Skip to content

Latest commit

 

History

History
332 lines (168 loc) · 118 KB

COF099.md

File metadata and controls

332 lines (168 loc) · 118 KB

Curso Online de Filosofia

Olavo de Carvalho

Aula 99

26 de março de 2011

Boa noite a todos. Sejam bem-vindos.

Na seqüência de leituras que eu havia pedido a vocês, vamos fazer uma pequena modificação: ao invés vez de começarmos direto pela República, vamos começar pela Apologia de Sócrates e (foi uma sugestão de um aluno do curso, o Pedro e achei muito boa), logo em seguida, nós iremos ler o Fédon, que é o complemento natural da Apologia. Estes dois textos dão uma idéia bastante completa do que é a imagem do filósofo, para Platão, e o que é aquilo que chamo de "Projeto Socrático". Eu o chamei de "projeto" porque, em todo o conjunto dos Diálogos em que Sócrates aparece, ele nunca se apresenta como o portador de uma doutrina. Todo seu esforço é o de investigação e de interrogação que sempre termina com uma dúvida. Inclusive no próprio Fédon e na Apologia, vocês verão que Sócrates, mesmo diante da própria morte, sabe que está indo pra um imenso ponto de interrogação embora acredite firmemente na imortalidade da alma. Este esforço de interrogação constante, tal como Sócrates o apresenta, está obviamente destinado a ser continuado pelos seus ouvintes. Ele não se apresenta como um pregador de uma doutrina pronta, mas como o inaugurador de um esforço destinado a prosseguir por um prazo indeterminado.

Nós ainda vivemos este esforço, ainda estamos dentro do "Projeto Socrático" e, tal como expliquei no curso sobre a *História Essencial da Filosofia (*que foi dado três vezes, em três versões diferentes), não é possível contar a história da filosofia exceto sob a forma de um projeto cuja a consecução ainda prossegue.

Esta atitude interrogativa não só é própria do filósofo como é o que define o filósofo. Mas ela tem uma importância antropológica, porque expressa, de algum modo, a própria condição humana, que Platão situa entre o anjo e o animal: o ser humano não tem o saber direto e definitivo como os anjos, nem é um total ignorante como os animais ---- então vive numa perpétua tensão entre conhecimento e ignorância.

Tal tensão é tão importante a ponto de a ignorância fazer parte da própria estrutura do conhecimento. A cada instante há de se ter consciência das zonas de ignorância que precisariam se preencher para responder à interrogação. Eis o próprio elemento fundante do conhecimento: aquilo que chamo de mapa da ignorância ---- ser capaz de delinear o que se precisaria saber para entender aquilo que se quer entender. Não é um elemento externo ao conhecimento mas, ao contrário, isto é o próprio fundamento do conhecimento. O conhecimento é uma resposta a uma pergunta. A pergunta é a expressão de uma ignorância que não se aceita completamente como tal, embora sabendo que não possa ser vencida de modo definitivo.

Na aula anterior introduzi um tema, que no caso é bastante pertinente, de que a estrutura última da realidade, o mistério do ser, não se elucida sob a forma de uma série de enunciados, isto é, isto a que chamamos de uma doutrina: uma série de proposições sobre a estrutura da realidade. Ela jamas pode ser, por si, uma resposta definitiva. Por quê? Se nós nos perguntarmos sobre o que vamos encontrar depois da morte, notaremos que o acesso à dimensão de Eternidade é por si mesmo, evidentemente, a resposta. Mas qual é a forma que toma esta resposta?

Se vocês lerem absolutamente tudo o que se publicou desde o começo dos tempos sobre a experiência da vida Eterna, tanto contada por santos e profetas quanto pelo próprio Nosso Senhor Jesus Cristo, quanto por estas pessoas que viveram a experiência de estado de morte clínica, vocês verão que nenhuma teve o encontro com a Verdade sob a forma de um enunciado em nenhum caso sequer! E no entanto, todos os que tiveram esta experiência têm a certeza de estarem finalmente contemplando a realidade como tal, e não mais vendo as coisas através deste véu, desta penumbra, que nos cerca nesta vida. Quer dizer que passa-se de um estado de lusco-fusco, que já não é treva completa, para um estado de claridade. Aquele menino, Colton Burpo1, um menino de quatro anos que esteve em estado de morte clínica e voltou contando coisas do arco-da-velha, um dos detalhes que ele contou era que lá não há noite, é sempre claro. É realmente uma passagem do lusco-fusco para a luz permanente, a Luz Eterna.

Isso não quer dizer que se saiba tudo. Porque para saber tudo de uma vez e simultaneamente seria preciso ser capaz de abarcar a dimensão inteira da eternidade, o que não é possível ---- aí seria transformar-se em Deus e isto não está prometido para ninguém. E nenhuma pessoa que teve esta experiência conta que se transformou em Deus. Nenhuma disse que quando estava lá era o próprio Nosso Senhor Jesus Cristo, não há nenhum caso. As pessoas se encontram com Jesus Cristo, com Deus Pai e com Deus Espírito Santo. Quando perguntaram para o Colton Burpo como era Deus Espírito Santo, disse: "Ele é Azul". Pensou e pensou, espremeu e espremeu para dizer o que era e disse que Ele é azul.

Estas presenças com as quais nos defrontamos na Vida Eterna são a resposta final, evidentemente, mas estas respostas não tomam a forma de um enunciado e sim de presenças humanas numa vivência que ainda têm uma estrutura narrativa. Com a diferença de que é uma narrativa muito mais acelerada do que nós podemos imaginar, porque o Colton Burpo esteve em estado de morte clínica por três minutos. Ele contou coisas e mais coisas, perguntaram a ele quanto tempo se passou e ele disse: "Três minutos". Isso quer dizer que existe uma aceleração ---- o acontecer não está preso ao nosso limite de temporalidade terrestre. Aqui as coisas tem um limite de velocidade, máximo e mínimo em que podem acontecer. Um máximo além do qual os acontecimentos não podem ser acompanhados, e um mínimo no qual não se pode dizer que eles estão acontecendo. Qualquer processo, mudança ou transformação que se estendesse, digamos, por três trilhões de anos, não seria percebido por ninguém, não seria propriamente um acontecer. Então estes limites máximos e mínimos do acontecer, não existem no plano da eternidade. Mas a coisa ainda tem uma estrutura narrativa exatamente como a nossa vida tem aqui. Isto significa muito claramente que a descoberta da realidade final não tem a estrutura de uma experiência intelectual, mas de uma experiência vivencial, uma experiência que diríamos biográfica ou narrativa, que tem uma translucidez satisfatória e que traz em si, no próprio tecido do acontecer, a razão suficiente pela qual acontece. Ou seja, é um acontecer que já não provoca perplexidade, que mostra evidentemente a sua razão de ser e mostra que não poderia ser de outra maneira. Então [00:10] esta, evidentemente, é a única resposta satisfatória que podemos obter. Qualquer resposta que tome a forma de uma doutrina só pode ser uma preparação temporária para a conquista desse outro tipo de explicação.

O que não quer dizer que saberemos tudo, mas temos nesta vida aqui algumas experiências que nos dão uma imagem da Eternidade. Por exemplo, a experiência do amor humano. Quando uma pessoa te ama, isto não quer dizer que você esteja entendendo tudo o que está acontecendo, mas o amor que a pessoa tem por você não pode ter uma explicação que esteja acima dela mesma. Se se disser que a pessoa te ama por causa de tal motivo, imediatamente a experiência do amor foi rebaixada a efeito de uma outra coisa que não é amor de maneira alguma. Se este amor pudesse ser totalmente explicado, ele estaria automaticamente anulado. Ele já não seria o centro da experiência, seria a periferia de um outro acontecimento qualquer. Isto quer dizer que o amor, de certo modo, é auto-explicado, o ódio não. Se alguém te odeia, surge a pergunta --- "Por que você me odeia?". Esta pergunta tem resposta, pode ser especulada. Mas "por que você me ama?", não tem sentido, pois o amor é aquele estado de satisfação existencial (e também intelectual) no qual a pergunta não faz mais sentido ---- a própria experiência é a resposta de si mesma.

Esta experiência que temos na Terra é um sinal do que seria a experiência cognitiva que teremos na vida Eterna. Um sinal longínquo, um sinal puramente analógico, mas suficientemente eloqüente para que possamos entender o que é um estado no qual (embora não possuindo as respostas em forma intelectual) a sua mente e a sua alma se considerem satisfeitas com o conhecimento que está à sua disposição, de certo modo, evidenciado na própria presença, na própria experiência. Ora, se é assim, significa que todo e qualquer esforço para encontrar uma resposta final sob a fórmula de uma doutrina é uma falsificação já em sua própria base. A não ser que esta doutrina se aceite como um sinal analógico, ou seja, como um símbolo preparatório e nada mais.

Se temos em nós a possibilidade da vida Eterna, significa que cada um de nós tem também a possibilidade do acesso ao conhecimento plenamente satisfatório da vida Divina. E se é assim, é justamente por isso que nós podemos entender as doutrinas. Mas tão logo queremos que a doutrina seja o quadro explicativo final dentro do qual está o acontecer, invertemos a coisa inteira e a doutrina se transforma, evidentemente, numa fantasia hipnótica e macabra, de certo modo. É por isso mesmo que na vida de Sócrates simplesmente não há uma conclusão doutrinal.

Toda e qualquer formulação doutrinal que se encontre sempre será menos completa do que a própria pessoa humana que está ouvindo a explicação. Se apresento aqui a doutrina metafísica completa, a explicação total do universo, esta explicação total é menos completa do que esta pessoa. Porque é uma pessoa real, tem existência, não é só ideias. Então as minhas idéias, ou as de Leibniz, de Platão, de Aristóteles, ou de quem quer que seja, são apenas um aspecto pequeno dentro de uma pessoa que sou Eu. Portanto, quando passo esta doutrina, ela também passa a ser uma parte de uma outra pessoa. E a explicação não está na doutrina, está na pessoa. A finalidade da doutrina é servir como um espelho no qual a pessoa se reconheça como unidade vivente, portadora do conhecimento potencial da Eternidade. E tão logo a doutrina cumpriu esta missão, está encerrado o seu serviço. Que mais ela pode fazer?

O começo da filosofia já nos mostra isto de uma maneira muito clara. À medida em que se passa por estas três etapas (Sócrates, Platão e Aristóteles), o modo de exposição da filosofia vai passando progressivamente do modo narrativo para o modo doutrinal. E à medida que passa para o modo doutrinal, qual é a parte mais importante da doutrina? São as perguntas que sobram! Se se estudar toda a metafísica de Aristóteles, há de se ver que a parte que ele consegue explicar está assentada numa espécie de "pilar" de perguntas irrespondidas. Já ressaltei a existência de um livro de Aristóteles que se chama Perguntas, que é a lista de milhares de perguntas irrespondidas. Estas perguntas formam o fundo sobre o qual o conhecimento adquire algum sentido. O conhecimento afirmativo exposto em modo doutrinal tem que estar autoconsciente de que é apenas um pontinho de luz cercado, não de trevas, mas de um lusco-fusco, isto é, de dúvidas, interrogações e, portanto, de possibilidades do conhecimento.

Se você estudaram o meu livro sobre a teoria dos quatros discursos, verão que da totalidade da experiência que o ser humano tem, uma parte se conserva na memória condensada em figuras, das quais, mais tarde, extrai-se o seu conteúdo substancial de modo a enunciar conceitos. Deste fundo imaginativo que se conserva na memória, uma parte pequena é objeto de questionamento e de escolha (quando se colocam as suas preferências, as suas atrações e repulsas), e isto é o domínio do discurso retórico. Da totalidade das coisas pelas quais podemos ter atração e repulsa, uma parte menor ainda se torna objeto de investigação dialética, ou seja, de discussão filosófica formal. E de tudo o que se torna discussão filosófica formal, uma parte pequeniníssima é objeto de uma certeza intelectual e pode ser, portanto, objeto de uma demonstração lógica. Quanto sobrou? Em primeiro lugar existe o mundo, o universo objetivo. Não se pode ter a experiência de tudo, então de todo o mundo que existe, uma parte pequenininha é o mundo de experiência. Deste mundo de experiência, há uma parte menorzinha que vira memória. Desta parte que está na memória uma parte pequenininha vira objeto de discussão e escolha; uma parte menorzinha se torna objeto de investigação filosófica e desta, uma parte ínfima se torna objeto de certeza doutrinal --- e o resto?

No resto, continua a tensão entre conhecimento e ignorância. Continua o mundo da interrogação, da zétesis, como dizem os gregos --- a busca. Esta é a própria estrutura da filosofia (Eric Voegelin a chama Zetética). Ela não tem por objeto enunciar conclusões doutrinais válidas a não ser na medida em que estas conclusões tenham, para a alma que as recebe, a função de um símbolo iluminador que abra para si uma espécie de antevisão da certeza final a qual, quando chegar, não chegará sob a forma de expressão doutrinal.

Isto aqui é uma coisa básica. E bastam estas observações, que são óbvias por si mesmas, que qualquer pessoa pode confirmar na sua própria experiência, para mostrar que há algo de errado em todo este ciclo cultural chamado modernidade. Este ciclo está terminando, [00:20] ou seja, a Era em que a chamada ciência experimental reinou soberana sobre todas as outras dimensões do conhecimento e na qual essa mesma ciência se colocava como modelo para todo o conhecimento possível, isto está acabando e acho que não chega a durar mais meio século. O processo de desmoralização está sendo muito rápido, sobretudo graças à investigação histórica. Podemos até dizer que toda a história da modernidade científica foi somente constituída de falsificações, de mitos, de lendas e de mentiras atrozes. Tudo isto está vindo à tona nas últimas décadas, com uma velocidade impressionante. Evidentemente, o prestígio destes grandes "deuses" da ciência moderna vai cair rapidamente e daqui a umas décadas parecerá ridículo que tenhamos olhado para eles em busca de uma resposta.

O que eu gostaria que vocês prestassem atenção durante a leitura destes dois textos é exatamente este momento inaugural em que a filosofia toma consciência de si mesma. Se vocês lerem os Pré-socráticos, verão que eles fazem uma série de perguntas, investigam em várias direções, porém todos com a ilusão de alcançarem uma resposta definitiva sobre a lei fundamental que rege o universo. Todos eles! Uns dizem que é um dos elementos, a água, ou o fogo; outros dizem que é o conflito, a guerra; outros dizem que é o ser absoluto, etc. Mas estão todos buscando uma resposta definitiva. E a filosofia toma consciência de si mesma no instante em que diz que não há uma resposta definitiva.

