo, e mandar calar a boca. Se você aceita, por exemplo, "ah, queremos um debate democrático; um debate de ideias etc.", daí você entra no problema das leoas: você vai ter de ficar batendo nas hienas, uma por uma, e vai gastar um tempo precioso. É o método português de matar baratas jogando naftalina em cada uma. Você tem de fazer uma espécie de spray: você já tem de entrar rosnando, mandando todo mundo calar a boca, e apostando na covardia dessas pessoas. Esta aposta é infalível!

Eu acho que Sócrates se saiu mal no seu julgamento porque ele não foi suficientemente agressivo. Se ele tivesse entrado já acusando os acusadores com muita força, eles recuariam. Mas ele não fez isso. Ele tentou argumentar e tal. Mas ele também já estava velho e já tinha aceitado a ideia de morrer: "ficar conversando com esses caras aqui? É melhor morrer, porque eu vou para um mundo melhor. Então, para que eu vou me defender muito? Deixa! Eles que me matem!". Ele mesmo disse: "vai ser vantagem para mim: eu vou sair ganhando nessa coisa, porque eu vou embora dessa porcaria, e vocês ficam".

Se você não tem nada mais a defender a não ser você mesmo, às vezes é vantajoso deixar que eles acabem com você. Mas, pensa assim: você não tem família? Você não tem filhos, netos? Sócrates não tinha, era só ele mesmo. Mas se você tem outros sobre os quais você é responsável, você é obrigado a defender a sua posição. Não só a defender: você é obrigado a vencer. E note bem: humilhar essas pessoas em público não é fazer um mal para elas, não é uma coisa de violência, de maldade, de malícia. Não! É curativo. Porque a ilusão na qual essas pessoas vivem é uma ilusão autolisonjeira; é uma ilusão vaidosa que lhes faz mal; que faz com que elas se afastem do seu próprio coração e deixem de ser gente. Eles se transformam em cascas de gente; em puras máscaras que não sentem mais a situação; não têm mais sensibilidade para nada. Só tem hipersensibilidade vaidosa. Mas sensibilidade à verdade, sensibilidade à cobrança moral, não tem mais nenhuma.

Então, humilhar o cara é devolver a ele o mundo dos sentimentos reais: ele vai sentir a humilhação, e a humilhação é exatamente o que está acontecendo. Então, durante aquele momento, ele tem um vislumbre da realidade. A partir desse vislumbre da realidade, aí talvez seja até possível começar a argumentar com ele. Mas não discuta com esses camaradas sem ter feito, primeiro, a humilhação curativa. E não é nem questão de discutir! É falar: "Olha aqui, vou demonstrar que você é uma besta quadrada; você não sabe nada; você fica quieto e escuta o que eu vou lhe dizer. Discutir comigo você não pode discutir, mas pode aprender alguma coisa se ficar quietinho". É assim que tem de ser. Você tem de exercer uma autoridade proporcional ao seu conhecimento. Isto não é vaidade: isto é uma obra de caridade.

As pessoas que me conhecem sabem que, para tratar com as pessoas, eu sou o sujeito mais humilde do mundo. Se vier um mendigo falar comigo, eu digo: "Sim, senhor". Agora, com essas pessoas você não pode ser assim, você não pode ser polido, cordato, de jeito nenhum! Porque você as está ajudando a se consumirem cada vez mais no seu vício. Você tem de cortar logo a palhaçada. Se uma pessoa vem com fingimento para cima de você, você vai entrar no fingimento?

Uma característica dessas pessoas mentirosas e maliciosas é que, tão logo você dá um aperto nelas, elas se sentem vítimas e começam a chorar. Então a primeira casca que você tem de arrancar é a casca de prepotência e arrogância. Não existe, porque só tem fraqueza por trás. Na hora em que você tira, aparece o outro lado, o lado coitadinho. Daí você tem de tirar o lado coitadinho e mostrar: "você não é coitadinho; você é mau; você não presta". E algumas pessoas vão dizer para você: "Eu sei que eu não presto, mas eu gosto de ser assim". Então esta não tem mais cura; então esta você manda embora mesmo. Mas tem alguns que podem ser tocados no seu coração por essa coisa, então esses são conversíveis, por assim dizer. Então é isso que você tem de fazer, não tem outra solução.