A resposta definitiva teria que abranger a totalidade da realidade, portanto, substituir-se a ela. Então não se pode encontrar o coração da realidade se se foge dela ao mesmo tempo e se refugia num arcabouço doutrinal, construído por si mesmo. A filosofia já começa com esta consciência e, onde quer que tenha perdido esta consciência ao longo do trajeto histórico, evidentemente traiu a si mesma, transformou-se em outra coisa, perdeu o rumo e entrou em alguma desconversa paralela.

O que vamos fazer aqui é o seguinte: vocês terão que voltar com estes livros lidos. Nós vamos dar o prazo de um mês. No fim deste período, quero que todos tenham lido a Apologia de Sócrates e o Fédon, de modo que possam acompanhar os meus comentários sabendo a que parte do texto eu estou me referindo. Claro, acompanhar o texto, dá para acompanhar até agora. Se eu fizer aqui uma exposição sobre a Apologia de Sócrates e o Fédon todo mundo vai entender, mas vão entender o que estou dizendo e não o objeto do qual estou falando. Este objeto é o texto da Apologia de Sócrates e do Fédon. Sugiro que leiam na tradução brasileira do Carlos Alberto Nunes. Se é para ler um texto em tradução, deve-se dar preferência à tradução que foi feita para o seu próprio idioma, senão terá de ser feita uma dupla tradução na cabeça. E evidentemente ocorre um desgaste, há uma perda de significado aí. E quando isso ocorre, eu sempre reparo nesta perda com tal intensidade, que sou incapaz de ler qualquer texto filosófico num língua estrangeira (principalmente se for uma tradução como, por exemplo, do grego para o inglês) sem estar automaticamente traduzindo aquilo para o português. Somente na língua que usamos como instrumento de expressão é que temos realmente domínio do estamos dizendo. Para que ter este trabalho duplo se alguém já teve este trabalho por nós?

Então vamos à tradução do Carlos Alberto Nunes que é uma tradução magistral, uma obra- prima. Não sei, atualmente, como está a facilidade ou a dificuldade de acesso a este texto no Brasil. Houve esta edição pela Universidade do Pará que, fora do Pará, só se podia comprar pelo Correio. E da última vez em que tentei comprar ainda tinha que preencher um formulário enorme do Banco do Brasil. É uma coisa incrível, pois aqui nos EUA, em dois minutos, é só entrar no BookFinder [www.bookfinder.com], ou na Amazon [www.amazon.com], encomendar o livro e ele chega na mão ---- livro publicado em qualquer parte do mundo: China, a Espanha, no raio que o parta. Agora, para comprar no Brasil um livro impresso no próprio, é preciso preencher uma guia de imposto, pagar não-sei-o-quê no Banco do Brasil, depois mandar a pelos Correios ---- é um Deus-nos-acuda. Eu espero que a coisa tenha melhorado, mas acho que não.

Ainda com referência a estas leituras, sempre surge o problema fundamental da busca da verdade. Todo mundo diz que quer a verdade --- ninguém diz que estuda filosofia para enganar-se a si próprio. Se o fizer, ainda assim estará dentro da busca da verdade porque estará confessando o seu próprio auto-engano. De certo modo, a busca da verdade orienta a todos nós, mas no meio dela surge aquela pergunta de Pôncio Pilatos: "O que é a Verdade? --- Quid est Veritas?" A coisa mais curiosa do mundo é que Pilatos, naquele momento, estivesse diante do Logos Encarnado, diante da própria Verdade. E neste mesmo momento em que ele está diante da Verdade, foge Dela e A transforma numa pergunta, numa investigação intelectual e verbal da verdade. Ou seja, quis substituir a Verdade efetiva, existencial, que estava diante dele, por uma verdade verbal que existisse no seu cérebro e que o acalmasse. Este episódio tem toda uma lição para os estudiosos de filosofia: quando dizem que se está buscando a verdade, têm certeza de que não estão exatamente fugindo dela? Se se busca a verdade como uma formulação verbal (com uma resposta verbalmente enunciável sob a forma de uma doutrina) de uma proposição, ou de um conjunto de proposições, provavelmente se estará fugindo da verdade no mesmo momento.

Porque, se vimos que a verdadeira experiência da verdade é uma experiência narrativa, então a busca efetiva da verdade só pode se dar sob forma narrativa. Prestem bem atenção: quando investiga-se o curso das coisas na natureza, e obtém-se uma lei científica, quem disse que esta lei científica é verdade sobre a natureza? Ela não a é de maneira alguma! Ela é apenas a resposta a uma pergunta que a pessoa mesma formulou, a respeito de um aspecto do conjunto da natureza que ela abstraiu, separou --- e criou uma espécie de constructo mental*.* E é sob este constructo mental que versa a verdade encontrada. Até que ponto isto pode estar distante do objeto primeiro a respeito do qual se fez a pergunta em si? Esta distancia é imensa.

Quem disse, por exemplo, que pode-se reconhecer a natureza na Lei de Newton, ou na Segunda Lei da Termodinâmica, ou na estrutura das partículas subatômicas? Leiam o livro do professor Wolfgang Smith [O Enigma Quântico, trad. Raphael de Paola, Vide Editorial -- 2011], e vocês verão que nada disso diz respeito à natureza. Diz respeito a uma outra faixa de realidade, da qual não temos experiência e à qual só chegamos mediante construções intelectuais. Até encontram-se sim respostas, mas não sobre o objeto do qual foi perguntado em outro lugar. [00:30] Construiu-se um outro objeto no meio do trajeto. Não que isto não tenha importância nenhuma, mas não é conhecimento daquela realidade que foi objeto da própria experiência. É conhecimento de uma outra realidade, cuja existência é antes virtual que real. A chamada *Materia Secunda (*da qual fala São Tomás de Aquino, e que é segundo o professor Wolfgang Smith o verdadeiro objeto da física) não tem propriamente uma existência real. Ela é também um lusco-fusco, ou uma espécie de intermediária entre o Ser e o não-ser. E é sobre isso que versa a física. Quando encontra-se a lei física, encontra-se sim uma resposta, mas não à pergunta feita, e sim a outras perguntas que surgem no caminho. Medir a distância de volta desde estas abstrações da ciência até o objeto originário é descobrir um espaço praticamente ilimitado.

A tendência da inteligência humana é refugiar-se em si mesma contra a complexidade de um objeto que a transcende infinitamente. Nos dois famosos livros de Wilhelm Worringer, Abstração e Empatia e Arte Gótica (sobre o estilo gótico), ele mostra que quanto mais uma tribo é pequena e isolada, mais ela tende a criar objetos de arte abstrata (artes geométricas), ou seja, cria objetos que não vê na natureza, mas que são criações da própria inteligência. E à medida em que a civilização progride e se cria um meio urbano defendido contra o ambiente da natureza, tão defendido que não se precisa pensar na presença da natureza na maior parte do tempo, aí sim se começa a criar uma arte naturalista, que imita a natureza. Volta-se a ter interesse pela natureza depois que se fugiu dela e depois que se sente protegido dela. Este movimento de refugiar-se da natureza, sair do mundo real da experiência e ir para dentro de um mundo de criações puramente intelectuais é uma tendência natural do ser humano. O impulso que a move não é mais a busca da verdade e, sim, o medo ---- não tem mais a ver com a busca da verdade.

Do mesmo modo, quando começamos a fazer perguntas filosóficas no tempo da nossa adolescência é exatamente a isto que estamos procurando: um refúgio intelectual contra a complexidade e o tamanho de uma realidade que nos abarca, e que não controlamos de maneira alguma. É isto o que os fulanos chamam de busca da verdade quando é exatamente o contrário. É a busca de um refúgio, portanto, a busca de uma segurança intelectual contra a complexidade do real. Só depois de se dedicar a esta atividade durante algum tempo é que se começa a sentir um pouco mais protegido, na medida mesmo que aceita-se o próprio estado de desproteção e não se busca mais proteção. Aí o sujeito se acalma e, um dia, descobre que existe algo chamado realidade. Não fui eu que a inventei, não é um objeto do meu pensamento. É uma coisa dentro da qual estou e ela é, sem dúvida, muito mais interessante do que qualquer coisa que eu tenha pensado.

O encontro com esta realidade é a marca da qual nós podemos chamar de maturidade intelectual. A maturidade intelectual é quando já não buscamos aquele esquema conceptual, doutrinal, ou aquela crença que vá nos defender contra a realidade, mas quando buscamos o ajuste da nossa inteligência ao quadro da realidade que estamos vivendo, ou seja, não queremos mais fugir da realidade. Queremos entrar nela e experienciá-la com toda a medida da sua complexidade, da sua riqueza, de tal modo que tenhamos certeza que as nossas ações da nossa modalidade de existência representem uma experiência consciente desta realidade a qual nunca vamos abarcar, nem dominar, mas na qual queremos ter a certeza de que estivemos, ou seja, queremos ter a certeza que estivemos acordado, vivendo na realidade que nos cerca e não dentro de um mundo de idéias que nós mesmos criamos para nos defender. Esta é a medida máxima que a inteligência humana pode alcançar: a participação consciente e lúcida numa realidade que ela não pode abarcar. Ou seja, não sabemos quais são os limites da realidade, qual é o quadro inteiro, nem a resposta final, mas sabemos onde estamos, o que estamos fazendo aqui e sabemos o que está acontecendo.

Foi justamente quando eu percebi isto (deve haver uns vinte anos) que comecei a prestar mais atenção aos acontecimentos e menos atenção às minhas idéias. Se vocês virem a imensidão de artigos de jornal que produzi analisando coisas que estavam acontecendo e (feliz ou infelizmente), acertando na maior parte dos casos a ponto de poder fazer previsões corretas, isto não foi porque perdi o interesse pelas perguntas filosóficas, mas porque, a meu modo de ver, a máxima pergunta filosófica que se poderia fazer era esta "O que é que está acontecendo?"

Ao invés de ser uma ocupação menor e desprezível em face das grandes perguntas genéricas filosóficas, a penetração no acontecimento concreto, na situação concreta e imediata era, na minha perspectiva, o máximo de desempenho possível da inteligência. Afinal de contas, as respostas às perguntas gerais são apenas uma questão de raciocínio, de construção mental, como uma construção geométrica. Mas a penetração no tecido do acontecer imediato e real é uma operação muito mais complexa, porque não dá para fazer só com o raciocínio. Implica raciocínio, percepção, memória, sentimento, vontade e, sobretudo, uma disposição permanente de aceitar a realidade do que está acontecendo.

Eu nunca esperei que os membros da chamada intelectualidade brasileira entendessem o que estou fazendo. Eles não entendem mesmo! Mas é inteiramente normal e isto faz parte da situação. Não nego que às vezes exista um certo prazer sádico da minha parte em olhar em volta e achar que todo este pessoal está dormindo, que está todo mundo bêbado e só eu estou entendendo o que está acontecendo. Muitas vezes eu tenho esta sensação, mesmo quando o acontecer é de natureza deprimente. Se nós estamos sufocados debaixo de problemas, se existe miséria, medo, perseguição e etc., é melhor sabermos o que está acontecendo do que ignorar. Porque senão, seremos como um coelhinho que está correndo no meio do mato e de repente leva um tiro e nem sabe daonde aquela porcaria veio.

A diferença entre sofrimento humano e sofrimento animal é esta. O bichinho sofre e não tem a menor idéia do porquê. E nós podemos (na medida em que podemos), dentro da própria experiência do sofrimento, tirar uma imagem da nossa dignidade, de seres que têm acesso à verdade. E isto é o máximo que podemos conseguir nesta vida. Quando Aristóteles dizia que a forma superior de vida é a forma contemplativa, era isto o que ele queria dizer. É entender o que está acontecendo. Se ao invés de procurar entender, busca-se apenas defender-se da situação, procurando o prazer e evitando a dor, faz-se exatamente o que um bichinho faz. Agora, se o bichinho também não entende a situação, é evidente que quando ele busca o prazer, encontra a dor e quando foge da dor, encontra mais dor ainda.

A atitude cognitiva perante isso [00:40] cria, não um estado de beatitude, mas uma espécie de tranqüilidade superior. E esta é a atitude com a qual Sócrates enfrenta a morte. Ele diz: "Eu não sei exatamente o que é a morte mas sei mais do que vocês. Tenho alguma idéia do que está se passando e do que me vai acontecer. E por isso mesmo é que não tenho medo". Isto aí é, ao mesmo tempo, o começo e a culminação da filosofia. A filosofia não pode passar além disso. E todas estas magníficas construções intelectuais que nós vemos na modernidade (a metafísica de Descartes, de Spinoza, de Leibniz, o Iluminismo, esta coisa toda), com freqüência, não passa de uma fuga, de uma atitude defensiva de indivíduos que querem construir um edifício intelectual dentro do qual possam se encerrar. É claro que a construção de todos estes aparatos, ao invés de acalmar o medo, o aumenta. Além de terem de enfrentar a pressão, as dificuldades, as humilhações da vida normal, esses indivíduos têm de segurar o edifício para impedir que ele caia tampando aquilo com durex aqui, uma cola ali, com um cuspe, para provar que têm razão, que aquela sua visão do universo deles é a verdadeira e todas as outras são falsas. Tudo isso é uma ocupação de idiotas porque, para onde vão quando morrerem? Vão para dentro daquele edifício conceptual que criaram? Não há um único caso de experiência de estado de morte clínica na qual as pessoas contem que morreram e foram para dentro da metafísica de Aristóteles ou de Spinoza. Ninguém foi para um destes lugares! Essas coisas só existiam na cabeça de Aristóteles e Spinoza, não são o mundo real e tampouco a resposta real.

Quando Platão diz que a filosofia é uma preparação para a morte, é disto que ele está falando. O que quer que possa ser obtido na construção doutrinal será sempre menor do que a alma do ouvinte. Porque a alma do ouvinte terá a Vida Eterna e estas construções intelectuais não! O máximo que o filosofo pode fazer é tentar dar aos seus ouvintes aqueles momentos de lucidez que são a expectativa da Vida Eterna. Lembrar a Vida Eterna é a função máxima do filósofo: entender a vida transitória, o momento que passa e a situação real em que se vive, e puxar a alma da consciência viva da situação para a recordação da esperança da Vida Eterna (que é mais que esperança, é certeza). Nisto consiste toda a filosofia, e isto está brutalmente compactado nestes dois textos que eu estou lhes recomendando: a Apologia de Sócrates e o Fédon. Por enquanto vocês estão entendendo isso na minha formulação, daqui a pouco vocês não só compreenderão dentro da formulação em que estão ouvindo, mas na formulação que lhes deu Platão nestes dois textos magníficos.

Muito bem, eu queria fazer aqui alguns comentários a respeito do debate que está em curso com o professor Duguin. Acho justo que os alunos do Seminário tenham acesso a algo mais do que aquilo que está aparecendo no site do próprio debate. É claro que lá vocês lêem as minhas comunicações e as do professor Duguin, mas aquilo que estou entregando ao público em geral através das comunicações no debate, evidentemente, não é tudo. Tenho a impressão de que os alunos deste Seminário podem acompanhar a coisa com uma perspectiva um pouco maior na medida em que têm um conhecimento mais completo dos meus trabalhos, dos meus ensinamentos e podem entender melhor o que estou fazendo. Nunca tive a menor ilusão de ser compreendido por mais ninguém a não ser pelos meus alunos. A minha atividade, mais que a de escritor, mais que a de jornalista etc., tem sido a de professor. O professor se dirige aos seus alunos. Mas como há um público externo, o mundo para mim, se divide assim: tem os meus alunos e tem os meus alunos potenciais. Os meus alunos são vocês e meus alunos potenciais são todo o restante da espécie humana, tão logo me façam essa amabilidade de prestar atenção ao que estou dizendo.

Dentre as reações que observei em volta do debate e que, evidentemente, não fazem parte dele e que não posso comentar dentro do mesmo (no debate me cabe responder ao professor Duguin e não aos outros), há, em primeiro lugar, o fato de que a quase totalidade dos observadores não têm a menor idéia do que é o meu trabalho filosófico, é a coisa mais incrível!Quando lê um filósofo, é bom o leitor suspeitar que suas próprias perguntas e dúvidas, o filósofo também teve e, provavelmente, já respondeu em algum lugar. Essa é a precaução mínima. E mesmo vasculhando a obra inteira do sujeito sem encontrar resposta àquilo, sempre pode-se conjeturá-la com base naquilo que sabe do que o filósofo pensou e deve supor que, se está tirando essas conclusões a partir do que ele escreveu, muito provavelmente ele as tirou também. Ou seja, ele sabia muito mais do que escreveu. Enquanto está nessas conjeturas, o leitor está circulando dentro do mundo intelectual do filósofo -- foi exatamente assim que descobri a Teoria dos Quatro Discursos. Eu vi que Aristóteles escreveu isto e mais isto sobre o discurso poético, retórico, dialético, etc. Para escrever isto, ele precisaria saber algo mais além disso ---- que algo mais é esse?

Os fundamentos que unificam as várias teorias do discurso de Aristóteles não estão expostos em parte alguma das obras dele. Porém, se não houvesse este fundamento, ele não poderia tirar as conseqüências. Portanto, o meu método foi perguntar o que Aristóteles precisaria saber a mais para dizer o que disse. Por exemplo, para um sujeito dizer que "a mulher do fulaninho é feia", precisa saber que o fulaninho é casado ---- ele não disse isto, mas está implícito. Na leitura de todos os filósofos, sempre usei este método: saber que o indivíduo sabe mais do que está dizendo e que este "saber a mais" está embutido ali e pode ser descompactado mediante um método de se investigar as premissas não-expressas das conclusões expressas. Não é uma coisa difícil, mas uma questão de simples lógica.

Vejo que a totalidade dos indivíduos que comentam as minhas opiniões nunca fazem essa conjetura. E não são pessoas primárias, não são analfabetos, nem frentistas de posto de gasolina, varredores de rua ou empregadas domésticas ---- são professores universitários, escritores. Então vemos aí a total inépcia desse pessoal. E o curioso é ver como medem a minha inteligência [00:50] pela deles: aquilo que não sabem, estão crentes de que eu também não saiba. Mas isto é o anti-método de leitura, nunca se lê assim. Não se pode ler um texto no sentido de enquadrar aquilo na medida mínima de compreensão e imaginar que o filósofo só saiba aquilo que o leitor sabe. Ora, se os autores que lidos só sabem aquilo que o leitor sabe, para que os está lendo? Só para confirmar aquilo que já pensa e para se convencer de que, além da própria esfera de conhecimento, nada mais existe? Que eu saiba, as pessoas estudam para saber aquilo que não sabiam, para ir além, para descobrir um algo a mais. Mas parece que essa classe legente no Brasil lê para o contrário, para provar que nada mais se pode saber além daquilo que sabem.

Outro dia, por exemplo, chegou-me uma observação (vou até citar o nome, não há por que ter dó de ninguém) do Professor Carlos Ramalhete (que é um pensador católico que vive ali em Petrópolis) que dizia: "Tanto o Duguin quanto o Olavo, como são guenonianos, não conseguem enxergar a ação da graça na história". Leiam direitinho o que escrevi e verão que toda a minha interpretação do estado de coisas parte de um fato: o milagre de Fátima. Ele é a chave que uso para interpretar tudo.

Notem bem que no milagre de Fátima, nós não recebemos uma doutrina. Este é um fato que anuncia outros fatos que se seguirão. Então eu os tomo como sendo altamente significativos, porque se anuncia-se com veracidade e precisão um fato no qual se prenuncia uma seqüência posterior de acontecimentos, ele é um fato da realidade como qualquer outro, mas com uma diferença: é translúcido, enquanto os outros são opacos. Ele diz onde está, qual é o seu lugar na seqüência e já enuncia o desenvolvimento posterior das coisas. Se tudo o que acontecesse fosse assim, se todos os fatos que nos acontecem já viessem com todas as suas conseqüências empacotadas e expressas, seria uma maravilha! Os acontecimentos de ordem translúcida são acontecimentos enviados por Deus, são acontecimentos proféticos -- e eles são a manifestação da Graça. Eu coloquei a presença da Graça no centro da interpretação! Qualquer pessoa que saiba ler entenderá isso. Mas acontece que o professor Carlos Ramalhete não resistiu à tentação de mostrar que, como católico, é mais santo que eu e que sou um herético guenoniano. É assim que se lê no Brasil. O Carlos Ramalhete não é nenhum imbecil, mas sucumbe à tentação de ser o gostosão intelectual.

O gostosão intelectual sempre tem de estar acima das outras pessoas. Quando encontra alguém que sabe mais, fica extremamente mordido e tem de provar que o outro só sabe aquilo que ele mesmo sabe e nada mais. Isso é exatamente a técnica do avestruz: se esconder e fazer de conta que não está vendo aquilo que vê perfeitamente bem. Resultado: ver cada vez menos e até uma porcaria de um texto que está na própria frente (um texto não é um fato; este pode ser opaco, mas o texo diz alguma coisa, consiste nisso) que diz algo, não se entende. Esse tipo de atitude é que está matando a cultura superior no Brasil. Se não tivermos o gosto de descobrir alguém que sabe mais, nunca aprenderemos nada a mais.

Na primeira vez que li Eric Voegelin aquilo era uma fascinação, porque a cada página o sujeito me contava algo que eu não sabia: fatos que eu não sabia, conexões que eu não havia percebido, autores que eu não tinha lido, idéias que eu nunca tive! Tenho perante esses camaradas uma atitude de gratidão e, portanto, de aprendizado. Mas, no Brasil, parece que é feio ter isso. Todo mundo já tem de ter a resposta final de tudo e não precisa aprender mais nada. Então, evidentemente, quando aparece alguém que está ensinando algo, as pessoas ficam ofendidíssimas. Esqueci-me agora quem disse isto: "o pior pecado aos olhos do mundo é tentar ensinar alguma coisa para ele, isso é imperdoável". Esta é a atitude realmente mundana.

Recebi inúmeros comentários favoráveis e desfavoráveis ao debate, mas não estou falando do fato de serem favoráveis ou desfavoráveis. Primeiro, se você quer ser desfavorável a alguma coisa que eu disse, pelo amor de Deus, entenda o que eu disse! Segundo, entenda que sou um treco chamado filósofo: o sujeito que busca desesperadamente a conexão: a) entre seus próprios pensamentos; b) entre os fatos da realidade; c) entre seus pensamentos e a realidade. Essa averiguação das conexões e da coerência entre uma coisa e outra é a ocupação do filósofo. Eu mesmo defini a filosofia como a busca da unidade do conhecimento na unidade da consciência e vice-versa -- e é isso o que estou fazendo o tempo todo! O que quer eu diga tem conexão com outras coisas que disse e, se eu mesmo não mostrei esta conexão, é obrigação do leitor buscá-la. Posso até ter visto uma conexão errada, ter inventado uma coisa que não existe (claro, isso é sempre possível) e pode haver outra conexão que não percebi. Mas, pelo amor de Deus, quem lê o que escrevo ao menos busque as conexões.

Neste caso a conexão entre a análise que estou fazendo do acontecer histórico e o fato miraculoso (a intervenção da Graça Divina que elucida tudo isso) é uma conexão muito evidente! Não foi mera questão de escolha o milagre de Fátima como fato explicativo; ele se impôs, pois certamente é o acontecimento mais majestoso da história humana desde o advento de Nosso Senhor Jesus Cristo. Quem quer que não perceba isso é um animal. E o milagre consiste numa abertura, numa ruptura na qual o acontecer deixa de ser opaco e revela a sua conexão interna, o seu sentido. Na hora em que Nossa Senhora diz: "Se não fizerem tal e tal coisa, acontecerão tais e tais outras" ---- está ali todo o nexo de causa e efeito! Quando as pessoas não se colocam do ponto de vista da Graça Divina, simplesmente não entendem o que está acontecendo, porque não há outra conexão a não ser Ela ---- esta é A conexão.

Uma das coisas que observei nas idéias do professor Duguin, e isto faz parte do comentário que colocarei no site, é o seguinte: ele, como um estudioso em geopolítica, acredita que os Estados, nações e impérios são os sujeitos agentes do processo histórico.

Essa questão de quem é o sujeito da história é uma questão da qual eu já havia tratado em meu curso muitos anos atrás, e a primeira coisa que eu disse [no debate] foi que Estados, nações e impérios não podem ser agentes jamais, porque são a cristalização geográfica ou geopolítica de ações humanas empreendidas por outros agentes que são mais duráveis do que eles. Isso para mim, é o princípio número um do método histórico. O grande filósofo Georg Jellinek, no livro Teoria Geral do Estado (que é uma obra prima) começa, já na página 1, "lalda 1" [1:00] , lição número um: "os fatos da ordem social humana dividem-se em dois tipos: aqueles que emanam de um plano e de uma deliberação e aqueles que são determinados por forças não controladas por deliberação alguma". Qual é o método que se deduz daí?

Existem dois princípios de racionalidade para se explicar os acontecimentos históricos. Os fatos que são determinados por uma vontade, por uma deliberação humana, são explicados pelo plano originário. Por exemplo, Lênin fez um plano para derrubar o governo social-democrata, que já havia derrubado o tzar, e tomar o poder na Rússia. Se você não sabe qual é o plano, não entende o que Lênin está fazendo e não entende o que aconteceu. Esse, então, é um exemplo de um plano formulado com muitos anos de antecedência, muito bem executado e que levou ao resultado pretendido. O que veio depois e se aquilo virou uma desgraça é outro problema, porque, como se diz, Lênin morreu e nada mais disse nem lhe foi perguntado. Então podemos tomar a Revolução Russa como um exemplo de acontecimento histórico cuja racionalidade está explicada, de antemão, no plano que orientou o curso dos acontecimentos e ao qual se deu prosseguimento ao longo de todos os percalços, adaptando-o à variação das circunstâncias e conseguindo-se contorná-las ou dominá-las de modo a que o resultado pretendido fosse alcançado, por mais confusa que fosse a situação e por mais imprevistos que acontecessem no caminho. Outro exemplo: o filósofo Alain [Émile Chartier], gostava de tomar como exemplo de ação a campanha que os americanos fizeram em Cuba para acabar com a febre amarela. Foi feito um plano que foi executado; havia, evidentemente, circunstâncias imprevistas as quais o plano absorvia e transcendia, refazendo-se até chegar ao objetivo final. Então acabou a febre amarela. Assim como esses, podemos tomar mil outros exemplos, como a extinção da inflação no Brasil. O país teve cinqüenta anos de inflação, então veio o Itamar Franco (um grande homem, um dos maiores presidentes que já tivemos) e, junto com o Fernando Henrique Cardoso, concebeu um plano e pronto, acabou a inflação. A racionalidade do que aconteceu, então, já está dada de antemão, e a intervenção de fatores imprevistos não anula isso, porque os imprevistos foram absorvidos e postos a serviço do próprio plano que alcançou o resultado pretendido.

Em outros casos, o resultado depende da fusão de mil seqüências de ação desconexas que se mesclam, se anulam, se transmutam e dão um resultado que ninguém pretendia. Nestes casos, a racionalidade do acontecer (se alguma existe) só pode ser encontrada a posteriori pelo historiador que recompõe as várias seqüências, vê como se misturaram e, como diz aquele conjunto de rock brasileiro, "aquilo deu nisso". Então, são duas formas de racionalidade completamente diferentes. A do primeiro caso é, se bem estudada e bem recomposta, líquida e certa: o sujeito disse o que ia fazer e fez, obtendo o resultado querido. A racionalidade do segundo caso é puramente conjectural, porque aí os elementos imprevistos são, digamos, o próprio conteúdo do acontecer ---- e a ordem, a conexão que eles formaram, também foi casual e não controlada, de modo que nunca se pode ter certeza quanto ao sentido dos acontecimentos. Tenho certeza quanto ao sentido do que Vladimir Ilitch Lênin fez para realizar a Revolução Russa, pois ele explicou o que ia fazer, como estava fazendo, como o plano teria de ser modificado no curso da ação e qual seria o resultado final -- já estava tudo explicado anteriormente. No segundo caso, o elemento imprevisto não é uma coisa externa, mas o próprio acontecer. Isso quer dizer que podemos ter certeza da linha racional das causas e efeitos no caso da ação planejada; no outro caso, não. Assim, é claro que a regra número um é jamais confundir os dois processos.