Como você está em minoria, o segredo é ser mais forte do que a maioria. Para ser mais forte, basta uma coisa: basta você não estar disputando as vantagens que eles estão disputando. Tirá-lo do emprego eles não vão. O que eles vão fazer? Vão cortar as suas promoções. Então você entra na universidade e fala: "Não quero promoção jamais; eu não quero carreira; eu quero continuar fazendo exatamente o que eu estou fazendo; eu estou satisfeito aqui no lugar que ocupo; eu sou o último professor dessa coisa; jamais serei chefe de departamento; jamais serei reitor de coisa nenhuma, e está ótimo assim. Eu não quero. Isso é para vocês". Se você fizer isso, você renuncia àquilo que eles estão disputando, e eles não têm mais onde o alcançar. Se eles começarem a falar mal de você, diga assim: [1:40] "A última coisa que eu quero na minha vida é a sua amizade. Por favor, não me castigue com a sua amizade. Seja meu inimigo. Fale mal de mim porque daí eu estou satisfeito. Agora, se você vier me oferecer a sua amizade, você vai me enfraquecer porque você vai me colocar numa posição falsa; eu vou ter de fingir, e então eu vou ficar tão fraco quanto você. Então, eu não quero a sua amizade". Alguém disse: "Não quero a sua amizade e não temo a sua inimizade, ponto final!" Em suma, o conselho é muito simples: seja homem. Porque não tem nenhum ali, só tem boiola, então você está sempre na vantagem.

Aluno: Lembrei-me, com a explicação de hoje sobre Platão, da aula em que o senhor, falando de Suhrawardi (Suhrawardi é um filósofo iraniano), dizia que devíamos ter sempre em conta o conselho dele de que os ensinamentos dos antigos não estão abertos à refutação, pois são simbólicos.

Olavo: Todo o conhecimento humano é simbólico. Se você pegar só os testemunhos dos vivos, só poderá enxergar um mundo recortado de acordo com a dimensão de uma vida humana ― que dura setenta ou oitenta anos ―, e onde toda a percepção é intermitente, onde a memória falha, e onde a burrice campeia solta. Porém, existe o testemunho dos mortos. Em qualquer tribo de índio, se você perguntar para o índio o que é a humanidade, ele vai dizer que a humanidade é o conjunto dos seres humanos mortos e vivos. Quer dizer: os mortos estão aí; fazem parte da comunidade. Agora, no mundo moderno, nós temos a impressão de que a humanidade é somente aqueles que estão vivos no momento, e daí a tendência de esquecer rapidamente o que foi ontem. Quer dizer: a duração da memória humana vai ficando cada vez mais curta e ao mesmo tempo todo mundo tem a impressão de que está chegando ao cume do conhecimento.

Agora, se nós reintroduzirmos na nossa visão das coisas o testemunho dos mortos ― e estes testemunhos são abundantes ― nós começaremos a ver as coisas numa outra dimensão, e entendemos. Se ― como dizia São Paulo Apóstolo ― nós vemos as coisas como num espelho, obscuramente, mas que então veremos face a face, esta é a visão da verdade, e essa verdade jamais toma a forma de uma teoria, mas a visão translúcida de uma presença. A verdade aparece para você como presença. E se todos nós estamos destinados a ter isto, então para que tanto esforço para chegar a uma teoria geral de tudo, se a teoria vai falhar necessariamente? Não se pode fazer uma teoria geral de tudo que feche a visão da realidade de uma vez por todas, mas podem-se produzir símbolos que deem força às outras inteligências, para que elas continuem buscando a verdade final que elas só vão encontrar depois da morte.

Então é isso aí. Até a semana que vem. Muito obrigado. [1:43:34]

Transcrição: Jussara Reis de Abreu.

Revisão: Eduardo Garcia de Queiroz.