Nunca houve um único Estado, nação ou Império que resultasse da ação de uma única força. Há milhões de fatores por trás disso: a ação dos vários agentes, os fatores étnicos, geográficos, econômicos etc. e, no fim, aparece ali um negócio que se chama de Estado. Note bem que, às vezes, populações viveram em uma mesma região, tendo uma unidade étnica e cultural durante centenas de anos, sem ter Estado nenhum. Então, todo e qualquer Estado já é o resultado de um processo não-controlado. Não se pode dizer que a formação do Estado consiste apenas na última ação da seqüência, na qual vem um sujeito e diz: "Agora está aqui implantando o Estado tal." Não foi só isso o que criou o Estado. Um indivíduo ou um grupo podem, no final da seqüência, se aproveitar de um estado de coisas e fechar ali, então, um plano de constituir um Estado, mas não se pode dizer que essa foi a causa da existência do Estado. Os Estados, por si mesmos, já são resultados de processos dificilmente formuláveis. Se vocês forem escrever a história da origem de qualquer Estado, verão que sempre há várias teorias diferentes. Em segundo lugar, só podemos dizer que existe uma ação quando há uma unidade de propósitos, como no caso de Lênin. Ele formou um plano quando ainda era muito jovem e deu prosseguimento, a esse plano, imperturbavelmente, até o fim, até chegar a um resultado. Então se tem aí uma unidade, uma constância de propósitos e, por isso, pode-se dizer que há uma ação.

No entanto há coisas que acontecem mais ou menos a esmo: um sujeito sai para visitar a namorada. No meio do caminho, um cão raivoso o ataca. O sujeito sai correndo e pula um muro para se defender do cachorro. Dentro do muro, o dono da casa pensa que aquele o está assaltando e chama a polícia, ao que o sujeito vai preso. Ele telefona para o pai, diz que está na cadeia, o que faz com que o pai tenha um infarto e a mãe comece a chorar, e assim por diante.

Pode-se chamar isto de ação? Isto não é ação, é o contrário. É a categoria da paixão: o indivíduo não é um agente, mas um objeto passivo de acontecimentos que transcendem a sua margem de controle.

Só existe ação quando há unidade, constância e perseverança na busca dos objetivos. Mais ainda: para dizer que uma ação é histórica, é absolutamente necessário que os seus efeitos prossigam para além da vida do sujeito individual agente. Tudo aquilo que o agente levou com ele mesmo para o túmulo não deixou marcas na história. Então, por definição, só há ação histórica quando existe uma entidade capaz de dar prosseguimento a um curso de ação para além da duração da vida de seus agentes individuais e do estado de coisas presente. Para isso, é absolutamente necessário um fator chamado reprodução, que é a criação de outros agentes individuais que darão prosseguimento ao mesmo curso de ação fielmente e inabalavelmente, e saber adaptá-lo às novas circunstâncias sem perder o impulso originário.

Um Estado pode atender a essas condições? É claro que não. Um Estado é uma massa composta, na qual há muitas forças que o disputam e que jamais têm uma unidade de ação muito clara. Mesmo que se tome como exemplo a pior ditadura do mundo, como a de Stálin, ou Hitler, não se pode dizer que o estado soviético tinha uma ação unificada ao longo do tempo. Aquilo era um [1:10] saco de gato, todos estavam puxando o tapete uns dos outros. Stálin até conseguiu uma certa coerência nos seus resultados, mas foi tudo mais ou menos. Um estado compõe-se de milhões de pessoas, e não é possível que esses milhões de pessoas tenham a mesma unidade de ação e dêem prosseguimento a ela durante anos a fio -- ainda que se imponha um sistema de educação a fim de disciplinar as pessoas (um educador espanhol, do qual não me lembro o nome agora, dizia: "A educação é uma arte de resultados imprevisíveis, porque o sujeito agente é o aluno e não o professor" -- você sabe o que está ensinando, mas não sabe o que eles vão aprender), a educação não compromete os seus alunos a ponto de poder garantir que eles se comportarão desta ou daquela maneira. Na melhor das hipóteses, tem-se uma regularidade estatística: pode-se esperar que a coisa funcione em 70, 60, 15 porcento dos casos etc. É evidente que uma nação, um Estado, um governo, um Império, não tem unidade de ação suficiente para se dizer que é o sujeito agente. É necessário que, por trás dele, existam outros sujeitos agentes capazes de auto-reprodução e de fazer com que a ação se prolongue ao longo das décadas e dos séculos, até para além da duração do próprio Estado, antecedendo sua formação e sobrevivendo após sua extinção.

Só as seguintes entidades podem ser sujeitos da ação histórica: em primeiro lugar, as grandes religiões universais, porque, ao longo dos séculos, continuam ensinando as mesmas coisas, buscando os mesmos objetivos e treinando pessoas para prosseguir fielmente esta ação ao longo dos tempos. Mais ainda através da disciplina, do ritual e do comprometimento profundo, as religiões garantem que os seus sacerdotes continuarão atuando na mesma linha ao longo das décadas, dos séculos e dos milênios. Se observarmos a história da Igreja Católica ou da Igreja Ortodoxa ao longo do tempo, veremos que há uma continuidade e uma estabilidade notável da ação. Essas religiões criam Estados, criam nações, desfazem Estados, desfazem nações e continuam ali imperturbavelmente.

Segundo tipo de agentes históricos possíveis: as sociedades esotéricas e iniciáticas que também através dos ritos, da disciplina e do compromisso do segredo, conseguem assegurar que seus agentes continuarão agindo na busca dos mesmos objetivos pelos séculos dos séculos. Por exemplo, a Maçonaria. Observem todas as mudanças que houve no estado americano, desde que se formou até hoje. Quando ele se forma, é apenas uma federação; são estados independentes que se reúnem. Na guerra civil, unifica-se e é criado um poder centralizado; já é outro Estado, completamente diferente. A Maçonaria estava lá antes do primeiro, durou enquanto ele durou, continuou durando na fase seguinte -- estando no poder, inclusive -- e está ali até hoje.

Terceiro tipo: as dinastias familiares, sejam nobiliárquicas, sejam plebéias, porque conseguem pegar os seus meninos desde o berço e meter na cabeça deles os deveres que têm a cumprir quando crescerem. Aí no caso o controle já não é tão bom quanto numa igreja ou numa sociedade iniciática, mas funciona. Se vocês acompanharem, por exemplo, a história dos Bourbon, ou da dinastia Tudor, ou dos Rockefeller, ou dos Rothschild, verão a continuidade de ação ao longo dos tempos, ultrapassando a escala de duração dos próprios Estados onde atuaram.

A quarta espécie de agentes possíveis são as entidades espirituais: Deus, os anjos e os demônios. Esses também têm objetivos permanentes e continuam agindo.

Fora disso, não há agentes históricos. Bem, existem, como variação das sociedades iniciáticas. Podemos colocar, um grau abaixo, como uma espécie delas, os movimentos e partidos revolucionários, que usam as mesmas técnicas de reprodução das sociedades iniciáticas: comprometimento, juramentos, segredos, ameaças de morte etc. Nenhum Estado ou nação tem esses meios de ação.

Observei que, quando o professor Duguin fala dessas grandes entidades geopolíticas (que segundo ele, são os grandes agentes da história), não percebe que ele mesmo é o instrumento de um outro agente, muito mais profundo e duradouro. E que o próprio projeto do Império Eurasiano nasce da dialética interna deste agente, que é a Igreja Ortodoxa. Numa entrevista que ele deu a uma revista polonesa em 1998, o professor Duguin disse que a grande heresia do Ocidente foi a separação entre Igreja e Império e que na Rússia, no mundo ortodoxo, eles não cometeram essa heresia: continuaram fiéis à idéia de uma Igreja unificada onde o imperador, o Tzar, é o chefe da Igreja. A partir do momento em que o Imperador é o chefe da Igreja, o limite geográfico de expansão da religião é o limite do Império. Se o Tzar é o chefe da Igreja Russa, só pertence a ela quem obedece ao Tzar, portanto, seus súditos. Não há possibilidade de expansão fora disso. Ao passo que, na Igreja Católica, com a separação de Igreja e Império, a religião pode se expandir para qualquer lugar, pouco importando quem seja o imperador. O catolicismo, então, se expandiu no Japão, na China, no Paraguai, no Brasil e, assim, teve milhares de imperadores, reis, presidentes etc, os quais não puderam fazer nada com relação a isso. Essa facilidade de expansão, a Igreja Ortodoxa não tem. Deste modo, ela só tem duas opções: ou consente em ser eternamente uma religião nacional, identificada com uma nação imperial, como a Rússia ou, então, para se expandir, tem de expandir o Império junto.

O que é o plano do professor Duguin? O Império Mundial, sob a hegemonia da Igreja Ortodoxa. Então, ele não é o agente de uma força geopolítica (de uma nação ou um império), mas da Igreja Ortodoxa, ou seja, não sabe em nome de quem está falando. Ele pensa falar em nome de uma entidade vaga que chama de Império Eurasiano, mas todo o universo geopolítico estratégico dele reflete o problema interno da Igreja Ortodoxa. Problema que, por um lado, se afirma como missão evangelizadora universal, mas por outro, está vinculado aos limites do Império, sob a autoridade do Tzar. Assim, só há uma solução para a Igreja Ortodoxa virar uma religião mundial: o Império Mundial. Então a busca do Império mundial é a desembocadura final de um drama interno da Igreja Ortodoxa ---- ela é o verdadeiro agente. Notem bem: a Igreja Ortodoxa deu forma ao primeiro império russo, que foi o Império de Kiev. Quando esse caiu, veio o Império de Moscou, e a Igreja Ortodoxa estava lá, dando unidade àquilo. Caiu o império com a Revolução Russa, a Igreja Ortodoxa continuou ali. E agora quem está dando forma ao novo projeto imperial? A Igreja Ortodoxa, de novo. Esse é o verdadeiro agente.

[1:20] Os agentes históricos verdadeiros não podem se definir por fronteiras geográficas ou geopolíticas. As fronteiras são arranjos temporários que essas forças conseguiram fazer. Por exemplo, elas conseguiram dominar um território aqui, amanhã ou depois podem perdê-lo ou conquistar novos, mas a identidade de agentes continua a mesma. Veja o partido comunista: ele foi fundando em 1848. No meio do caminho, fez a Revolução Russa e criou a União Soviética. Já acabou a União Soviética e o Partido Comunista continua! A Maçonaria, o Partido Comunista, a Igreja Católica, a Igreja Ortodoxa -- esses sim são agentes históricos. Ao situar-se a si mesmo como porta-voz de uma entidade geopolítica, o professor Duguin mostra que ele não sabe em nome de quem está falando. Não tem consciência real do processo histórico ou de quais são as verdadeiras forças em jogo. Ele as enxerga, mas de maneira confusa e atribui a uma as ações da outra, essa é uma coisa que observei. Estou dizendo aqui para vocês talvez mais do que eu consiga dizer por escrito no curso do próprio debate. Tentarei explicar estas coisas por escrito, mas não sei sequer se haverá tempo. Pelo menos vou mencioná-las. Até citarei esta aula como uma fonte: "Se quiser mais informações, por favor inscreva-se no Seminário e pegue lá o restante."

Em função desta nebulosidade do professor Duguin quanto ao agente histórico que representa, a definição geopolítica que ele tenta dar dos agentes em jogo fica extremamente capenga e auto-contraditória. Por um lado, ele define que a grande divisão é entre os impérios terrestres da Ásia e os impérios marítimos do Ocidente. Mas, por outro, coloca dentro do Projeto Eurasiano toda a esquerda revolucionária latino-americana. Assim sendo, será que a Eurásia é um conceito geopolítico? Ela é o império terrestre por excelência, que tem a unidade, a continuidade do solo, ou é uma coisa transoceânica que age até na América Latina? Ou seja, é uma unidade geográfica ou uma unidade ideológica? Ou transforma-se de uma coisa na outra conforme as necessidades da sua argumentação? Em suma, o professor Duguin não sabe o que é o Império Eurasiano ---- não sabe e ninguém jamais saberá, porque o Império Eurasiano é uma metáfora.

Achei que vocês tinham direito a essa explicação a mais, mas tem muita confusão ainda na história. Tanta confusão que, provavelmente, esse debate terá de se estender por meses, há muito para explicar. A cabeça do professor Duguin é um saco de gato tão maravilhoso, tão cheio de coisas que não posso negar que ele me dê inspiração. É um homem de uma imensa cultura e, bem, não posso negar que é um patriota russo. Esta é sua maior virtude, seu patriotismo é admirável. Mas, por falta de ter investigado com clareza quem são os verdadeiros agentes históricos, ele naturalmente confunde os dois processos (os deliberados e os espontâneos), e acaba vendo agentes históricos onde não existem. Este é o problema da geopolítica: ela projeta no mapa as figuras tomadas pela ação política dos seres humanos em certos momentos. Um império que domina este e aquele países e amplia seu território, evidentemente não é um agente, mas é o resultado temporário de ações que prosseguirão independentemente dessa unidade territorial ---- tal como o próprio processo Eurasiano se estende até a América Latina, transcendendo a sua definição geográfica inicial.

Sobre esta divisão dos impérios terrestres e marítimos, ele faz uma distinção entre a ideologia individualista, que marcaria os impérios marítimos, e a ideologia holista, que caracterizaria os impérios terrestres. O que ele chama de individualista é aquele sistema no qual a entidade soberana é a razão individual: um indivíduo, raciocinando, chega às suas conclusões, as quais são a verdade para ele. O holismo, por outro lado, é aquele sistema no qual existe uma verdade transcendente aos indivíduos que os abarca, domina e coloca a seu serviço. Ao fazer esta distinção, ele marca que os primeiros tendem, evidentemente, ao materialismo e à anarquia, e que os segundos tendem na direção espiritual, pois os indivíduos vivem para uma finalidade que os transcende. Aí chama em seu socorro as doutrinas tradicionais de René Guénon, de Julius Evola etc. Acontece que esta entidade holística que transcende, abarca os indivíduos e os dirige na vida é muito diferente nas várias regiões do Império Eurasiano. Por exemplo, na Rússia existe um holismo ortodoxo e no Islam existe um holismo islâmico, e eles são incompatíveis entre si. Um sujeito não pode ser um cristão ortodoxo sem afirmar que Nosso Senhor Jesus Cristo é a segunda Pessoa da Trindade, que Deus é Trino etc. -- tudo aquilo que o Islam nega. Então, se há dois absolutos em concorrência, não se pode falar em holismo. Existe um holismo na relação entre a autoridade e os indivíduos, mas não entre duas autoridades que representam dois holismos incompatíveis. Ainda existe um terceiro holismo, que é o comunista. Este também acredita numa força transcendente, que é a História, e a ação dos indivíduos deve se encaixar na sua autoridade e seguir o rumo prescrito por ela. Qual dos três absolutos o Império Eurasiano representará? Ele criará um supra-holismo? Este supra-holismo teria de ser uma doutrina transcendente que tivesse autoridade sobre a Igreja Ortodoxa, o comunismo e o Islam. Não acredito que o professor Duguin tenha tanta autoridade e ele nem acredita que essa autoridade exista.

Em segundo lugar, ao definir estes holismos, o professor Duguin diz que, na concepção holística, existe uma autoridade superior, transcendente ou coletiva. Mas a unidade do coletivo não pode, de maneira alguma, estar dirigida a uma autoridade transcendente. Quer dizer, se a crença coletiva é o que determina o conjunto, então o que está vigorando é o reino da quantidade. É o oposto ao que René Guénon ou Julius Evola chamariam de sociedade tradicional. Ao invés de ser a sociedade espiritual bramânica, dirigida para cima, é a sociedade Shudra, cujo máximo objetivo na vida é alcançar o mesmo nível de bem-estar material da burguesia. Após a queda da sociedade Shudra soviética, veio um passo a mais na degradação cíclica: a sociedade dos párias e dos Shandalas que, não tendo identidade de casta, copiam um pouco de cada casta e fazem a sua mixórdia, a qual é o próprio Projeto Eurasiano. Ela é exatamente o contrário [1:30] do que poderíamos definir como uma confrontação entre as sociedades materialistas e iluministas e a sociedade tradicional. Não há nenhuma sociedade tradicional no Oriente, só há sociedades de párias. E as confusões do professor Duguin prosseguem daí por diante.

Há tantos e tantos aspectos ali para se levantar e discutir que, de certo modo, é uma delícia (para mim). Mas, por outro lado, é um trabalho sem fim. Como eu já disse uma vez, o erro e a mentira têm o privilégio de poderem se enunciar em poucas palavras, ao passo que o desmentido tem de levar muitas palavras. Por exemplo, um sujeito diz que outro mexeu com a mulher dele. Se o outro diz simplesmente "não", não convencerá ninguém, a acusação continuará vigorando. Assim, é preciso dar a prova, e isso demora. Seria preciso dizer: "Não, não posso ter mexido com a sua mulher porque eu estava no Mato Grosso e ela no Rio Grande do Sul, etc", ou seja, o outro teria de se explicar. Então, desfazer o mito Eurasiano é uma coisa que dá muito trabalho. Uma parte poderei escrever, mas outra não ---- ao menos, no entanto, poderei passá-la aqui para vocês. Pois bem, façamos um intervalo e daqui a pouco voltemos.

[Intervalo]

Vamos aqui recomeçar respondendo a algumas perguntas.

Aluno: Gostaria de saber a opinião do senhor sobre o filósofo americano Ken Wilber. Li alguns livros dele e realmente os adorei, tenho que admitir.

Olavo: Eu também! Acho o Ken Wilber um gênio extraordinário. E algumas tomadas de posição dele em favor do governo mundial não modificam isso em nada porque eu acho que o homem é um gênio da psicologia, e não da política. O que não o impede de fazer bobagem do outro lado, não é este o ponto que está em discussão. Assim como o John C. Plott, autor da História Global da Filosofia. Este é um livro maravilhoso, embora tenha sido escrito justamente com a idéia de preparar uma civilização global, o advento de um governo global. Uma coisa não tem nada a ver com a outra. Se estes livros todos fossem escritos para fins de propaganda, o fato de uma obra ser de propaganda não invalida o valor, a importância dela de maneira alguma. Não se pode esquecer que a Eneida de Virgílio foi uma obra de propaganda. Virgílio levou um dinheiro do governo para escrever aquilo: "Glorificar as origens de Roma". Se vocês assistirem aos filmes do Sergei Eisenstein, são todos obras de propaganda. Outro dia assisti a um filme de propaganda, financiado pelo governo Nazista. O filme chama-se Kolberg (1945). Não tem nada a ver com o Nazismo mas foi baseado em um acontecimento histórico, no tempo das guerras napoleônicas, o filme é uma maravilha. Não tem nada a ver uma coisa com a outra.

O problema é quando o horizonte que o filme te abre está fechado pela propaganda e não admite nada mais além disso. Agora, quando chamaram o John Plott, ou o Ken Wilber, e lhes pediram para fazer uma "história unificada da filosofia", ou uma "psicologia integral global" para preparar a civilização global... O conteúdo destas obras não se limita aos seus objetivos propagandísticos, os transcende infinitamente. E quando não existir mais governo global nem coisa nenhuma, estas obras ainda vão continuar -- assim como a Eneida continua ou estes filmes também continuam.

Aluno: Estabelecido que a Igreja Ortodoxa está por detrás do projeto do Império Eurasiano, esta mesma relação não seria novidade na história. Poderia se associar ao Império Britânico a algum projeto da Igreja Anglicana, da qual a Rainha Elizabeth atualmente é presidente? (...)

Olavo: Você tem toda a razão e o problema da Igreja Ortodoxa é o mesmo da Igreja Anglicana. Ela está limitada ao território imperial, mal consegue se expandir para fora disto. De vez em quando a gente encontra um ou outro representante da Igreja Anglicana. Até nosso colega do Instituto Inter-Americano, o Dr. Earle Fox, é Pastor da Igreja Anglicana. Mas é um ou outro que aparece. Fora do território Britânico é até uma esquisitice você ser anglicano.

Assim como é uma esquisitice ser um ortodoxo russo fora da Rússia. Em primeiro lugar, porque não existe mais o Tzar ---- a Igreja Ortodoxa ficou sem o cabeça; o Patriarca então assume o lugar temporariamente, mas estão à espera de um Tzar. O próprio Putin declarou claramente: "Sem Tzar não há Império" ---- portanto, está implícita na idéia do Projeto Eurasiano a restauração da função e da pessoa do Tzar. Mas quem nomeou o primeiro Tzar? Foi ele mesmo. Quem nomeou Napoleão Bonaparte? O próprio. Então nada, absolutamente nada impede que amanhã ou depois alguém comece uma nova dinastia, talvez o próprio Putin. Se ele impuser isso, ninguém ficará contra.

Aluno: (...) O chefe da Igreja Ortodoxa Russa é o Patriarca de Moscou, o Sr. Putin, Medvedev, ou há uma relação de servidão?

Olavo: Claro que há uma relação de servidão entre a Igreja e o Estado Russo, só que na presente situação esta relação não está oficializada. Ela existe como uma situação de fato, mas, por enquanto, ainda ninguém proclamou que o Sr. Putin é o chefe da Igreja Ortodoxa Russa porque, para isso, ele precisaria ser um Tzar. Mas este problema pode ser resolvido se ele se declarar um Tzar e criar uma nova dinastia. Ou ele ou qualquer outro. E isto, provavelmente será feito, mais cedo ou mais tarde. Se este projeto continuar, se o Projeto Eurasiano tomar impulso, eles vão precisar de um Tzar de qualquer maneira. Ou então, no caso do sucesso do Projeto Eurasiano, a Islamização da Rússia será fatal e a igreja Ortodoxa estará com os seus dias contados. Quer dizer, ou consolida a Igreja Ortodoxa Russa através da presença de um Tzar ou, então, vão perder a briga com o Islam.

Aluno: "A Narrativa Divina nos será sempre inacessível. Nós jamais poderemos conhecer as suas leis eternas" --- Que leis? Porque Deus não está preso às leis que criou para este universo e para os indivíduos que vivem nele. Deus não se submete a nenhuma lei, Ele é livre para se transcender (...)

Olavo: A expressão não se aplica propriamente a Deus .

Aluno: (...) Com relação a este nosso universo, contudo, Deus seria obrigado a conciliar a sua liberdade com a aceitação da condição de Deus como Logos*. Deus não é livre para ser ilógico e irracional pois Ele é a lógica e razão. Nossa noção do Bem e do Mal tem seu fundamento em Deus é Amor e Deus é Logos. Eu volto à antiga pergunta sobre o Islam. O que acontece se admitirmos que Deus não tem compromisso com as nossas leis -- morais principalmente -- leis que ele criou para nosso universo e para nós? Quais as conseqüência filosóficas e práticas para o entendimento de que o Deus dos Muçulmanos é absolutamente transcendental? "...A sua vontade não está ligada a nenhuma de nossa categorias, nem sequer à razão. Se fosse Sua vontade, o homem deveria praticar até mesmo a idolatria."*

Olavo: Muito bem, isto aí é a teoria de Ibn Hazm: "Deus faz o que quer ---- não é que ele faça as coisas porque são boas, mas são boas porque Ele determinou que seja assim". Isto aí creio que seja uma deficiência de pensamento dialético. E sobretudo, esta questão joga sobre Deus conceitos de Bem e Mal que são aplicados a nossa vida terrena. Mas Deus não se dirige a nenhum de nós enquanto mortal terreno. Ele simplesmente não fala com mortais, só fala com almas imortais, que somos todos nós. O Bem para ele é o que é o Bem permanente e não o que se passou durante uma fração infinitesimal de tempo, que é a nossa vida terrestre. É só olhar as coisas na escala da imortalidade e tudo muda. Nela, qualquer malefício terrestre é realmente um nada. Eu insisti aqui nesta aula que, dentro desta escala, uma única alma humana transcende a duração da história terrestre inteira. Na vida eterna, a história terrestre é como se fosse um filme que passou, inteirinho, condensando tudo o que se passou na escala terrestre. É nesta escala eterna que Deus está falando do Bem e do Mal, e não na escala das incomodidades ou dos sofrimentos que tivemos aqui. Cada um de nós enquanto personagens de uma vida terrestre, temos obrigações morais. [1:40] E existem proibições que pesam sobre nós, mas elas não são comparáveis à escala do Bem eterno. Agora, sempre que colocamos este problema da teodicéia, estamos julgando Deus como se Ele fosse o presidente da ONU: alguém que tem que prestar atenção aos problemas que colocamos na nossa escala. Isto é absolutamente ridículo, não faz sentido. É a famosa pergunta de Deus a Jó: "onde você estava quando eu estava colocando os pilares do Ser?" --- isto tudo que está passando é nada. Se apesar de sabermos da imortalidade, continuamos pensando as coisas na escala da nossa vida terrestre, é porque a idéia da imortalidade não entrou ainda, não nos vemos como alma imortal.

A resposta a isto é aquele velho exercício que eu passei aulas atrás. Quando rezarem, lembrem-se que quem está orando não é só aquele que vocês são neste momento. São aqueles que sempre foram ao longo de todos os seus momentos, desde bebezinhos, crianças, adolescentes, jovens, homens ou mulheres maduros, velhos, tudo isso ao mesmo tempo. Porque por baixo de todas estas transformações que vocês sofreram, existe a identidade do Eu profundo, que não é de ordem psicológica, é o Eu Ontológico. Nós só temos acesso a isso mediante a sobreposição das várias épocas, coisa que podemos fazer mentalmente. Mas a existência de um Eu ontológico é uma necessidade absoluta. Aquele que Deus criou, Deus o criou para sempre. Mesmo que ele o jogue no Inferno, ele não vai apagá-lo. Se deixarmos de existir como é que poderemos ir para o Inferno? Se Deus nos prometeu o Céu ou o Inferno, é porque Ele não vai acabar conosco. Eu me lembro do Pe. Miguel Pedroso, da igreja São Miguel, um grande pregador, que dizia: "as almas do Inferno vão implorar pelo nada, e não o vão obter."

A nossa verdadeira escala é a da imortalidade. E se não fosse isso, toda a vida intelectiva humana seria impossível. Imagine se seres que estivessem absolutamente limitados à própria esfera temporal, que nada soubessem fora dela, colocariam problemas como a Eternidade, as essências eternas ou até o raciocínio matemático ---- tudo isso seria impossível! É grosseiro imaginar que temos uma forma de vida exclusivamente temporal, terrestre e material, e que todo este universo de idéias que vivemos conversando, discutindo, é tudo criação humana. Se não temos nenhuma experiência da eternidade --- vamos seguir o Kant --- como que esta criatura eternamente proibida de ter contato com a eternidade inventaria tal idéia? De onde tiramos isto?

Frithjof Schuon dizia, e com muita razão, que a inteligência humana é desproporcional a uma existência limitada pela esfera espaço-temporal terrestre. A inteligência humana vai tão além disto, que ela seria uma excrescência inexplicável. Como poderíamos explicar isto à luz da Teoria da Evolução? Não tem jeito! A nossa verdadeira realidade é de almas imortais, somos isto desde o momento em que fomos concebidos e nunca paramos de ser.

A sucessão dos nossos estados psicológicos, da nossa evolução biográfica, etc, está apoiada numa continuidade ontológica profunda. E se não existisse esta continuidade, a própria existência de uma identidade psicológica seria impossível. Como teremos um senso de identidade se no fundo não temos identidade alguma e precisamos estar reconstruindo-a a todo momento? Nós nos esquecemos de tantas coisas mais simples do que uma identidade, como é que estaremos a toda hora recordando e reconstruindo uma identidade? Só conseguimos reconstruí-la porque ela existe, temos alguma notícia dela e confiamos nela. Aqueles que dizem que acreditam e aqueles que dizem que não acreditam, ambos confiam e continuam dizendo a palavra "EU" com o mesmo senso de propriedade.

É só colocar as coisas nesta escala e todas as suas perguntas terão resposta imediatamente. Marcião, o Herege [Marcião do Ponto, teólogo radical ortodoxo (90 -- 160 D.C.)], achava que o Deus do Antigo testamento era cruel demais. Mas cruel em comparação com qual outro Deus? Havia outro mais bonzinho? E cruel por quê? Matou a população inteira e levou todos para o Céu, para a Vida Eterna, grande maldade essa!

Os seres-humanos que consideram a morte como um mal são muitos. Mas como enquadrar a morte na idéia de Bem e de Mal se toda a nossa idéia de Bem e de Mal está recortada segundo a duração da vida terrestre? A morte nunca é um mal. Nem toda morte se considera um mal. Mesmo quando a morte vem de uma maneira trágica ou a pessoa morre muito cedo, nenhuma morte é jamais um mal, nunca!

O que é a morte? A morte é o fim da vida terrestre e o acesso à eternidade. Qual é o problema de se entrar na eternidade? Nós não podemos ser contra a morte. É o que pergunta a própria Bíblia: "Ubi est, mors, Victoria tua?" (Onde está, morte, a tua vitória?). O que a morte faz é nos levar para a eternidade --- grande vitória!

O que precisa-se fazer, não é colocar estas perguntas na esfera teórica-doutrinal. Há de situar-se no quadro espaço-temporal correto e aí colocar as perguntas. Qual é o quadro espaço-temporal correto do ser humano? A Eternidade! Pense como alma imortal. Esqueça a ideia de ser imortal depois de morrer. Não, a alma é imortal agora ---- não é outra coisa. Quando se usa a expressão "outra vida": qual outra vida? É a mesma vida! Esta aqui é uma aparência temporal da verdadeira vida, então só existe uma. É a mesma vida que se tem continuamente desde que se nasce até por toda a eternidade.

Se não conseguimos nos colocar nesta escala, ficaremos sempre medindo elementos da eternidade com uma régua feita para a existência espaço-temporal terrestre. Então não vai dar, sempre vai se chegar a absurdos. Se Deus matar a humanidade inteira, Ele não tem satisfações nenhuma a prestar. Aliás, Ele disse que vai fazer isto, não disse? Não disse que vai matar todo mundo? Vai matar a todos aos poucos, e o que sobrar, vai matar todos de uma vez! Matar e levar a todos para a Eternidade. E ainda há quem reclame?

Nenhuma medida de sofrimento humano resiste ao confronto com a Eternidade. O sofrimento humano (sobretudo causado pela maldade humana) nos choca porque nós temos é a obrigação de não praticá-la. Ficamos chocados quando vemos pessoas cometendo maldades porque não as cometeríamos, mas não porque a coisa em si mesma e na escala da eternidade signifique algo.

Aluno presente: Se não significa algo, por que se pode condenar eternamente uma alma por estas maldades, esses pecados?

Olavo: Esta condenação faz parte da estrutura do Bem. São Tomás de Aquino diz que as almas do Paraíso se regozijarão com o castigo dos maus. Se não existisse isso, o bem e o mal seriam simplesmente anulados, e não foi isso que eu disse. Eu disse que eles serão transcendidos, não anulados. [1:50] Então a pergunta: "Deus faz o que é bom por que é bom ou a coisa se torna boa por que Deus fez?" ---- isto é o mesmo que perguntar, quando entro na sala, quem entra primeiro, o Olavo ou o Carvalho?

É uma distinção nominal à qual é dada uma existência substancial indevidamente. Deus é o Bem! Portanto Ele não tem uma maneira de fazer uma coisa por que ela é boa, ou de torná-la boa porque Ele que fez. Não há esta distinção. Dizer Deus ou dizer o Bem é exatamente a mesma coisa. Partindo do princípio que nós temos duas palavras, uma que designa o Bem substantivamente, outra adjetivamente, nós imaginamos que são duas coisas diferentes e perguntamos quem veio primeiro, o ovo ou a galinha? Resposta: O galo. A galinha não passa de um galo capacitado a carregar ovos. Ela não pode ter vindo primeiro que o ovo porque ela é a capacidade de ter ovo, não é outra coisa. Assim como a distinção da mulher. O que é mulher? Mulher é um homem que pode ter a gestação de um filho. É só isso! Quer dizer, é uma espécie de homem, um derivado do homem.

Então quem veio primeiro Deus ou o Bem? É a mesma coisa que quem veio primeiro, o ovo ou a galinha! Eu disse no começo desta aula: a tendência da inteligência humana é refugiar-se da realidade na própria estrutura do pensamento ---- tomamos uma coisa que tem uma determinada qualidade (de tal modo que aquela qualidade só possa existir naquela substância inseparavelmente), separamos a qualidade da substância e perguntamos: "quem veio primeiro?", sempre tratando o assunto, não como ele se apresenta na realidade mas, tal como a estrutura do nosso pensamento o montou indevidamente.

O pensamento tem que ser continuamente corrigido pela realidade. Como é que se faz isto? Assim que se acaba de pensar, apagando o pensamento e olhando a realidade ---- e aceitando o que está. Não há outro meio de fazer se não houver amor pela realidade. A pior das realidades é melhor do que a melhor das mentiras. A realidade tem sempre razão e o nosso pensamento quase sempre está errado. Nós temos que corrigir o pensamento, remoldando as relações que colocamos entre conceitos de tal modo que elas reflitam as relações reais entre as substâncias (as suas qualidades, as suas ações, etc.), e não impondo a elas a estrutura do nosso pensamento --- que é o que Kant afirmava que devíamos fazer: que a estrutura do pensamento predomina. Se fosse assim, eu não precisaria ler os livros de Kant, eu leria a idéia que faço deles e pronto, está lido. Há um livro do Kant, A Crítica da Razão Pura, que é um livro que existe objetivamente, fora da minha mente, não fui eu que o criei. Ou vou ler este livro que Kant escreveu de fato, ou vou projetar sobre ele as minhas formas a priori. Não há outra alternativa. Se as formas a priori predominam, então nada tenho a aprender com a realidade, ao contrário. Dizia ele: "Eu tenho de espremer a realidade para que diga o que eu quero" ---- isto é a fórmula da maluquice!

As estruturas do pensamento humano, elas são boas, são bonitas, fazem parte da realidade, são uma das mais belas realidades que existem, mas não são superiores à realidade inteira, nem sequer à realidade do mundo material. Por exemplo, todas as minhas noções de espaço podem ser consideradas formas a priori. Só que vou andar dentro da minha forma a priori ou vou dentro do espaço exterior? Se o espaço é uma forma a priori, não posso me mover dentro dele, só posso pensá-lo. Agora, se eu fisicamente me desloco dentro do espaço, eu tenho que admitir que o espaço que existe na minha mente como forma a priori é apenas uma imitação longínqua e pequena do espaço real.

Às vezes a gente acorda e não sabe onde está (não acontece isso? Acorda meio tonto: "doncovim, oncotô, poncovô?"). Como é que se restaura a ordem? Entrando na própria cabeça e pensando em suas formas a priori? Não! A gente tem que olhar e ver onde está.

É a estrutura do espaço externo que nos ensina a criar a idéia interna de espaço. O tempo todo. Lembram que logo no começo deste curso eu dei aquela experiência, aquele exercício, de deitar no chão e sentir a imensidão do espaço que há em cima de vocês e a densidade do chão que há debaixo? É aqui que estou, e não nas formas a priori coisíssima alguma. Isto não é meu pensamento, não poderia inventar tudo isso. Lembro da frase do Hegel que ensinei, de quando ele ficava olhando para uma montanha um tempão e dizia: " É, de fato é assim." Isso é uma lição de realismo, de aceitação da realidade. Não só aceitação, mas amor à realidade, porque a realidade é criação divina. E toda esta realidade foi feita para que se possa ter a Vida Eterna ---- ainda que sofrendo horrores durante esta vida.

Claro, não quero que ninguém sofra, é evidente. E sobretudo, prefiro não causar sofrimento a ninguém, se eu puder (já causei muito sofrimento a muitas pessoas. Muito me arrependo, é uma vergonha. Eu lembro de pessoas que eu ofendi, que humilhei, que magoei e acho uma coisa feia, prefiro não fazer isto). Mas não posso alegar todo o mal universal, todo o mal que vimos ao longo da História, como um argumento contra a Eternidade. É uma coisa tão desproporcional que não dá nem para formular a coisa. Agora, se cobramos uma explicação de Deus quanto à existência do mal, a resposta de Deus tem que ser a seguinte: "Não lhe devo satisfação, meu filho! Fui Eu quem fez tudo isso! Onde estava você quando Eu estava fazendo tudo isso? Criei até uma Vida Eterna para você e ainda está reclamando?"

Leiam o Livro de Jó, está muito bem explicado lá. Os argumentos de Deus são irrespondíveis. O simples fato de se colocar perante Deus com uma objeção, já é um engano da mente humana. Porque, quem criou o homem com todas as suas objeções? Foi Deus! Todas as suas objeções estão dentro do mundo Divino, tal como Deus concebeu e não como o homem concebeu. Ele criou uma criatura para viver eternamente e que até pode reclamar de coisas que não tem a menor idéia do seu porquê e fundamento. E pior, Deus não acha ruim que reclame. Ele até gosta, porque para reclamar, tem que falar com Ele. E Deus gosta que se fale com Ele. Mesmo se for lá para encher o saco, Ele gosta que se vá.

Então vocês precisam entender isto:

1º) Nós somos Imortais.

2º) Deus é o Amor Eterno e o Bem Eterno.

Tudo vem do Amor Divino! Vocês têm que entender isto de uma vez por todas porque isto é a realidade. Não é porque isto é doutrina católica, mas porque tudo o mais é impensável, tudo o mais entra em contradição, é absurdo. E Ibn Hazm é uma besta quadrada.

Mede-se o estatuto de um pensador pelo seu domínio da técnica filosófica. E a técnica filosófica significa corrigir o nosso pensamento para que ele seja adequado à realidade das coisas ---- uma realidade infinita que nos transcende e da qual, no entanto, nós temos a experiência. O que é a experiência do infinito? Podemos ter uma ideia dela através da experiência do ilimitado. Por exemplo, estou aqui dentro desta sala. Eu não sei que há coisas para fora dela, não as estou vendo, mas sei. É só um pensamento que tenho? Impossível! Isso é o que chamo de conhecimento por presença. Sabemos que as coisas estão ali porque nós mesmos estamos ali, [2:00] não é mera percepção! O nosso saber vai infinitamente além da percepção e além do pensamento.

Existe todo um fundamento que é pré-perceptivo e pré-categorial. As nossas percepções se articulam de acordo com o nosso aparato perceptivo, sem dúvida, e os nossos pensamentos se articulam segundo as categorias. Mas para que tudo isto seja possível é preciso uma coisa: estar lá, existir!

Este conhecimento por existência, conhecimento por presença, é a condição de todas as percepções. Agora, se quero recompor a estrutura da realidade partindo das minhas pequenas percepções isoladas e remontar tudo, isto é a mesma coisa que querer reconstruir uma pessoa a partir dos fragmentos de um esqueleto enterrado que foi descoberto. Não dá para se refazer uma pessoa, dá para fazer a idéia de uma pessoa.

O fundamento da possibilidade do amor a Deus é a abertura da alma para o infinito. Nós não estamos aqui, como dizia Kant, como juízes que estão interrogando a realidade, obrigando-a a dizer o que ele quer. Não, estamos aqui como um peixe está num oceano. Nós não mandamos nada mas, no entanto, estamos perfeitamente à vontade aqui. Este mundo foi feito para nós. E se este mundo aqui não é satisfatório (como de fato não é pois é um mundo limitado), temos de tomar consciência do segundo capítulo: Vamos durar para sempre!

O problema não é este. O problema é saber como estaremos depois? E isso é decidido pela nossa escolha aqui. Se perguntarmos quem vai para o Inferno, vai quem quer! Ir para lá é uma decisão livre. Não é Deus que manda alguém para o Inferno. Leiam o livro do Monsenhor de Ségur, L'Enfer (O Inferno, trad. Diogo Chiuso Ed. Ecclesiae www.ecclesiae.com.br), onde ele conta depoimentos de pessoas que vieram do Inferno contar. Não é teoria não, isso aí são depoimentos, são fatos em circunstâncias às quais ficava claro que a pessoa ali falando era realmente a pessoa, que sabia de coisas que só ela mesma poderia saber. O indivíduo dava a prova de sua presença e contava "Eu estou no Inferno por uma decisão justa, por isto e mais isto, e recomendo que você não faça as coisas que eu fiz, por causa disto e daquilo."

Aluno: Já li boa parte da sua obra escrita e ouço os programas de rádio assiduamente há pelo menos quatro anos. Sendo assim, me considero familiarizado com seu pensamento em linhas gerais... Me graduei em História pela Universidade Federal de Minas Gerais, tendo como foco principal de minhas pesquisas o estudo teórico a respeito do que alguns conhecem como filosofia da História (historiografia, metodologia, etc). Dois anos atrás me aprofundei na obra do filósofo Paul Ricoeur e já há algum tempo que gostaria de falar a respeito com o senhor, pois enxergo entre os seus pensamentos e os dele uma consonância que me parece ultrapassar a mera coincidência (...)

Olavo: Posso garantir que é mera coincidência porque não cheguei a ler cinqüenta páginas do Paul Ricoeur. Não tenho a menor idéia do que ele pensa a respeito da maior parte dos assuntos, embora saiba o que ele pense a respeito de alguns. Se existe uma afinidade é mera coincidência, certamente, ou é porque bebemos da mesma fonte.

Aluno: (...) Também observo importantes aproximações entre Ricoeur e Eric Voegelin (o Eric Voegelin reconhecia isto), no entanto, não encontro em sua obra citações ao Ricoeur.

Olavo: Eu não posso citar um autor que eu mal li. O que sei do Ricoeur não dá para falar dez minutos. Sei a importância e lembro que alguma vez tive alguma objeção a uma frase que eu li dele ---- isso não quer dizer que eu tenha reservas ao Paul Ricoeur, eu tenho reservas à aquela afirmação. Mas prometo a você que vou lê-lo com mais atenção. Eu tenho quatro livros do Paul Ricoeur esperando para serem lidos.

Aluno: Meu conhecimento em termos de literatura, cinema e artes é quase nulo. Pergunto-me se este vazio não será um impedimento a muitas tarefas que terei que realizar durante o curso? (...)

Olavo: Certamente que sim! Mas você pode ir preenchendo as duas coisas ao mesmo tempo. Ademais, as tarefas deste curso praticamente não têm prazo. Todos os exercícios que eu dei são para continuar fazendo pelo resto da sua vida. Sim, eu vou pedir um trabalho escrito no final (uma coisa de um certo tamanho) e aí nós teremos um prazo, mas só para isto. E as outras práticas? Você pode continuar fazendo, pode refazer, ouvir de novo este curso mil vezes, o quanto queira. Uma coisa é o término temporal das aulas, outra coisa é o prazo de validade do produto.

Aluno: (...) Eu posso adquirir esta vivência de fato em paralelo com o curso?

Olavo: Mas é claro que pode! E deve fazer isto. E você não deve se apertar com relação a prazos. De vez em quando a gente dá uma coisa com prazo, estou dando um mês para vocês lerem a Apologia de Sócrates e o Fédon ---- somando tudo não dá cem páginas, então um mês é mais que suficiente. Mas o seguinte, vocês têm que voltar com a coisa lida. Pelo Amor de Deus façam isto! Leiam tudo, do começo até o fim. Não precisa ler a introdução, nem estudos sobre Platão, nada disto. Leia como se a coisa houvesse sido publicada ontem. E como se aquele autor estivesse falando com você em especial. Existe um truque, que é transformar o autor que está sendo lido numa personagem, como se fosse alguém no placo expondo as suas idéias. Considere-o apenas como um elemento do seu próprio imaginário, porque é desta figura imaginária que você vai, partindo dela, se aproximar do indivíduo real. Mas inicialmente tem que haver uma absorção profunda. E esta absorção não é possível se você não reconstruir imaginariamente a voz que está falando.

Às vezes você está lendo algo e dá a impressão que é uma pessoa de fora que está falando. Não! Não é ainda. Por enquanto use o texto como se fosse a pauta de uma música, para tocá-la dentro da sua cabeça. Ou como se fosse o script de uma peça de teatro para representar no seu imaginário. Aos poucos você verá que este autor imaginário com o qual teve contato, se transformará numa pessoa real colocada no seu devido momento histórico, etc. Mas num primeiro momento, ele é realmente como se fosse uma personagem de teatro. E considerá-lo como tal é uma maneira bastante pessoal de se relacionar com ele sem precisar ter todo o conhecimento filológico, histórico, etc.,etc. É claro que isto é um truque, mas funciona.

Aluno: Na palestra do professor Raphael de Paola sobre o livro O Enigma Quântico*, ocorreu a citação do livro* Os Princípios do Cálculo Infinitesimal de René Guénon. Para alguém como eu que foi estudar matemática com o objetivo de que ela auxiliasse na compreensão da realidade e terminou por se desencantar, o livro, parece (ainda estou no início da leitura) fornecer algumas respostas para este desencanto. Qual é a sua opinião sobre este livro?

Olavo: É um dos melhores livros do René Guénon. Sua leitura é absolutamente indispensável. É um livro maravilhoso. A gente discorda de René Guénon em coisas substanciais, mas, há de se reconhecer o seu mérito. Ali, o domínio que ele demonstra nas questões tratadas nos deixa de boca aberta.

Aluno: O senhor poderia, por favor, responder qual a diferença entre essência, substância e natureza? Pois estou confuso com este negócio.

Olavo: Pergunta importantíssima! Quando falamos da essência de uma coisa, ou nos referimos a ela como substância, ou falamos da natureza dela, estamos nos referindo a uma mesma coisa por três lados diferentes. Se tomarmos um objeto por um lado é uma substância. Aristóteles definia substância [2:10] como aquilo que nem é parte de outro, nem é ação do outro e nem é qualidade do outro. Portanto, é algo que tem de ser concebido em si mesmo e por si mesmo. Claro que podemos dizer que um gato é uma parte da natureza, mas ele não é parte da natureza como a unha do gato é parte do gato. Ele é uma parte da natureza que tem uma existência que só pode ser concebida não como ação e nem como qualidade de um outro. E é exatamente nisto que consiste uma substância. Note bem que isto não é uma definição, mas um critério distintivo. Então a substância o que é? É um ente individual. Este, naturalmente, é alguma coisa. E isto o que ele é, e que faz com que ele seja o que é, pode ser chamado de sua natureza ou de sua essência. Qual é a diferença?

Quando falamos na natureza, referimo-nos mais àquilo que está nele mesmo: um gato é um gato porque tem a natureza de gato, ou seja, não é um gato por acidente, nem de vez em quando ou um gato em mais ou em menos --- não existe uma escala de "gaticidade" do gato. Ele é um gato e isto que faz com que ele o seja, é exatamente a sua natureza. E usamos a palavra essência mais para designar a nossa apreensão dessa natureza (se bem que há autores que usam as duas palavras de maneira intercambiável). Mas, em geral, existe mais esta acentuação: quando falamos da natureza de uma substância, nos referimos a aquilo que há nela, que faz com que ela seja ela, e que a distingue de todas as outras. E a essência refere-se à nossa apreensão desta forma natural do objeto. Mas às vezes usa-se natureza e essência como sinônimos. Bem, elas são sinônimos, pois uma se refere ao que a coisa é e a outra ao que pensamos que a coisa seja. Como nós pensamos o que a coisa é com a intenção de que seja mesmo, então a diferença é somente funcional.

Natureza e essência podem ser usadas como sinônimos, com esta pequena diferença de acentuação. Mas substância é o que a coisa é independente do que pensamos dela. Um gato é um gato não porque pensemos que ele o seja. A substância é sempre o ente individual. E note bem, preste atenção, e faça este exercício: procure descobrir alguma coisa que só exista sob forma genérica, e não individual. Não existe! Existem qualidades genéricas, mas realidades genéricas não, estas só existem ou como pensamento, ou na forma dos entes individuais que a manifestam, por exemplo, uma espécie animal. É aquela famosa observação dos aristotélicos sobre o platonismo: "Vejo o gato, mas não vejo a 'gaticidade'". Bem, a "gaticidade" só é apreensível intelectualmente e não como realidade. Ela não se apreende como percepção de entes mas por um artifício que se faz de modo a captar a estrutura comum a todos os gatos. Esta estrutura existe, não é um nada, mas não é um ente, é uma qualidade geral. Entes só existem individuais.

Aluno presente: Pode ser chamada de arquétipo?

Olavo: Pode! Só que se você chamá-la de arquétipo, dará uma outra acentuação. O arquétipo de uma coisa é a natureza dela compreendida como origem remota e primeira, é o modelo da possibilidade do gato, por exemplo. É a mesma natureza do gato só que considerada na escala das causas. O arquétipo é um modelo que é anterior à própria existência da coisa. Antes de que existisse o primeiro gato, a espécie gato já existia como possibilidade. Não é o arquétipo no sentido Junguiano da coisa que é outro negócio!

O arquétipo no sentido Junguiano é uma imagem que os seres humanos têm do arquétipo neste outro sentido, e não o propriamente dito. Tomando a definição de uma figura geométrica: um triângulo é uma figura plana com três lados retos. Antes que existisse qualquer triângulo, já era isto. Para que viesse a existir tinha que ser assim, senão não seria triângulo, mas outra coisa. Este é o arquétipo do triângulo. No sentido junguiano, não. Neste sentido, ele é uma imagem muito antiga que a humanidade carrega desde o seu começo e no qual ela enxerga uma imagem do arquétipo no sentido ontológico, no primeiro sentido. Estas distinções não se referem a coisas, mas a pontos de vistas diferentes.

Aluno: No decorrer do curso acho que perdi todas as ilusões referentes ao Iluminismo. Mas considerando sua brutal influência na cultura de hoje, pergunto: existe algo que se salve no Iluminismo? Houve algum avanço filosófico?

Olavo: Não, avanço filosófico não teve nenhum! Mas acho que mesmo a idéia da Ordem Jurídica Constitucional, não é má de tudo. O Iluminismo teve algumas idéias práticas muito boas. Só que seus principais expoentes, ficaram hipnotizados por estas idéias (...). Todos eles (Diderot, Voltaire) caíram na mesma esparrela: tiveram uma ou duas idéias boas sobre a constituição da sociedade e acharam aquilo tão exageradamente maravilhoso que, em nome daquilo, jogaram tudo o mais fora. Então, evidentemente, a coisa que é uma boa idéia se torna automaticamente uma coisa de maluco. Para terem uma ordem constitucional, resolveram acabar com todas as monarquias, com a religião, adotar o materialismo e apagar todas as idéias tradicionais, fazer tábua rasa de tudo. Então destruíram o universo para imporem a sua ordem. É como diziam os latinos: "Pereat mundus, fiat philosophia..."2. Quer dizer: para realizar a própria filosofia, acabam com o mundo.

Na verdade estas idéias eram bastante limitadas, não eram tão originais assim e valem alguma coisa com a condição de que exista um mundo no qual possam ser aplicadas. Isto é que foi um negócio genial dos Founding Fathers: eles aproveitaram algumas fórmulas jurídicas do Iluminismo, recolocando tudo dentro do contexto cristão tradicional sem alterar a ordem cristã. E conseguiram fazer esta maravilha que é a ordem constitucional americana. Quem disser que não é uma maravilha, eu pergunto: por que vêm morar aqui?

--- "A ordem americana é uma porcaria contanto que eu tenha os direito prescritos na Constituição americana, as garantias dela, a proteção do Estado americano, os benefícios da previdência social americana, mas tirando tudo isso, os EUA são uma porcaria". --- Verdade! Até terrorista islâmico prefere antes viver aqui do que em seu país de origem. Comunista prefere antes viver aqui do que em seu país de origem e os exemplos ocorrem assim por diante.

Eles [os Founding Fathers] acharam uma fórmula genial! Claro que não é a definitiva porque nada é definitivo no mundo. E isto o que eles construíram pode ser perdido também a qualquer momento, porque não é uma coisa fácil de se manter. Quando John Adams dizia que esta Constituição só serve para um povo moral e religioso, vemos que as leis aqui funcionaram maravilhosamente enquanto a cultura religiosa predominou. Na hora em que começou a declinar, criou-se o caos legal. Por exemplo, hoje em dia já não se sabe quais são os limites para a atuação de um juiz. Os juízes alegam que podem interpretar as leis de forma diferente --- então o juiz se torna um legislador. Claro que isto é um caos! Se houvesse ainda o predomínio da mentalidade religiosa, a própria moral cristã esclareceria qual o limite de sua atuação, mas ele não tem mais este critério. Então o que ele fez? Se apegou à fórmula jurídica criada pelo Iluminismo e apagou a ordem do mundo que existia por trás dela, então é claro que virou um caos.

À medida que declina a fé religiosa (que não declinou tanto, por exemplo: setenta e cinco por cento [2:20] dos americanos são cristãos praticantes. E destes setenta e cinco por cento, é cinqüenta por cento da população que vai ao culto no domingo aqui, é uma coisa impressionante), o pequeno declínio que houve, já foi suficiente para aumentar o banditismo, o número de divórcios, jogar os filhos contra os pais, os pais contra os filhos, o marido contra a mulher, vizinho contra vizinho... Então John Adams tinha razão, esta constituição não serve para qualquer um.

Agora, quando ele diz que não serve para qualquer um, destes dois fatores (a Constituição e o ambiente cristão), qual abrange qual? O ambiente cristão é infinitamente maior do que a esfera da Constituição. Então esta é somente um elemento que entra ali para modular certos aspectos da realidade social, dentro de um contexto infinitamente maior determinado pela herança cristã. Então o que sobra do Iluminismo? O que sobra é o que ficou incorporado aqui na Constituição americana. E o resto é tudo besteira.

Aluno: O senhor considera que a tomada de consciência do projeto filosófico se dá com Sócrates, e não com os Pré-Socráticos. Esclareçamos hoje que esta tomada de consciência consiste em reconhecer a dificuldade, a problemática, ou mesmo a impossibilidade de expressarmos uma lei que será capaz de explicar todas as coisas. Na História Essencial da Filosofia fica claro que Tales, por exemplo, para enunciar que todas as coisa provém da água, expressa-se de maneira metafórica, usando a água como figura de linguagem, daquilo que mais tarde será chamado na metafísica de o Ser. Pergunto: Esta consciência não está presente já entre os Milésios? Digo isso porque, considerando que houve de fato a sucessão histórica: Tales/Anaximandro/Anaxímenes como houve Sócrates/Platão/Aristóteles, me parece que o Ápeiron de Anaximandro (o Informe, o Ilimitado), seria uma evidência dessa consciência do projeto filosófico.

Olavo: Não, ali ela é uma consciência apenas em germe. No instante em que Anaximandro diz que o fundamento da realidade não é nada disso do que se vinha falando, mas um negócio chamado Ápeiron, claro que ele está dando um salto monstruoso porque, o que os outros estavam enunciando como metáfora, ele já anuncia como um conceito identificável. Então o Ilimitado já não é uma metáfora, não é um símbolo, é um conceito bastante rigoroso. Mas isto não quer dizer que ao qualificar o Ilimitado como o fundamento do nosso conhecimento, ele esteja elaborando a própria função do filósofo. Ele não está falando da função do filósofo, mas da constituição da realidade. Claro que é um salto monstruoso em relação aos outros e já prepara o caminho de Sócrates, então houve, claro, um avanço. Mas ele não está meditando sobre a função do filósofo como Sócrates o fará explicitamente.

Houve alguém aqui que perguntou sobre a constituição da Nova Ordem Mundial e eu não estou achando, mas vou lembrar uma coisa para vocês (quem fez a pergunta vai lembrar quem foi):

A melhor maneira de definir o comando da elite global é aquilo que um autor chamado Nicholas Hagger chamou de O Sindicato. Este é um grupo de pessoas (ou um grupo de grupos) que se reúnem para a consecução de objetivos considerados vantajosos para todos eles. Analisando qual é a constituição do Sindicato, vê-se que na origem dele estão famílias (como Warburg, Schiff, Onassis, Rothschild) e que no prosseguimento, estas são dinastias (eu disse que um dos agentes históricos possíveis são as dinastias, então elas têm uma estrutura dinástica e o Sindicato como um todo também tem uma estrutura, digamos, de um Consórcio de dinastias) que se aliaram a outras famílias, a outros grupos, que hoje se reúnem principalmente no Grupo Bilderberg. Então perguntemos: quem são os membros do Grupo Bilderberg?

Isto encontra-se na Wikipedia, todos os nomes estão lá na página numa pesquisa bem feita (não sei quem a fez, mas está muito bem feita). Se houver dúvidas, consultem o livro do Daniel Estulin ---- das centenas de membros do Grupo Bilderberg, ou seja, centenas de representantes de dinastias, só vinte por cento são americanos. O país que mais tem membros no Grupo Bilderberg é Portugal. O Grupo Bilderberg foi fundado por um príncipe holandês, e das famílias que estão lá, a maior parte é européia. Ora, pretender que esta elite global represente o interesse nacional americano é absolutamente ridículo. Não há como dizer que os Rothschild são patriotas americanos. Ou que o Onassis seja um patriota americano. Nem que Giovanni Agnelli, da Fiat, o seja, e assim por diante. O Sindicato é uma entidade supranacional e se utiliza dos Estados que consegue dominar ou influenciar como instrumentos de suas ações, de tal modo que a responsabilidade recaia sobre o Estado e não sobre esta entidade que está por trás de tudo. Ou seja, mesmo quando um Estado é usado como instrumento de uma ação que vai contra os mais óbvios interesses nacionais da nação representada, este Estado e esta nação levarão a culpa.

Agora por exemplo, estão usando o Estado americano para derrubar governos laicos ou inócuos do oriente Médio e substituí-los por governos da Fraternidade Islâmica, que é claramente anti-americana. A ação é manifestamente contra os interesses nacionais americanos. E no entanto quem levará a culpa da ação? O Estado e a nação que foram usados como instrumento. O verdadeiro agente histórico aí não é o Estado americano, nem o Estado português ou o Estado holandês, é o Sindicato!

As dinastias consideradas em particular, existiam desde muito antes (a dinastia dos Rothschild se forma no século XVIII) e atravessaram muitos Estados. Agiram no Antigo Regime, no Estado napoleônico, etc e continuam aí. Tudo isto já foi para o brejo, Napoleão já foi embora, o Antigo Regime acabou e os Rothschild estão lá, impávidos colossos*.* O Sindicato se forma no fim do século XIX agregando estas várias famílias, de modo a que pudesse precisamente transcender a esfera de ação dos Estados e jogar com estes como se fossem peças num jogo de xadrez. Então é só ler a lista de quem são os membros do Sindicato para ver que a pretensão de que isto represente o poderio nacional americano é absolutamente ridícula, pueril.

Esta é a verdadeira constituição do poder que está agindo: o poder dinástico. Constituído por um agrupamento de mais ou menos umas trezentas famílias cujos membros, geração após geração, continuam fiéis aos mesmos objetivos, enquanto as nações e Estados se desfazem, somem do mapa. Se se observam as transformações do Estado americano, este mudou um bocado, mas o Sindicato continua lá, impávido colosso. Ele é o agente histórico. Este tem que ter durabilidade e constância para acima das formações jurídico-políticas nas quais se expressa, se manifesta e que utiliza como seus instrumentos. É uma coisa tão simples isto!

Este termo que o Nicholas Hagger encontrou (eu não conhecia o autor, foi algum leitor que me sugeriu a algumas semanas atrás, imediatamente comprei dois livros dele e li), o livro não acrescenta muita coisa do que a gente já sabia sobre a Nova Ordem Mundial, mas tem este mérito que foi descobrir o termo. Qual é a entidade? A entidade chama-se o Sindicato.

Note que Syndicate, em inglês, tem um sentido diferente da palavra Sindicato em português; na nossa língua lembramos logo de sindicato de trabalhadores, esta coisa toda. Mas sindicato de trabalhadores (como, por exemplo, Sindicato dos Trabalhadores da Construção Civil) nos EUA se chama Union. Syndicate [2:30] se refere mais ao sindicato patronal, ao sindicato das empresas. E o Nicholas Hagger não os chamou de Union mas de Syndicate. Seria como se fosse um sindicato patronal ---- são os Patrões do Mundo ---- este é o verdadeiro agente.

Vejam, este pessoal está continuamente em contato, trocando idéias o tempo todo. Eles têm centenas de think tanks trabalhando para si, compraram metade dos intelectuais do mundo para trabalharem para eles. Então a intensidade da sua comunicação interna transcende a intensidade das comunicações internas de qualquer governo do mundo. E isto permite que tenham uma ação continuada ao longo dos tempos, para que possam formar o plano, colocá-lo em movimento, corrigir seus defeitos, adaptá-lo às mudanças de situação e assim por diante. E agir com uma continuidade e uma constância admiráveis enquanto os observadores bocós ficam olhando para os Estados e os governos para ver quem é que está agindo por trás. Nenhum desses últimos está agindo!

Quando leio isso, lembro do versinho do António Machado: "A distinguir me paro las voces de los ecos, y escucho solamente, entre las voces, una.3" --- quer dizer, ouvem-se as vozes destas várias nações, mas por de trás só há a voz do Sindicato. Não digo que eles tenham o poder total, não têm. Eles encontram resistências e dificuldades formidáveis, já levaram muita entortada ao longo do tempo. Muitos de seus planos que já eram para estarem realizados a trinta anos ainda estão se arrastando ---- mas têm um poder formidável. E seu principal poder é que não há uma identidade jurídica pela qual eles possam ser responsabilizados por seus atos. Desde que existe o mundo, o procedimento padrão é que se tenha o poder de ação sem ter a responsabilidade. Aliás, este ponto da responsabilidade é importantíssimo para a compreensão de um outro aspecto das coisas: qual é o interesse que o Sindicato (os socialistas não usam o termo, mas nós vamos passar usar agora) tem no Socialismo? Como pode ser se são capitalistas, como querem o Socialismo?

Lembrem o que eu disse sobre a tendência da inteligência humana de transferir os problemas da realidade para a esfera puramente verbal e tentar resolver este como se estivesse resolvendo a realidade. Temos, portanto, de nos livrar deste fetichismo das palavras e procurar quais são as realidades que estão por trás delas. A definição nominal de Socialismo é a propriedade estatal dos meios de produção. Então as pessoas raciocinam da seguinte maneira: "Se são capitalistas e o Socialismo quer a propriedade estatal, o Socialismo vai tirar a propriedade deles e eles vão ficar sem nada, então não podem ter interesse no Socialismo." Belo raciocínio puramente verbal! Se o Socialismo nega o direito à propriedade, é porque considera que a propriedade legal é apenas um fetiche burguês como tudo o que é legal. A ordem das leis para o Socialismo (sobretudo para o Marxismo) é apenas um disfarce de interesses reais que existem por trás. Portanto, a ordem jurídica é palhaçada para o Socialismo.

Ora, com base nisto, podemos perguntar o seguinte: O Socialismo quer a propriedade legal dos meios de produção ou quer o poder real sobre os meios de produção? Vejam: Se ele tiver a propriedade legal, será o responsável legalmente ---- isto é uma estupidez que nem mesmo o Hugo Chávez é capaz de cometer. Então significa o seguinte: há muito tempo, toda a liderança do movimento comunista e socialista já percebeu que ter a propriedade legal é se submeter a um fetichismo burguês que só vai atrapalhar. Então não podem e nem é preciso ter a propriedade legal ---- eles têm que ter o controle efetivo sem ter a propriedade legal e, portanto, sem ter a responsabilidade. Desta forma, eles nunca podem ser responsabilizados por nada embora estejam comandando tudo. Então adquirem uma deliciosa invisibilidade por trás do processo. O Estado socialista-comunista controla e domina todo o processo econômico mas não é responsável por nada. Responsáveis são os agentes particulares que ainda têm na mão este fetiche da propriedade legal. De modo que, se dá tudo certo é glória do Estado, e se dá tudo errado é culpa do empresário. Isto é o Socialismo, e este é o único Socialismo que existiu e que algum dia possa existir. Ter a propriedade legal dos meios de produção é o Estado socialista se submeter à ordem burguesa que ele quer destruir ---- não faz sentido.

Significa que o Socialismo se impõe e se implanta com muito mais facilidade sob uma aparência jurídica de capitalismo montada sobre uma ordem socialista substantiva na qual o Estado controla tudo mas o responsável legal não é ele. E é justamente aí que entra o interesse dos grandes capitalistas: à medida que crescem os controles estatais da economia, eles crescem mas não podem ocupar todo o terreno, por definição. É preciso resguardar a margem da propriedade legal. Se transgredir esta margem, o governo se torna automaticamente responsável por tudo e vai levar todos os tomates (tomates, ovos podres, coisa que eles não querem) --- é um processo que nunca termina. A absorção da economia pelo Estado é como uma assíntota4^,^ o Estado vai dominando e dominando, mas não pode chegar ao domínio total, porque, para isto, seria preciso ter a propriedade legal, o que é contraditório ---- não logicamente contraditório, mas objetivamente, ontologicamente.

Neste processo, onde aumentam os controles estatais, todas as empresas pequenas estão condenadas à destruição. Vem o Estado e coloca lá exigências fiscais, exigências sanitárias, exigências trabalhistas e mais não-sei-o-quê politicamente correto, o coitado não agüenta e vende a empresa para outra maior. Isso quer dizer que o avanço do socialismo é o avanço do poder do capital monopolístico num processo que não tem fim. Quando este mundo for totalmente socialista (aliás não existe o totalmente, ele é sempre um processo progressivo) mais poderosos são os Rothschild, os Rockefeller, os Borg etc. É uma coisa de uma obviedade monstruosa. É preciso ou o sujeito ser muito burro, ou estar cego por uma problemática religiosa insolúvel, como o Duguin, para não enxergar uma coisa desta. É por isso que o Sindicato sempre promoveu os países socialistas, sempre bota dinheiro nos países socialistas para que eles progridam cada vez mais e por isso financiam os movimentos de esquerda no mundo inteiro.

Com isso, entende-se outro fenômeno: no debate, o Professor Duguin diz: "a América Latina é mais Eurasiana porque ela é contra a Nova Ordem Mundial e está mais do nosso lado etc. e, portanto, eu sou mais pró-Brasil que o brasileiro Olavo de Carvalho" --- mas que gracinha! No Brasil, todas as leis implantadas há trinta anos, vêm todas prontas do Sindicato. A política econômica vem prontinha do Banco Mundial, a política de saúde vem prontinha da Organização Mundial de Saúde (OMS), a política de segurança vem da ONU e assim por diante. Vem tudo pronto! Quer dizer, quem está determinando o rumo das coisas é o Sindicato. O país é um dos mais subservientes ao Sindicato ao ponto de lhes ceder territórios com este negócio das nações indígenas, internacionalização da Amazônia etc.

O Brasil está cem por cento servindo ao Sindicato. Por outro lado, é anti-americano. Serve ao Sindicato e atira tomates no quê? Na fachada americana do Sindicato. E este não sofre absolutamente nada com isso, pois sabe que quem vai levar os tomates é o Estado americano e não ele. Este anti-americanismo verbal dos brasileiros não implica nenhuma desobediência à Nova Ordem Internacional, ao contrário, a subserviência é total. O Brasil é tão Eurasiano quanto o Pólo Sul, quanto um pinguim. Agora, é de se notar que a falta de clareza quanto aos conceitos fundamentais usados, leva a pessoa a se enroscar numa série de fetiches verbais e olhar para uma coisa como o Brasil e dizer que ele está do lado do eurasianismo. Mas este é a Nova Ordem Mundial escrita! É o politicamente correto, os territórios indígenas, a lei de cotas, o casamento gay, a política do Banco Mundial, é tudo cem por cento obediência! Bem, eurasiano só porque fala mal dos EUA! Mas estes foram postos aí só para levarem os tomates, é o bode expiatório! O Sindicato faz as coisas, parece que é americano e os americanos levam os tomates. Foi tudo feito para isso, meu Deus do Céu!

Ora, o Sindicato seria idiota para se constituir como entidade jurídica, decisória e, em seguida, ter que responder por suas ações? Jamais! Ele tem os Estados, usa-os como camisinhas. E o que é jogado fora é esta, não o respectivo membro que a ocupava. Tudo isso é de uma clareza meridiana para quem tem um método, compreende a realidade da ciência social e da ciência histórica. Mas para compreender isto hoje é difícil, porque o número de fetiches que herdamos destas chamadas ciências sociais é muito grande. Então, para escapar desta fantasmagoria, só usando todo o poder do método filosófico, que é o método de esclarecimento, de tomada de consciência da própria posição na realidade. Não se trata de criar estruturas teóricas ou doutrinais, não! Trata-se de compreender o que está acontecendo.

Quando vocês lerem a Apologia de Sócrates, verão que Sócrates não cria teoria nenhuma, mas mostra que compreende aquela sua própria situação de uma maneira translúcida. Ele sabe o que está acontecendo para si mesmo, sabe o que as pessoas estão fazendo. Isto é a filosofia ---- é compreender a realidade, mesmo que seja só a realidade do momento. Às vezes, é a única que podemos compreender.

Eu quero contar um negócio para vocês que esqueci. Desculpa, é muito importante. Um cidadão cujo nome revelarei nas próximas semanas, tem uma pequena fazenda no interior de São Paulo e a oferece para ser um local de reunião dos nossos alunos, especialmente aos que queiram se dedicar aos trabalhos de transcrição de todo o meu material (que a esta altura já são, se pegar tudo que eu falei por aí e que está gravado, umas quarenta mil páginas). Há muito trabalho pela frente. Então vou conversar com este cidadão durante a semana e, ele me autorizando, direi quem é e como entrar em contato. Vai ser muito bom que aqueles que possam vão lá passar um tempo. É um lugar muito bonito, agradável, com pessoas boas. E ter um lugar de encontro nestas condições é, para nossos alunos, uma verdadeira maravilha. Porque todos nós estamos em contato virtual. Tem alguns grupos que se reúnem para estudar, como no Instituto Olavo de Carvalho no Paraná, mas que tem um limite espacial intransponível. Agora não, vamos ter muito mais possibilidades. Ele diz que pode hospedar até quarenta pessoas juntas ali. Então, se houver continuamente quarenta pessoas, vocês podem promover cursos, congressos e fazer um intercâmbio destes trabalhos de transcrição. Nós vamos combinar, ainda temos que fazer um plano. Mas estou gratíssimo a este cidadão, que se revelou um grande amigo. Eu não perguntei se podia dizer o nome e já revelar quem é. Mas já fica anunciado e isso certamente vai acontecer. Isto não é só uma possibilidade, a coisa já está combinada, só não sabemos o como. Garanto que nas próximas aulas darei mais notícias a respeito.

Muito obrigado a todos e até a próxima semana.

Transcrição, Revisão e notas de rodapé: Carlos Felice

Revisão Final: Klauss P. Tofanetto

Footnotes

  1. Em português: O Céu é de Verdade, autor: Todd Burpo com Lynn Vincet -- Editora Thomas Nelson Brasil.

  2. Friedrich Whilhelm Nietzsche -- Para a Genealogia da Moral -- Uma polêmica (1887) Terceira dissertação: O que significam ideais ascéticos? - "Pereat mundus. Fiat philosophia. Fiat philosophus, fiam!..." - "Pereça o mundo. Faça-se a filosofia. Faça-se o filósofo, faça-se eu!...".

  3. António Machado (1875 -- 1939)
    Esta citação é do poema Retrato que está a abrir Campos de Castilha (1907-1917).
    De António Machado vale lembrar este que pode servir de divisa:
    Al andar se hace el camino, / y al volver la vista atrás / se ve la senda que nunca / se ha de volver a pisar.

  4. Assíntota -- (Do gr. Asymptótico) , "que não pode coincidir" - Tangente de uma curva no infinito.